HORIZONTES INCERTOS

Tudo ia bem, até que os profanadores dos templos sagrados do Estado resolveram partir para o enriquecimento ilícito. Os interesses pessoais foram colocados acima dos interesses públicos. A ganância por dinheiro fácil falou mais alto e a coletividade foi enganada por uma turma seleta de espertalhões. Os horizontes, até então promissores para os cidadãos, tornaram-se incertos. O Estado, mal administrado, tão somente voltado para a arrecadação, curvou-se às vontades dos políticos acostumados à exploração do povo. 

O Estado, deliberadamente operando na função quase exclusiva de coletor de tributos, afasta-se cada vez mais do ensinamento doutrinário tradicional, donde o seu conceito seja a reunião de pessoas, território, autoridade e soberania. O Estado deixou de ser povo para se transformar em máquina.

O sofrimento do povo está nos horizontes incertos traçados pela máquina estatal, que não tem sensibilidade e é mal dirigida por pequenos, que querem ser grandes, sem, no entanto, competência para tanto.

A situação do país é crítica. O governo, acéfalo, recolhe-se na sua insignificância administrativa e o caos toma conta das instituições que não têm gestão segura. As lambanças antiéticas, os escândalos bilionários e os atos de corrupção incontida sujam e destroem tanto quanto a lama que arrastou casas, tirou vidas e envenenou o Rio Doce. 

A incredulidade do povo, quando se imagina finda, do nada recomeça e o desespero retorna às vidas dos simples cidadãos. O incerto assusta a todos. O desemprego cresce, os preços aumentam e os juros sobem, além do possível e suportável. No entanto, o Estado não atua e a beligerância se instala.

O fundo do poço em que se encontra o país parece não assustar os detentores do poder, porquanto estejam com os seus salários em dia e os empregos momentaneamente garantidos. De resto, a população e os setores produtivos estão atordoados, sem rumo e desprovidos de meios para quitar as dívidas e honrar os compromissos. A desesperança nacional parece não incomodar os comandantes do barco a deriva.

Apesar do horizonte incerto e de todos os imbróglios sociais, políticos e econômicos que assombram o país, carecedores de bom senso, responsabilidade e apreço por parte dos poderes constituídos e no interesse da nação, a chama do impeachment da Presidente da República cobrado nas ruas há alguns meses é reacesa com sopros de vingança pessoal, alijando do chamamento democrático a opinião pública, traçando caminhos para a punição de comportamentos politicamente indesejáveis e arguindo práticas ilegais de pedaladas fiscais, mas não tratando a questão com a seriedade que ela merece e simplesmente jogando no ventilador os vermes comuns a todos. Ora, em nenhum momento se pensou na sociedade.

O país não pode ficar nesse chove não molha sem fim, que desnorteia os mais diversos segmentos da sociedade organizada. Ora, independentemente de culpa ou dolo, o enfrentamento do impeachment presidencial se dá pelas vias legais, posto que de natureza judiciária, a começar pelo direito à ampla defesa e ao contraditório, com observância de um rito e nos termos da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. Ademais, se sustenta pela tradição, que a Câmara dos Deputados, ao examinar a procedência da acusação, deve apreciá-la politicamente, enquanto o Senado deve agir como juiz e julgá-la sob o rigoroso crivo da legalidade, ainda mais porque a sessão será dirigida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.

De sorte que, caso se concretize, o impeachment não deverá ser escrito apenas pelas canetas da Câmara e do Senado, mas também pela do Judiciário e, principalmente, pela necessária adesão do povo, titular de direitos e garantias constitucionais.

Em que pese o esforço da sociedade cidadã na busca frenética por alguns poucos momentos de felicidade, na expectativa de um país melhor, o Estado corrompido e em ruínas não ajuda, a politicagem não deixa e o sofrimento e a carência continuam impregnando o corpo e a alma dos brasileiros.

Nessa ciranda louca de irresponsabilidades quem mais perde é o povo. Se, por um lado, o sofrimento do povo é pela descrença na classe política, pela incompetência dos governantes, pela aposentadoria miserável, pela excessiva carga tributária, pela impunidade da violência, pela improbidade administrativa, pela falta da casa própria, pela impossibilidade do plano de saúde e pela ausência de educação de qualidade, por outro, a carência é de patriotismo, de padrões éticos, de políticas públicas adequadas, de lideranças ilibadas, de cidadania e de amor pelo país. 

Portanto, o recomeço tem de ser agora, enquanto há segurança jurídica. Os erros devem ser punidos. Os infratores, penalizados. O dinheiro desviado, devolvido aos cofres públicos. Os culpados, presos. A democracia, preservada. A Constituição, obedecida. Os horizontes, abertos, limpos e certos. 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

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