OFENSAS PÚBLICAS

Na vida pública deveria existir uma norma cogente que proibisse o mau exemplo do político, sob pena de cassação do mandato. Esta punição, severamente aplicada, restabeleceria enormemente o tão falado decoro parlamentar. 

O que mais se vê na mídia, nas últimas semanas, são desaforos trocados entre políticos do Legislativo e do Executivo, como se estivessem isolados do mundo civilizado e não tivessem que se portar de forma educada diante dos eleitores.

As trocas de farpas entre a presidente da República, Dilma Rousseff, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mostra à sociedade o que não deve ser feito no exercício de uma representação política.

Os palavrórios proferidos parte a parte remetem a uma indignação alheia. Ora, o povo não consegue entender como duas figuras que deveriam servir de exemplo, além de não fazê-lo, tornam o bate-boca uma forma odiosa de manifestação. É o sujo falando do mal lavado.

Por certo que a relação entre os dois nunca foi das melhores, mas essa troca de "amabilidades gratuitas", além de públicas internamente, correram o mundo e, pior, a servir de deboche nos países que não admitem tal comportamento por parte daqueles que estão a serviço do povo.

Ininteligível é o fato de que ambos, ameaçados em seus respectivos mandatos, continuam se atacando como se direito tivesse um mais que o outro. 

A desesperança popular cresce na medida em que os cidadãos não sabem em quem acreditar. Ou melhor, sabem, mas não querem. A vergonha alheia é tamanha que o nosso único remédio é defender a nação desses dois representantes, haja vista a péssima gestão, os péssimos exemplos, as trágicas opiniões públicas e os inadmissíveis atos à frente dos Poderes Executivo e Legislativo.   

Os pedidos de impeachment contra a presidente da República e as provas apresentadas contra o presidente da Câmara favorecem o crescimento do caos político-econômico que se abateu sobre o país, que assiste a tudo sem fazer nada. A sociedade não se manifesta como deveria. Os cidadãos não usam das suas prerrogativas constitucionais. Os erros administrativos nas esferas estatais não são corrigidos e muito menos punidos efetivamente. As responsabilidades apuradas não são severamente cobradas com julgamento, prisão, multas e devolução do dinheiro. O jeitinho político brasileiro insiste em atravancar o caminho do Judiciário. A lei para uns não é a mesma para outros. O princípio da isonomia é relegado a segundo plano, ainda mais quando os interessados na impunidade são caciques políticos das intocáveis siglas partidárias.

A mesmice de um país que não tem por prática democrática sair às ruas e exigir os direitos, acaba por atingir a marca da tolerância máxima por parte dos brasileiros, que teimam em continuar com os queixos aos joelhos, pensativos, mas sem ação ou reação.

Enquanto a inércia da população é percebida de norte a sul e de leste a oeste do país, os dois políticos se acusam, digladiam e se entregam aos dissabores de uma vida pública mesquinha e sem grande futuro, e surpreendem a sociedade com frases que estremecem ainda mais as relações entre o Executivo e o Legislativo e, de resto, envergonham muito mais as famílias brasileiras.

Os estranhamentos não são de hoje. Ao contrário, vêm de algum tempo. Começou com a presidente comentando as cópias de passaporte e assinaturas do parlamentar para a abertura de contas na Suíça que ele diz que não tem. A presidente disse: "Eu lamento que seja um brasileiro, se é isso que você está perguntando. Eu lamento que seja com um brasileiro". No dia seguinte veio a resposta do parlamentar: "Eu lamento que seja com um governo brasileiro o maior escândalo de corrupção do mundo". A seguir, a presidente rebateu: "Primeiro, eu não vou comentar as palavras do presidente da Câmara, segundo, meu governo não está envolvido em nenhum escândalo de corrupção. Não é meu governo que está sendo acusado atualmente. As pessoas que estão envolvidas estão presas e não é a empresa Petrobras que está envolvida no escândalo, são pessoas que praticaram corrupção e elas estão presas". Logo em seguida veio a tréplica do deputado: "Ué, eu não sabia que a Petrobras não era do governo".

E assim caminha a governança brasileira, com troca de farpas, acusações e bate-boca, como se o país não estivesse caminhando para o fundo do poço, com o infortúnio declarado de crescente desemprego, inflação acelerada, juros altos, investimentos paralisados, crises política e econômica, grau elevado de incertezas, escândalos de corrupção, desestruturação da máquina pública, desvalorização do real, crise hídrica, baixa popularidade da presidente, recessão econômica gradativa, incompetência e improbidade administrativa, tráfico de influência, ameaças de impeachment, descontrole de gastos públicos, peculato, concussão, prevaricação, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro.

Não bastassem todos esses gravíssimos problemas, ainda sujeitam os cidadãos ao desconforto de assistir o sujo falando do mal lavado, num episódio típico de filme de terror, que, em não sendo uma jogada para a plateia, passa a ser mais um impedimento para o apoio da sociedade brasileira.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

Comentários

Postagens mais visitadas