MUDANÇAS NAS REGRAS DE BENEFÍCIOS



O pacote de maldades do governo federal chegou pelas mãos da Presidente da República, Dilma Rousseff, que editou no dia 30 de dezembro de 2014 as Medidas Provisórias (MPs 664/14 e 665/14) que tornarão mais rigorosas as regras para o acesso da população a uma gama de benefícios previdenciários e trabalhistas, respectivamente, como o auxílio doença, a pensão por morte, o seguro-desemprego, o abono salarial e o seguro-defeso do pescador.

As novas regras entram em vigor no prazo de 60 dias, a contar da sua publicação em 30/12/2014, ou seja, a partir de 01/03/2015, mas ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional.

As mudanças valem somente para casos novos, ocorridos depois da sua entrada em vigor. As pessoas que já vêm recebendo algum dos benefícios em questão, pela regra antiga, podem ficar tranquilas, porque continuarão com esse direito garantido até que finde a concessão.

A justificativa do governo para alterar regras do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) é promover uma economia de R$ 18 bilhões por ano, a partir de 2015. As mudanças atingem o abono salarial, o seguro-desemprego, o seguro-defeso, a pensão por morte e o auxílio-doença.

O governo federal afirma que, em 2013, as despesas com abono salarial e seguro desemprego somaram R$ 31,9 bilhões e R$ 14,7 bilhões, respectivamente. Por sua vez, a intermediação de mão de obra registrou um investimento de apenas R$ 117,2 milhões nesse mesmo período. Assim, segundo fontes do governo, torna-se necessário reduzir as despesas do FAT com políticas passivas para investir no fortalecimento das políticas ativas, pois estas têm impacto direto no aumento da produtividade do trabalhador e da economia, o que gera maiores ganhos de bem-estar para toda a população no longo prazo.

Já os empresários projetam que as novas medidas afetam toda a cadeia produtiva. As modificações no auxílio-doença, por exemplo, vão pesar mais para as empresas. Hoje o benefício é de 91% do salário do segurado, limitado ao teto do INSS, e as empresas pagam 15 dias de afastamento do trabalhador. Com a nova regra, o teto será a média das últimas 12 contribuições e as empresas arcarão com o custo de 30 dias de salário. Melhor dizendo, como sempre, o governo descarrega o peso da solução em cima da iniciativa privada e gera aumento de custos que naturalmente deverão ser repassados ao consumidor. Nessa linha de raciocínio do empresariado, o abono salarial também pode gerar um fluxo negativo no mercado, uma vez que o governo reduz o benefício do funcionário e tira capital do mercado, diminuindo a entrada de dinheiro no comércio.

A bem da verdade, o governo deveria se preocupar, de fato, em buscar soluções efetivas de reestruturação dos Ministérios da Previdência e do Trabalho e Emprego, com severos mecanismos de controle e fiscalização, a fim de evitar abusos, desvios e fraudes, em vez de tomar medidas com fito no caixa, no orçamento e nos gastos públicos. As alegações do governo não convencem, posto que injustificáveis os obstáculos impostos às garantias constitucionais. 
 
Sem discutir o mérito ou a constitucionalidade dessas medidas, embora haja controvérsias, vejam-se as principais mudanças que atingem diretamente os trabalhadores assalariados e outros contribuintes:

Abono Salarial: Antes (Quem trabalhava um mês durante o ano e recebia até dois salários mínimos tinha direito a um salário mínimo como abono). Agora (Carência de seis meses de trabalho ininterruptos e o pagamento passa a ser proporcional ao tempo trabalhado).
Ou seja, atualmente, o Abono Salarial do PIS, como é conhecido, trata-se do benefício correspondente a um salário mínimo, que é pago aos trabalhadores com renda de até dois salários mínimos e que tenham trabalhado por pelo menos um mês com carteira assinada no ano anterior. Com as novas regras, o valor do benefício passa a ser proporcional ao período trabalhado e só receberá o benefício quem tiver trabalhado por pelo menos seis meses ininterruptos, com carteira assinada, no ano anterior.

Seguro-Desemprego: Antes (Carência de seis meses de trabalho). Agora (Carência de 18 meses na primeira solicitação; 12 meses na segunda e seis meses a partir da terceira).
Ou seja, atualmente, o trabalhador demitido sem justa causa, após seis meses ou mais na mesma empresa, tem direito ao seguro desemprego. Com as novas regras, na primeira solicitação será preciso ter pelo menos 18 meses no emprego; na segunda, 12 meses e, na terceira, seis meses.

Auxílio Doença: Antes (O benefício era de 91% do salário do segurado, limitado ao teto do INSS. Além disso, as empresas arcavam com o custo de 15 dias de salário antes do INSS). Agora (O teto é a média das últimas 12 contribuições e as empresas arcam com o custo de 30 dias de salário antes do INSS).
Ou seja, atualmente, a empresa arca com os primeiros 15 dias de afastamento do trabalhador e o restante é custeado pelo INSS. O benefício é calculado com base na média dos 80 melhores salários-contribuição. Com as novas regras, o custo dos trabalhadores afastados para os empregadores subirá para 30 dias. Será fixado um teto para o valor do auxílio-doença, equivalente à média dos últimos 12 salários-contribuição à Previdência. As perícias médicas poderão ser feitas nas empresas que dispõem de serviço médico, desde que fechem convênio com o INSS. O decreto com as regras sairá dentro de 30 dias.

