OBRAS INDESEJADAS.



Há obras que jamais deveriam sair do papel, pelo fato de que são indesejadas pela população. Muitas das vezes, trata-se de intervenções inúteis, que colocam em risco vidas humanas e contribuem para a desarmonia dos interesses da coletividade. Esse é o caso do Viaduto Batalha dos Guararapes, construído na Avenida Pedro I, em Belo Horizonte, que desabou em 3 de julho do ano passado, resultando em duas mortes e 23 feridos. 

Além das perdas humanas, do sofrimento generalizado, os prédios vizinhos sofreram enormes danos com o desabamento, e os moradores foram obrigados a deixar os seus apartamentos. O caos se instalou no trânsito local, com o fechamento de ruas por mais de dois meses. O que sobrou da estrutura frágil do viaduto construído a toque de caixa, para atender a Copa do Mundo, foi demolido. O que era para melhorar o trânsito se transformou em pesadelo, mortes, feridos, desalojamento de famílias, tristeza e dor. Lamentavelmente.

Com as lágrimas ainda no rosto, desesperançados, os moradores que ainda não se recuperaram dos trágicos longos meses de sofrimento e sequer foram indenizados dos prejuízos materiais e morais, são instados novamente pela prefeitura, que vem a público avisar que uma trincheira vai ser construída no lugar do viaduto que desabou, que ainda não tem data para o início das obras, que isso será definido em reunião entre representantes do Ministério Público Estadual, moradores do entorno, e empresas responsáveis pelo projeto e pela obra. A prefeitura não se coloca entre os participantes do encontro, ou seja, além de não fiscalizar as obras contratadas, como foi o caso do fatídico viaduto,  ainda se exclui das conversas para o encontro de soluções.

Os culpados pela queda do viaduto estão impunes. A justiça é lenta e os erros se acumulam. No caso concreto, as empresas responsáveis pelo projeto e construção do viaduto que desabou foram consideradas culpadas pelo Ministério Público, que determinou que as duas paguem a obra da trincheira ou devolvam os R$10 milhões investidos na obra. Por outro lado, a Polícia Civil ainda não concluiu o inquérito criminal e alega que o laudo técnico da perícia ainda não está pronto. De sorte que, passados sete meses da queda do viaduto, o clima na região é de indignação, dúvida, incerteza e insatisfação. Os problemas se avolumam. No lugar do viaduto foi feito um cruzamento provisório com semáforos, as estruturas dos prédios atingidos esperam por reparos, os moradores não foram indenizados e a nuvem de horrores promete novas obras com o início da construção de uma trincheira no local. A população é contra a construção da trincheira, por óbvio. Os comerciantes, idem. Chega de desatino. O povo quer sossego. Obras mal planejadas são indesejadas.

A Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) afirmou que recebeu e aprovou o projeto de construção da nova trincheira, feito pela mesma empresa que desenvolveu o projeto da estrutura do viaduto que desabou (primeiro susto). A previsão é de que por volta do mês de março a execução tenha início. A prefeitura garante, no entanto, que, antes, a obra será discutida com a comunidade. Ora, isso é o mínimo que se poderia esperar do poder público. Afinal, os transtornos serão todos para os moradores da região, já cansados de prejuízos, barulhos, transtornos, sofrimentos e pouca ou nenhuma indenização. Só promessas. A construtora que executou a obra do viaduto que caiu e que, provavelmente, será a mesma a construir a nova trincheira (segundo susto), é a responsável pela indenização dos danos causados nas estruturas dos prédios, só que ainda não se propôs a isso, de forma definitiva. A justiça é lenta e os responsáveis pelos danos se aproveitam disso, tornando a espera um sacrifício diário para os moradores.

Diante de todo o exposto, as perguntas que não querem calar: 1) De fato, é necessária essa trincheira em um local já submetido a sofrimentos recentes? 2) Há estudos de especialistas que demonstrem a viabilidade da obra? 3) Foram feitas análises de impacto ambiental? 4) As empresas contratadas são competentes para esse tipo de obra? 5) A fiscalização da prefeitura dessa vez vai funcionar, conferindo projetos, execução, prazo, investimentos, qualidade, de forma eficiente, regular e criteriosa? 6) A construção da trincheira não seria uma mostra de incompetência do poder público, que não consegue administrar a mobilidade urbana e apenas posterga soluções definitivas, como a entrega do metrô? 7) As obras espalhadas pela cidade, sem fiscalização, trarão benefícios para a população, de forma permanente, ou apenas são testes de paciência a preços absurdos? 8) Os moradores aguentam mais dois anos de obras sem planejamento, como foi a do viaduto que desabou? 9) A cidade vai continuar repleta de obras inacabadas, que deixam um rastro de entulhos, mangueiras descobertas, canteiros e passeios esburacados, cones de sinalização espalhados, rotatórias improvisadas, semáforos sem sincronização, bocas de lobo sem tampa, bueiros entupidos? Ora, francamente, não há cidadão que aguente!   

Uma coisa é certa: a construção de viadutos e trincheiras é solução ultrapassada. As administrações modernas, de cidades planejadas, evitam construir trincheiras e viadutos, o que é razoável, pois essas intervenções pertencem ao passado, a uma política urbana  que valoriza monumentos com consideráveis movimentações de terra e toneladas de concreto. Trincheiras e viadutos são intervenções pesadas na paisagem urbana, que desumanizam a cidade e causam impactos ambientais fortíssimos. Além do que, não resolvem o caos no trânsito. O problema do trânsito tem de ser atacado pela diminuição de carros nas ruas, com medidas de estímulo ao transporte coletivo, de qualidade, claro, incluindo o metrô, o veículo leve sobre trilhos e outros meios de facilitação e comodidade no  deslocamento das pessoas. As trincheiras e os viadutos, apenas acomodam o tráfego de veículos, cada dia maior, mas não resolve o problema, sequer com a ampliação de vias. A solução passa por meios de transporte com qualidade, conforto e segurança, acrescida da descentralização da cidade, reduzindo os deslocamentos da população, desestimulando a concentração do comércio em centros de consumo distantes e investindo no planejamento urbano, antes de iniciar qualquer obra.   

Assim, independentemente se trincheira ou viaduto, o que deve prevalecer é o diálogo com os moradores, a tranquilidade  e o sossego dos cidadãos, que não suportam mais a execução de obras que atravancam o ir e vir dos pedestres, enlouquecem os motoristas, estressam as crianças, os jovens e os adultos, e colocam em risco a vida humana. Chega de obras impensadas, mal planejadas, sem prioridade social e indesejadas pela população. Chega! Paciência tem limite!

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

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