SUSERANOS E SERVOS.
Sócrates, o filósofo grego, precursor da ética e do
diálogo, já afirmava às portas da democracia ateniense que o homem devia servir
à pátria com suas atitudes e agir no interesse coletivo. Além disso, salientava
que é dever do Estado formar cidadãos sábios e honestos.
Na esteira da sabedoria reconhecida por seus
contemporâneos, transmitia ao povo o melhor dos conhecimentos, das ideias e das
críticas, posto que na imensidão do mundo as fraquezas e qualidades do ser
humano se conflitam. E seu aprendiz, Platão, assinalava a necessidade da
atuação individual na busca do bem comum, indicando que nenhum governante deve
procurar vantagens para si, mas para os governados.
Muitos não aprenderam a lição. Tantos outros sequer
leram ou escutaram de alguém as sábias palavras proferidas por tão ilustres
mestres, defensores incansáveis da perfeição moral do homem.
Ao horror das hostes insolentes e teimosas na
malversação da coisa pública, se opõe o enfrentamento cívico de grande maioria
da nação, que desanima no combate dos apegados ao poder, mas que se reanima
num rasgo de esperança, quando ressurge na sua independência o impávido
Poder Judiciário trazendo para si a responsabilidade de julgar e condenar,
proporcionando ao povo o direito a uma biografia limpa e carreando aos
poderosos as penas e multas pelos crimes cometidos.
Os vassalos do mal, aproveitadores contumazes,
assistem de cátedra ao desmoronamento dos seus ídolos de barro e ainda gritam
pelos cantos a sorte dos destronados. Pobres indivíduos desamparados, agora
pranteando incrédulos os seus protetores jogados na lama que eles mesmos chiqueiraram.
No entanto, os vassalos do bem, homens e mulheres honrados, persistentes
trabalhadores curtidos no sol do batente diário, respiram mais aliviados, na
crença do resgate moral dessa fase delinquente.
Os suseranos, senhores da maioria dos cargos e do
dinheiro público por apropriação indébita, acometidos de grandeza intocável e
paciência limitada, algozes do contribuinte indefeso e se achando donos do
erário, disparam palavrórios impublicáveis quando lhes tocam a túnica
empedernida de autoridade que nunca tiveram.
E a julgar pelo andar da carruagem, agora
desgovernada, morro abaixo na avaliação do ético, resta por fim que ela devolva
à lama os que dali nunca deveriam ter saído. Irresignados, no repetido diapasão
dos companheiros e apadrinhados deserdados, agora atacam a sociedade, os
moralistas, os transparentes, a imprensa, o Judiciário e blefam na espera de um
perdão do povo. Ora, data venia, só faltava essa, pedir perdão ao povo
que sempre foi alijado nos seus direitos constitucionais.
A alegada "consciência dos inocentes"
rima com o desrespeitoso impropério de chamar de hipocrisia o julgamento dos
culpados, o que configura uma afronta à Justiça e, em especial, aos ínclitos ministros
que, corajosamente, impõem severas penas aos implicados nos processos. Das
hostes e dos suseranos condenados, se espera, além do cumprimento de sentença, o
pagamento das multas, a devolução do dinheiro e o banimento da vida pública.
A Idade Média se foi há séculos, mas os suseranos ainda insistem nos servos aos
seus pés, de joelhos, submissos e prontos à entrega da continuidade feudal.
Enquanto os estados e municípios passam o pires, fincados na máxima de um pacto
federativo desigual, os privilegiados da cúpula amiga do poder se refestelam
nos gastos corporativos intermináveis.
O
julgamento dos culpados não é o bastante para saciar a sede de liberdade,
igualdade e ética dos brasileiros, nem para satisfazer a sociedade em sua luta
contra a impunidade. A missão de moralização precisa continuar, todos os dias,
e o povo tem de estar atento às suas prerrogativas garantidas na Constituição
da República. Porém, não se iludam. As hostes, os vassalos e os suseranos relutam
em abandonar a majestade, restando aos servos o trabalho duro de quitar a
fatura. Mas, até quando?
Wilson Campos
(Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses
Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de sábado, 24 de outubro de 2015, pág. 7).
(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de sábado, 24 de outubro de 2015, pág. 7).
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