BOLO E VELA NO ANIVERSÁRIO DO PROCESSO.


Um processo defendido por um determinado advogado, por pouco não ilustrou declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Num evento em São Paulo, Gilmar disse que, no Brasil, algumas ações chegam à Justiça como previdenciárias e terminam como sucessórias. O processo do advogado só não terminou como sucessório porque os herdeiros da autora, que morreu durante a longa tramitação, resolveram deixar a briga para lá. Indignado com a demora da Justiça, o advogado recorreu aos desenhos: primeiro, um bolo de aniversário do processo e, por último, um caixão para marcar a morte da autora.

O processo de despejo foi ajuizado pelo advogado em 1989 na 14ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, em nome de OFN contra o INSS. Nele, a autora pretendia que o instituto desocupasse seu imóvel, já que não concordaram com o aumento do aluguel.

Um ano depois, ainda sem resposta, o advogado levou ao juiz uma petição para que a ação fosse julgada logo. Na peça processual, desenhou um bolo e uma vela para celebrar o aniversário de um ano do processo. “A autora vem, respeitosamente, à presença de V. Exa. para cumprimentá-lo pelo primeiro aniversário de seu processo. Só resta, pois, cantarmos: parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades e muitos anos de conclusão”, registrou o advogado.

O juiz considerou a petição jocosa e os autos foram devolvidos com o tradicional despacho, segundo o advogado, dizendo “especifiquem provas”. O advogado ficou inconformado pela demora de 365 dias para que fosse apontada a falta de provas. Segundo ele, todas as provas necessárias já estavam anexadas nos autos.

Passados seis meses desse despacho, o advogado conta que “caiu a ficha” do juiz, ele se sentiu desrespeitado e resolveu mandar oficio à OAB para que providências fossem tomadas contra ele. O pedido, contudo, fracassou.

A Ordem disse que não houve ofensa e nem falta de respeito com o juiz. A entidade fundamentou a resposta no artigo 6º da Lei 8.906/04, que diz: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Depois do episódio, o advogado considera que foi punido porque o juiz determinou o arquivamento da ação. Para o advogado, o juiz aplicou "merecido castigo ao processo, arquivando-o por longos cinco anos”. Ele recorreu contra o arquivamento no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

No recurso, deixou claro que não queria menosprezar a inteligência do juiz de primeira instância, mas que chegava a ser inconcebível a sua atitude, “pois fazer ouvidos moucos ao que dispõe o artigo 330 do Código de Processo Civil é confessar ignorância, o que não se acredita, partindo de quem partiu o despacho, ou então a efetivação de uma mórbida vindita contra quem apenas estava exercitando seu legítimo direito de insurgir-se contra uma injustificável e inexplicável demora em seu obter prestação jurisdicional”. O inciso I do artigo 330 do CPC diz: “O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência”.

No dia 3 de dezembro de 2000, enquanto o processo aguardava uma resposta do TRF-3, o advogado fez mais um apelo para que o tribunal julgasse a ação. Nesse apelo, desenhou mais um bolo. Dessa vez, para celebrar o 10º aniversário da ação. Preferiu falar em seu nome para não prejudicar - mais ainda - sua cliente.

Em 2001, menos de um ano depois, juntou aos autos no TRF-3 uma nova peça. Dessa vez, com o desenho de um caixão. A autora do processo havia morrido. O advogado escreveu: “Morreu! Cansada e desiludida por esperar Justiça”. Como os herdeiros não se habilitaram, a ação terminou extinta sem julgamento do mérito.

O juiz responsável pelo caso na primeira instância, AVRV, já se aposentou. Contudo, um funcionário da vara conta que parte do atraso no andamento do processo foi por culpa do próprio advogado. Segundo ele, os autos careciam de provas e o fato de a autora morar em São José do Rio Preto dificultou seu contato com a defesa.

Já o desembargador relator à época do processo no TRF-3, foi afastado por acusação de envolvimento na Operação Têmis, deflagrada anos depois pela Polícia Federal. O foco inicial da operação era desmontar uma quadrilha que burlava o fisco. Depois, segundo a Polícia Federal, descobriu-se a ligação do grupo com juízes que proferiam decisões favoráveis a empresas de bingos. A investigação começou em agosto de 2006.

Pelo visto, o advogado tinha razão, pois o desenrolar dos fatos mostrou que o Judiciário “anda torto por linhas retas”, embora o conveniente seja o advogado manter a calma, ter paciência e peticionar, despachar, pedir, reiterar e tentar conviver com essa morosidade endêmica da Justiça brasileira. Mas, até quando?

Fonte: relatos jurídicos inusitados.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG).


Comentários

  1. Sofro com processos conclusos 1, 2, 3 anos sem que o juiz se manifeste nos autos, apesar de meus pedidos, petições e requerimentos de cleleridade. Não adianta. O juiz parece viver em outro mundo, quilômetros além da terra. Não podemos fazer nada, mas a OAB poderia arregaçar as mangas e conclamar os advogados do Brasil inteiro para mostrar aos juízes, desembargadores e ministros das Cortes que somos profissionais e dependemos de nossos honorários para sobreviver, porque não ganhamos os gordos salários que eles ganham, além das mrdomias e penduricalhos somados aos proventos oficiais. Processos julgados mais rápidos significam honorários mais breves para nós e nosso sustento (verba alimentar). Vamos fazer uma campanha nacional contra a demora e a carestia do Judiciário brasileiro, o mais urgente possível. Vamos lá advogados e advogadas do meu Brasil engessado pelo Judiciário lento e caro. Soraya Camargos (advogada atuante e professora de direito).

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