URBANIZAÇÃO CRIMINOSA.


 
Uma parcela considerável da sociedade faz de conta que vive o melhor dos sonhos, porquanto apenas tenha migrado de um setor agrário empobrecido para um centro urbano industrializado. Um pé na terra e outro nas nuvens, sem a menor percepção do que seja vida digna. Ou seja, o simples fato de fugir da miséria rural para a comiseração urbana já representa um salto a comemorar.

O pesadelo desses pobres migrantes começa logo nos primeiros dias, com a discriminação a que não estavam acostumados. Discriminação por etnia, religião, profissão e classe social. Se na zona rural essas pessoas tinham uma identidade, mínima que fosse, nos centros urbanos elas não passam de números no cenário de uma urbanização criminosa, surgida pela inépcia dos governantes e agravada pela discriminação contra negros, pobres e analfabetos.

A exclusão dos trabalhadores braçais pelo setor agrário não é uma manobra empresarial, mas uma constatação do uso cada vez maior de máquinas e equipamentos de tecnologia, que substituem a mão de obra tradicional e provocam o êxodo rural. Daí a ocorrência lastimável da urbanização criminosa, que reverbera a partir do crescimento da pobreza urbana, que, por sua vez, não conta com serviços públicos essenciais e passa a ser estigmatizada pela sociedade da abundância, principalmente por ser vista como contraditória e paradoxal.

A urbanização criminosa não se trata de uma questão de culpa deste ou daquele pobre coitado que foi expulso da área rural por falta de opção, mas de culpa coletiva, de uma sociedade contemporânea consumista, que demanda grande produção industrial e gera concentração de renda, graças ao monopólio de bens econômicos e sociais. O fluxo populacional estabelecido do campo para os subúrbios dos grandes centros acaba por tornar crítica essa triste realidade.

Nem sempre a expansão das favelas se deve à evasão rural, mas passa pelas causas subjacentes da dependência estatal, deteriorando as relações de origem e contribuindo para a mutação dos indivíduos. A maioria quer morar na metrópole, disputar o asfalto, respirar o ar poluído e viver de um trabalho casual. A qualidade de vida não existe.

 A desigualdade social acaba por inflar as ocorrências policiais, diante de uma estatística estarrecedora de violência que mostra a fragilidade da urbanização criminosa e lota as grandes cidades com pessoas sem perspectivas de bom emprego, salário digno ou carteira assinada. Isso, sem mencionar a insuficiência sistemática de saúde, educação, transporte, moradia e segurança, que ficam longe do alcance da periferia, cuja condição de empobrecimento se agrava na medida em que o desenvolvimento econômico se torna seletivo e desumano.

A solução inicial é equipar as pequenas cidades, financiar a produção agrícola familiar e oferecer condições básicas de prosperidade ao homem do campo para que ele fuja dessa urbanização criminosa.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).  

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de sábado, 1 de dezembro de 2018, pág. 17).

Comentários

  1. José Carlos M.F.Lopez4 de dezembro de 2018 às 18:08

    Acerto na mosca. É isso mesmo que acontece - o coitado sai da roça e vem pra cidade grande e se sujeita a subemprego, salário de miséria, morar em favela ou em subúrbio distante e não ter segurança nenhuma do governo. Voltar pra roça e plantar, com condições dignas é o melhor remédio e de preferência com cidades próximas que tenham estrutura para a família estudar, melhorar a vida e seguir adiante. Nora 10 para esse artigo Dr. Wilson. Eu sou José Carlos MFL.

    ResponderExcluir
  2. Noel Moreira Magalhães...4 de dezembro de 2018 às 18:16

    As cidades crescem para os lados e levam consigo a pobreza que surge com a chegada dos que foram expurgados da zona rural, com a chegada da tecnologia. Os serviços braçais são dispensáveis. No entanto, o governo precisa voltar com esse pessoal para a zona rural e dar condições deles viverem bem lá, com dignidade e família na escola, com médico e assistência. A produção agrícola familiar tem seu lugar e os produtos geralmente são bons e de qualidade. Plantar e colher é melhor do que viver em barracos nas cidades grandes entulhadas de pessoas sem futuro certo. Triste mas é a realidade. Como disse o advogado Dr. Wilson Campos, essa tal de urbanização desse jeito é criminosa, porque incha as cidades grandes e deixa o interior sem o trabalho do campo dos pequenos produtores. Precisa melhorar e o governo precisa olhar por essa gente brasileira trabalhadora. Rápido e já. Noel Moreira Magalhães - comerciante e produtor de frutas.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas