A SOFRÊNCIA NACIONAL
A
sofrência a que este humilde escriba se refere não são aqueles instantes de
sofrimento e carência dos apaixonados, admitidos pelo neologismo da língua
portuguesa, mas cargas pesadas de emoções e sentimentos cívicos que rasgam o peito,
turvam os olhos de lágrimas, retiram o ar, aceleram as pulsações e transformam
soluços em indignação e revolta. A sofrência não é por paixão nem é individual.
A sofrência é por vergonha alheia e é nacional.
O
Estado, deliberadamente operando na função quase exclusiva de coletor de
tributos, afasta-se cada vez mais do ensinamento doutrinário tradicional, no qual o seu conceito seja a reunião de pessoas, território, autoridade e soberania. O
Estado deixou de ser povo para se transformar em máquina.
As
lambanças antiéticas, os escândalos bilionários e os atos de corrupção
incontida sujam e destroem tanto quanto a lama que arrastou casas, tirou vidas
e envenenou o Rio Doce. A sofrência nacional, quando se imagina finda, do nada
recomeça, e o desespero retorna às vidas dos simples cidadãos. O incerto assusta
a todos. O desemprego cresce, os preços aumentam, e os juros sobem além do
possível e do suportável. No entanto, o Estado não atua, e a beligerância se
instala.
O
caos administrativo do Estado parece não assustar os detentores do poder,
porquanto estejam com os seus salários em dia e os empregos momentaneamente
garantidos. De resto, a população e os setores produtivos estão atordoados, sem
rumo e desprovidos de meios para quitar as dívidas e honrar os compromissos. A
sofrência nacional parece não incomodar os comandantes do barco à deriva.
Contudo,
apesar de todos os imbróglios sociais, políticos e econômicos que assombram o
país, a chama do impeachment presidencial cobrado nas ruas há meses é
reacesa com sopros de vingança pessoal, alijando do chamamento democrático a
opinião pública, traçando caminhos para a punição de comportamentos
politicamente indesejáveis e arguindo práticas ilegais de pedaladas fiscais,
mas não tratando a questão com a seriedade que ela merece e simplesmente
jogando no ventilador os germes comuns a todos. Ora, em nenhum momento se
pensou na sociedade.
Independentemente
de culpa ou dolo, o enfrentamento do impeachment se dá pelas vias legais, posto
que de natureza judiciária, a começar pelo direito à ampla defesa e ao
contraditório, com observância de um rito e nos termos da Lei nº 1.079, de 10
de abril de 1950, que define os crimes de responsabilidade e regula o
respectivo processo de julgamento.
De
sorte que, caso se concretize, o impeachment não deverá ser escrito apenas
pelas canetas da Câmara e do Senado, mas também pela do Judiciário e,
principalmente, pela necessária adesão do povo, titular da sofrência nacional.
Se,
por um lado, o sofrimento do povo é pela descrença na classe política, por
outro, a carência é de patriotismo, de padrões éticos, de políticas públicas
adequadas, de lideranças ilibadas, de cidadania e de amor pelo país.
Wilson
Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses
Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de segunda-feira, 11 de janeiro de 2016, pág. 13).
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