AINDA QUE



Ainda que a coletividade não tenha sido escutada nos seus mais cristalinos direitos de cidadania; ainda que as crianças mais carentes não tenham recebido a melhor escola nem a melhor merenda;

Ainda que os idosos sejam discriminados num mercado de trabalho cada vez mais restritivo e excludente; ainda que os enfermos não contem com uma rede pública hospitalar adequada e de qualidade;

Ainda que os trabalhadores não possam usar um meio de transporte público rápido, confortável e eficiente; ainda que um político ganhe mais que um professor, um policial e um bombeiro;

Ainda que a educação receba menos verbas do que as estritamente necessárias; 

Ainda que se demorem sete anos para construir um hospital de pequeno porte;

Ainda que se construam viadutos que caem e matam,  por incompetências pública e privada; ainda que se façam propagandas enfadonhas de partidos políticos que não convencem ninguém; ainda que a prefeitura e a Câmara dos Vereadores se utilizem de horário nobre na TV para falar do pouco que têm realizado;

Ainda que as enchentes causem pânico e destruição todos os anos e nada seja feito para mudar isso; ainda que o calor, cada vez mais insuportável, não se traduza em plantio de milhões de árvores; ainda que as áreas verdes não sejam prioridades da administração municipal, como dito pelo alcaide;

Ainda que a mata do Planalto não tenha a proteção do poder público, que prefere abandoná-la à própria sorte; ainda que a Serra do Curral esteja ameaçada pela diversificada, sombria e vergonhosa especulação imobiliária; ainda que a lagoa da Pampulha continue sofrendo com odor, lixo, esgoto, algas e poluição;

Ainda que os moradores sejam constantemente alijados das discussões que envolvem o real crescimento da cidade; ainda que as obras demorem anos inteiros para serem executadas e ainda assim sejam inauguradas antes de terminadas; 

Ainda que restem por toda a cidade sinais de obras inacabadas, entulhos e degradação; ainda que os grandes destruidores do meio ambiente sejam premiados pelo poder público com títulos e medalhas, e não com punição pelos danos causados à cidade; ainda que a politicagem barganhe interesses próprios em declarado desserviço à coletividade;  

Ainda que a periferia, inexplicavelmente, seja tratada de forma diferente dos demais bairros da cidade; ainda que a população não tenha o metrô prometido em campanhas eleitorais; ainda que o caos no trânsito dificulte a vida, cause estresse e piore a cada dia; ainda que a verticalização irracional esteja na contramão da paisagem, da sustentabilidade e da qualidade de vida;

Os votos de fim e as reivindicações vão continuar, a cidadania vai ser reclamada, o pedido de respeito vai gritar mais alto e a participação da sociedade vai ser cobrada. Tudo para que Belo Horizonte seja uma cidade mais humana e mais voltada para os seus habitantes a partir de 2016.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de quarta-feira, 23 de dezembro de 2015, pág. 17).
     

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