CRIME DE DANO CULTURAL NA SERRA DO CURRAL.



No dia 21 de setembro de 1960, depois dos requerimentos fundamentados do governador Bias Fortes e dos pareceres jurídicos no mesmo sentido da defesa do maior monumento paisagístico, natural e cultural de Belo Horizonte, a Serra do Curral foi tombada em âmbito federal, por meio do processo de tombamento nº 591-T-58, que deu origem à inscrição nº 29, registrada às fls. 8, do Livro de Tombo nº 1. 

Os cuidados com a proteção da Serra do Curral foram crescentes, estando sempre no contexto a preocupação geral com a preservação do patrimônio ambiental. No entanto, hoje, passados cinquenta e quatro anos dessa conquista humana elogiável, digna de verdadeiros cidadãos, surgem ameaças à integridade do bem tombado, quando ali pretendem construir um macro empreendimento hospitalar de múltiplas especialidades. Todavia, em que pese a importância do hospital para a população, nada justifica a construção do mesmo em área tombada, de proteção ambiental e considerada proibida para edificação. Além do que, o projeto aumenta em 113% a área construída, desrespeita a altimetria local e contribuirá para a desfiguração da encosta da Serra do Curral, colocando em risco iminente todo o paredão, o maciço, o entorno, os mirantes, as trilhas ecológicas, a travessia da serra, os parques e o corredor ecológico.  

A legislação ambiental é farta na tutela da fauna, da flora, dos recursos hídricos. A Serra do Curral é um ambiente desses valores, imprescindíveis para uma vida com qualidade e sustentabilidade, para o bem de todos. Cabe, por conseguinte, aos governos municipal, estadual e federal o dever de usar as leis e defender com rigor as riquezas ambientais. Portanto, nesse pensar, cumpre ressaltar que o patrimônio histórico-cultural tombado no âmbito federal, constitui, a teor do art. 216 da Constituição, patrimônio cultural a nível nacional, cuja tutela traduz indeclinável dever constitucional do poder público, que tem a obrigação de proteger os bens e valores culturais. Daí, legítima a punição criminal daquele cuja conduta desrespeita e ofende a integridade do patrimônio artístico, cultural, arqueológico ou histórico nacional (arts. 165 e 166, do Código Penal, e art. 63 da Lei 9.605/1998). Esses preceitos, que tipificam os crimes de dano cultural, objetivam tornar mais efetiva a proteção estatal destinada a resguardar a inviolabilidade do acervo histórico, arqueológico e artístico do país, restando à sociedade o dever de exigir dos governantes o cumprimento da lei. A Serra do Curral é patrimônio de todos: belo-horizontinos, mineiros e brasileiros de maneira geral. A Serra do Curral é patrimônio nacional. 

Somos um país aprendiz de democracia e de reconhecimento da importância do meio ambiente. Em países civilizados, constituídos de pessoas conscientes, a violação de um monumento histórico, paisagístico, natural e cultural jamais seria admitida. Aqui, lamentavelmente, o poder econômico alavanca com a ajuda do poder público os interesses privados, em detrimento dos reais interesses dos cidadãos. O descumprimento do art. 225 da Constituição é vergonhoso, uma vez que disponha na defesa da sociedade que: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". 

O texto constitucional garante, as autoridades descumprem, a população não é escutada, os direitos são retirados e, tudo isso, com a maior desfaçatez, sem que o indivíduo reaja, posto que continue de cócoras, com o queixo aos joelhos. As lições mostradas mundo afora não sensibilizam os brasileiros, que permanecem apáticos, letárgicos, inertes, na esperança de que as coisas se resolvam por si, quando todos sabem que isso não vai acontecer. 

Enfim, a Serra do Curral está ameaçada de destruição, na forma silenciosa dos gananciosos. A hora é agora, de defesa, de protestos, de pressão, de mobilização pacífica, de demonstração de insatisfação com o que aí está. E, em assim procedendo, com vigor, as futuras gerações, com certeza, saberão reconhecer e agradecer, mesmo porque a Serra do Curral, cartão postal de Belo Horizonte, não é de uns, é de todos. A Serra do Curral é do povo. 

Wilson Campos (Advogado/Assessor e Consultor Jurídico do MAMBH/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).   

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