JULGADOS TRABALHISTAS

Torna-se peculiar a convivência do advogado com decisões judiciais trabalhistas que, algumas vezes, parecem ininteligíveis para os leigos, mas não para os operadores do direito. O fato é que os julgados trabalhistas remetem a um entendimento do juiz, quase sempre baseado na experiência do sentenciante, que, a rigor, interpreta com base na lei, sem retirar das partes envolvidas os direitos da ampla defesa e do contraditório, os quais são buscados a todo momento pelo advogado.

Nesse sentido, alguns julgados trabalhistas que podem nortear similares demandas, sem o consenso de que os casos concretos parecidos mereçam as mesmas decisões:  

I) Zelador responsável por limpeza de banheiro é acusado de espionar colegas e vai receber indenização: 

Uma determinada empresa de Sergipe foi condenada a indenizar um zelador demitido após ser acusado de espionar no banheiro as empregadas do local. A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo de instrumento da empresa, mantendo assim a condenação por danos morais, no valor de R$ 10 mil, imposta pelo Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE).

Na reclamação trabalhista, o zelador afirmou que, embora se possa considerar "constrangedora", estava entre as suas funções a de limpar o banheiro feminino da empresa, mas nunca teve quaisquer problemas com as funcionárias que frequentavam o recinto. Ele soube, por colegas, que seria demitido "por ser muito lento" e se aproveitar da função para observar as frequentadoras do banheiro feminino e, segundo afirmou, as alegações o deixaram em situação difícil, pois, além de ser classificado como "mole", foi acusado de violar a intimidade alheia. Passados dois meses, dos boatos, o empregado foi demitido.

A empresa negou que o motivo da dispensa tenha sido a desconfiança quanto à conduta do zelador, e afirmou que a razão teria sido o término do contrato de experiência. Disse ainda que deu ao trabalhador um atestado de boa conduta.

A 6ª Vara do Trabalho de Aracaju (SE) decidiu pela condenação da empresa à indenização por danos morais, por considerar que não havia uma empregada que cuidasse da limpeza do banheiro feminino, sendo o zelador o único responsável. O juízo considerou provadas as alegações de constrangimento de que foi vítima o empregado, e arbitrou a indenização em R$ 10 mil. O TRT-SE manteve a condenação, reiterando não ser conveniente que um trabalhador do sexo masculino seja o responsável pela limpeza de banheiro feminino, situação considerada "constrangedora" para o empregado. A decisão do Regional também levou em conta que o ocorrido teve repercussão entre os empregados e clientes da empresa, o que teria levado o zelador "a chorar de forma compulsiva".

Ao analisar o agravo de instrumento, pelo qual a empresa pretendia que o TST examinasse seu recurso de revista, o relator, ministro Alberto Bresciani, considerou justo o valor fixado no primeiro grau. Para o ministro, a decisão observou de forma correta as condições econômicas e financeiras da empresa, os prejuízos causados à vida do trabalhador e o interesse social da medida. 
Processo: AIRR-2127-27.2011.5.20.0006. 

II) Exoneração de cargo de confiança não dá direito a aviso prévio e multa de 40%: 

Inconformada com a decisão proferida pelo juízo da 3ª Vara do Trabalho de Santos, a reclamante, contratada para exercer cargo de confiança na Prodesan, apresentou recurso pleiteando a reforma do julgado quanto às verbas referentes a multa de 40% sobre o FGTS, aviso prévio indenizado e danos morais.

A reclamada, em sua contestação, esclareceu tratar-se de sociedade de economia mista integrante da administração pública indireta e que a autora havia sido nomeada para a função de assessora de diretoria, cargo de natureza precária, com dispensa a qualquer tempo, e por isso não haveria direito aos valores pretendidos.

Conforme analisado pela juíza convocada, relatora do acórdão, a exoneração de cargo de confiança não se assemelha à dispensa imotivada e, sendo assim, não confere à trabalhadora o direito ao pagamento de aviso prévio ou indenização de 40% sobre o FGTS, tratando-se, na verdade, de demissão que fica a critério do administrador.

Em seu voto, a magistrada destacou que, segundo estabelecido pelo artigo 37, II, da Constituição Federal, “a investidura em cargo público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

Quanto à alegação de dano moral, a relatora salientou que, para sua configuração, é necessário que haja prova inequívoca de grave abalo para o empregado, devendo ocorrer, cumulativamente, a ação ou omissão do agente, culpa do agente, relação de causalidade e dano experimentado pela vítima, o que, de acordo com a fundamentação de juíza, não se verificou.

Dessa forma, os magistrados da 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região decidiram negar provimento ao recurso interposto pela reclamante e manter inalterada a sentença de 1ª instância, nos termos do voto da juíza-relatora.
(Proc. 00007197820135020443 - Ac. 20140398419). 

III) Fixada indenização de R$ 600 mil por morte de vigilante: 

Uma empresa de vigilância e o Banco do Brasil, este de forma subsidiária, foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 600 mil pela 1ª Turma do TRT/RJ. As empresas foram responsabilizadas pelo fato de um empregado que atuava como vigilante ter sido assassinado aos 29 anos. Os desembargadores entenderam que as empregadoras não forneceram as devidas condições de segurança do local de trabalho, o que possibilitou a fatalidade.

O empregado que faleceu trabalhava como vigilante noturno em trailer disponibilizado pela empresa de vigilância – prestadora de serviços para o Banco do Brasil. A contratante alegou que o trailer funcionava em caráter provisório enquanto as obras para a construção de um posto avançado estavam em fase de conclusão.