Pensão por morte: Antes (O benefício pago aos viúvos é integral, vitalício e independente do número de dependentes (filhos). Não existe prazo de carência, bastando uma única contribuição à Previdência). Agora (Acabará o benefício vitalício para cônjuges jovens, com menos de 44 anos de idade e até 35 anos de expectativa de vida. A partir desta idade, o benefício passa a ser temporário e dependerá da sobrevida do pensionista. O cálculo do benefício também muda: o valor da pensão cai para 50%, mais 10% por dependente (viúva e filhos), até o limite de 100%. Assim que o dependente completa a maioridade, a parte dele é cessada. Para ter acesso à pensão, é preciso que o segurado tenha contribuído para a Previdência Social por dois anos, pelo menos, com exceção dos casos de acidente no trabalho e doença profissional. Será exigido tempo mínimo de casamento ou união estável de dois anos. O valor mínimo da pensão continua sendo de um salário-mínimo. As mudanças valerão também para os servidores públicos, que já têm pensão limitada a 70% do valor do benefício - que excede ao teto do INSS, de R$ 4.390,00).
Ou seja, os critérios para obter pensão por morte também ficarão mais rigorosos e o valor por beneficiário será reduzido. As novas regras não se aplicam a quem já recebe a pensão. O governo vai instituir um prazo de “carência” de 24 meses de contribuição do segurado para que o dependente obtenha os recursos. Atualmente, não é exigido tempo mínimo de contribuição para que os dependentes tenham direito ao benefício, mas é necessário que, na data da morte, o segurado esteja contribuindo. Será estabelecido ainda um prazo mínimo de 2 anos de casamento ou união estável para que o cônjuge obtenha o benefício. Esse prazo é necessário e serve até para evitar casamentos oportunistas, segundo a fala dos representantes do governo. A atual legislação não estabelece prazo mínimo para a união. 
O governo anunciou também um novo cálculo que reduzirá o valor da pensão, com uma nova regra de cálculo do benefício, reduzindo do patamar de 100% do salário de benefício para 50% mais 10% por dependente até o limite de 100% e com o fim da reversão da cota individual de 10%. Pelas medidas provisórias editadas pela Presidente da República, deixará de ter direito a pensão o dependente condenado pela prática de crime que tenha resultado na morte do segurado. Atualmente, o direito de herança já é vetado a quem mata o segurado, mas não havia regra com relação à pensão por morte. 
Outra mudança é a vitaliciedade do benefício. Cônjuges “jovens” não receberão mais pensão pelo resto da vida. Pelas novas regras, o valor será vitalício para pessoas com até 35 anos de expectativa de vida – atualmente quem tem 44 anos ou mais. A partir desse limite, a duração do benefício dependerá da expectativa de sobrevida. Desse modo, o beneficiário que tiver entre 39 e 43 anos receberá pensão por 15 anos. Quem tiver idade entre 33 e 38 anos obterá o valor por 12 anos. O cônjuge com 28 a 32 anos terá pensão por nove anos. Quem tiver entre 22 e 27 anos receberá por seis anos. E o cônjuge com 21 anos ou menos receberá pensão por apenas três anos.

Seguro-defeso: Outra alteração anunciada pelo governo diz respeito ao seguro-desemprego do pescador artesanal, o chamado seguro-defeso. Trata-se de um benefício de um salário mínimo para os pescadores que exercem atividade exclusiva e de forma artesanal. O valor é concedido nos períodos em que a pesca é proibida para permitir a reprodução da espécie. A MP editada pelo executivo veda o acúmulo de benefícios assistenciais e previdenciários com o seguro-defeso. O pescador que recebe, por exemplo, auxílio-doença, não poderá receber o valor equivalente ao seguro-defeso. Além disso, será instituída uma carência de 3 anos a partir do registro oficial como pescador, para que o valor seja concedido.

Por todo o exposto e, sobremaneira, pela afirmação da Presidente Dilma Rousseff, segundo a qual "mexer em direitos trabalhistas, nem que a vaca tussa", e "conquistas e direitos dos trabalhadores é algo que não se mexe, não se arrisca, não pode ter retrocesso", causa desânimo assistir a tudo isso, principalmente partindo de quem deveria dar bom exemplo, cumprir o que promete, estar acima de qualquer suspeita. Lamentavelmente, pode-se dizer, com convicção, que a vaca tossiu e tossiu pra valer, na cara do trabalhador, do cidadão comum e dos contribuintes da previdência. Data maxima venia, causa espanto ouvir a Presidente da República dizer uma coisa antes da eleição e praticar outra, logo após reeleita, anunciando regras rígidas que reduzirão o pagamento de benefícios como pensão por morte, auxílio-doença, abono salarial, seguro-desemprego e seguro-defeso, nos termos acima expostos e na interpretação dos dispositivos das medidas adotadas.

Em que pese a expectativa de economia por parte do governo, o sentimento que fica é de revolta dos atingidos pelas mudanças, mormente os empregados e os empregadores, que esperavam por uma reforma trabalhista, amplamente discutida pela sociedade, mas não por atos a toque de caixa, no afogadilho, sapecados por canetadas do executivo federal.   

Enfim, uma vez que tais Medidas Provisórias trouxeram estupefação à sociedade, incluindo trabalhadores e empresários, espera-se, por imperioso e justo, que as novas regras sejam afastadas do ordenamento jurídico brasileiro, pela reprovação por parte do Poder Legislativo e por meio do Poder Judiciário, no bojo do controle de constitucionalidade repressivo ou mesmo preventivo (MS 24.667, STF), por violar inúmeros postulados constitucionais, como o da vedação ao retrocesso social, da proteção ao mínimo existencial, da regra da contrapartida (Art. 195, parágrafo 5º, da CF), e da dignidade da pessoa humana. Melhor seria se as mudanças fossem precedidas de ampla discussão com os diversos segmentos, com o maior número de interessados e com as instituições envolvidas. 

A lição que fica é a de que a legitimidade do ato do governante se configura na capacidade de escutar os governados, antes de ações impensadas.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

Comentários

Postagens mais visitadas