REALIDADE PARA SER MODIFICADA



Ainda que a crise política instalada no cenário brasileiro tenha tudo a ver com o grande apego dos déspotas da vaidade pelo poder; ainda que a crise econômica seja resultado de péssima administração cumulada com falta de investimentos, que resultaram na criação dos três monstros - desemprego, juros altos e inflação; ainda que a crise ética tenha se institucionalizado por meio da corrupção, com denúncias diárias contra políticos, executivos e empresários.

Ainda que o nosso sistema tributário seja declaradamente regressivo, acentuando cada vez mais as imensas desigualdades sociais e econômicas; ainda que há mais de 30 anos se fale na necessidade de uma ampla reforma tributária, mas que não se realiza e muito menos se ajusta à nossa Constituição.

Ainda que a PEC do Teto dos Gastos tenha sido aprovada sem que o governo federal corte na própria carne e dê bom exemplo, começando pela redução de salários das "magnânimas autoridades" dos três poderes da República; ainda que a referida PEC preveja tratamento diferenciado para as áreas da saúde e da educação em 2017, com redução significativa de investimentos nesses dois setores cruciais da vida social.

Ainda que as ruas tomadas pelo povo quase nada intimidem os membros do Congresso, uma vez que as mobilizações estão longe de ser um freio para os desatinos políticos; ainda que a improbidade na administração pública tome conta, aos poucos, da parte sadia do corpo combalido da nação brasileira.

Ainda que a política e a politicagem se tornem o centro das atenções em um país tomado por incertezas, que relega a segundo plano as profundas discussões sobre mudanças no ensino médio; ainda que os jovens brasileiros estejam regredindo no ranking de leitura, matemática e ciências sem que as autoridades se preocupem com as necessidades emergenciais dos estudantes.

Ainda que a sociedade não tenha sido escutada nos seus mais cristalinos direitos de cidadania e de pedidos de inclusão social dos despossuídos e necessitados; ainda que as crianças mais carentes não tenham recebido a melhor escola nem a melhor merenda.

Ainda que os mais velhos sejam discriminados num mercado de trabalho cada vez mais restritivo e excludente, com relevância para esse terrível momento de recessão e menos emprego; ainda que os idosos e enfermos não contem com uma rede pública hospitalar adequada e de qualidade, sem que o sofrimento e a morte os encontre na fila de atendimento.

Ainda que os trabalhadores não possam usar um meio de transporte público rápido, confortável e eficiente, com salários dignos suficientes para uma vida satisfatória; ainda que um político ganhe mais que um professor, um policial e um bombeiro.

Ainda que os governos municipal, estadual e federal façam propagandas enfadonhas de realizações políticas que não convencem ninguém; ainda que as câmaras municipais, dos deputados e o Senado se utilizem do mesmo expediente, jogando confetes em si mesmos, diante da cara decepcionada e cansada da espoliada população.

Ainda que as enchentes causem pânico e destruição todos os anos, em várias cidades, e nada seja feito para mudar isso; ainda que o meio ambiente não se traduza em artigo de primeira hora, com prioridades para as áreas verdes, o plantio de árvores e a preservação da diversidade de ecossistemas.

Ainda que pacotes de medidas anticorrupção sejam desfigurados na calada da madrugada, com a retirada de medidas essenciais que inibem a impunidade; ainda que o controle constitucional não seja observado, colocando em risco as instituições e tornando ainda mais grave o atentado cometido na calada da madrugada contra o sistema democrático brasileiro.

Digamos não! E que o ano de 2017 seja diferente, sem abuso de poder, mas com altivez de um povo que não desiste nunca!

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de sábado, 21 de janeiro de 2017, pág. 7).

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