O supervisor do vigia prestou depoimento como testemunha à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, afirmando que, por volta das 8h do dia 5 de janeiro de 2009, foi fazer uma vistoria no trailer e o encontrou fechado. Ao abrir a porta, segundo ele, o local estava revirado e sem o cofre. O supervisor dirigiu-se, então, a uma delegacia de polícia e lá soube que o corpo do vigilante fora encontrado, em local deserto, com perfurações de tiro.

Em sua defesa, a prestadora de serviços argumentou que os três vigilantes lotados no posto improvisado costumavam deixar o trailer trancado e sair à noite, somente retornando pela manhã.

O relator do acórdão, desembargador do Trabalho, observou que o depoimento do vigia demonstra que o ocorrido se deu durante o horário de trabalho, não havendo qualquer indício de que o funcionário tenha se ausentado do local de trabalho durante a jornada.

O magistrado destacou, ainda, que o vigia laborava em local desprovido de segurança, pois não se pode conceber que um trailer seja local adequado para manter um posto bancário e, ainda, um cofre. “Por mais que a atividade desempenhada pelo de cujus (vigilante) fosse de risco, não se pode isentar o empregador de sua responsabilidade em amenizar tais riscos”, disse o magistrado.

De acordo com o relator, a discussão quanto à responsabilidade civil do empregador ser objetiva ou subjetiva é desnecessária no caso em questão. “Restou plenamente configurada a omissão da contratante em não fornecer os meios necessários para o cumprimento da atividade do empregado em um ambiente de trabalho seguro”, concluiu.

A 1ª Turma manteve o valor da indenização por danos morais do primeiro grau, fixado pela 2ª Vara do Trabalho de Cabo Frio.

Nas decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, são admissíveis os recursos enumerados no art. 893 da CLT.

IV) Apenas o mero contato telefônico com proposta de emprego não define foro para ajuizamento da ação trabalhista: 

Um trabalhador residente em Coronel Fabriciano/MG recebeu uma proposta de emprego por telefone. Após a ligação, deslocou-se até Contagem/MG, onde se localiza o escritório da empresa de serviços de montagens e manutenção eletromecânica. Lá recebeu e entregou documentos, além de passar por exames médicos. Já a prestação de serviços se deu em Ibirité/MG.

Ao ajuizar a ação trabalhista, o reclamante escolheu a Justiça do Trabalho de Coronel Fabriciano. Por discordar dessa conduta, a ré apresentou a chamada "exceção de incompetência em razão do lugar". Trata-se de argumento para determinar a remessa do processo para outro órgão judiciário que seria o competente para julgar a matéria tratada naquele conflito.

E o juiz Paulo Emílio Vilhena da Silva, que julgou o caso na 3ª Vara do Trabalho de Coronel Fabriciano, deu razão à empresa. "O mero contato por via telefônica com o reclamante e eventuais tratativas para se formular propostas não são razoáveis para afastar a regra insculpida no art. 651, caput da CLT", destacou. O dispositivo prevê que a ação trabalhista deve ser ajuizada no local onde ocorreu a prestação de serviços, ainda que o empregado tenha sido contratado em outra localidade ou no exterior.

O mesmo artigo 651 da CLT prevê ainda, no parágrafo 3º, que, em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços. No entanto, para o julgador, este não é o caso dos autos, pois a ré não detém mobilidade na prestação de serviços.

Na visão do magistrado, admitir a contratação por via telefônica ou outros meios esporádicos, inclusive no ambiente virtual, levaria à interpretação absurda de o parágrafo revogar o caput do artigo 651, que trata da regra geral. Para ele, não há como se emprestar interpretação elastecida à regra prevista no parágrafo 3º do dispositivo.

"Não é opção do empregado ajuizar a demanda trabalhista no local onde se encontrava no momento em que recebeu uma ligação telefônica com oferta de emprego. A regra é de exceção, e somente em situações específicas é permitida a flexibilização da ditame previsto no caput do mesmo dispositivo legal, caso contrário, se, por hipótese o empregado fosse contratado pelas redes sociais, em qualquer lugar onde ele estivesse a Vara do Trabalho da localidade seria competente. Não foi essa a intenção do legislador", ponderou.

Frisou ainda o juiz que o Princípio do Acesso à Justiça não pode ser alegado para afastar a regra da competência territorial a que se refere o artigo 651 da CLT. Conforme lembrou, a própria CLT prevê que, na impossibilidade de se locomover e comparecer a audiência em outra Vara do Trabalho, o empregado poderá se fazer substituir por outro empregado da mesma categoria ou pelo seu Sindicato. Assim dispõe expressamente o artigo 843, parágrafo 2º da CLT.

Por tudo isso, a exceção de incompetência arguida pela reclamada foi acolhida pelo juiz, que declinou a competência para a localidade da prestação dos serviços. O reclamante apresentou recurso, mas este não foi conhecido, por incabível. A Turma de julgadores entendeu que se trata de decisão interlocutória não terminativa do feito, irrecorrível de imediato, nos termos do artigo 893, parágrafo 1º, da CLT ("Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recurso da decisão definitiva"). A decisão transitou em julgado. 
TRT da 3ª Região (MG) – ( 0001323-07.2013.5.03.0089 RO). 

Assim, por todo o exposto nas quatro ações trabalhistas retro mencionadas, a ressalva que se faz é no sentido de que as decisões trabalhistas decorrem de uma série de fatos e de provas documentais e testemunhais nos autos. Portanto, as sentenças podem depender dessas indispensáveis demonstrações de direito, efetivamente provadas e que levem à satisfação do advogado, da parte reclamante ou reclamada e ao entendimento do magistrado, sob pena de recursos previstos na CLT e no Código de Processo Civil, até o efetivo trânsito em julgado, quando se dá por encerrado definitivamente o feito processual.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

Comentários

Postagens mais visitadas