STF AUTORIZA COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS.


               "Mas, será que esse direito de fiscalizar venceu a impunidade"?  
 

Por esmagadora maioria – nove votos a dois – o Supremo Tribunal Federal, na quinta-feira (28), autorizou a Receita Federal e a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) compartilhar informações bancárias e fiscais sigilosas com o Ministério Público e as polícias, sem necessidade de autorização judicial. Essas informações incluem extratos bancários e declarações de Imposto de Renda de pessoas investigadas e servem para detectar possíveis crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Em razão dessa atitude equilibrada, até que enfim, o STF possibilitou que algo em torno de mil processos volte à pauta, de maneira que os crimes havidos não fiquem impunes. A princípio, a permissão serve para a Receita Federal, mas também serve para a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o antigo Coaf, embora isso não tenha ficado claro no julgamento, já que alguns ministros entendem que esse ponto não faz parte do escopo do recurso extraordinário que discutiam. A definição exata ficou para a próxima sessão, marcada para a próxima quarta-feira (4), quando o alcance da tese será discutido.

A rigor, o entendimento vencedor foi de que a Receita pode compartilhar informações detalhadas sem restrições, incluindo extratos bancários e declarações de Imposto de Renda. Votaram assim os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

O ministro relator, Dias Toffoli, havia votado a favor de restrições ao compartilhamento, mas no final do julgamento aderiu à maioria e retificou o voto. Os ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Mello divergiram dos demais ministros e votaram por negar provimento total ao recurso, entendendo que é preciso autorização judicial para o acesso aos dados, independentemente do órgão.

No entanto, apesar dessa sensatez rara do STF, vale observar que a decisão tomada será inócua caso não seja restaurada a prisão em segunda instância. Ora, os ministros garantistas jogam para a plateia, exatamente no momento em que a sociedade brasileira desacredita de seus atos, haja vista a recente decisão da Corte de permitir a prisão somente após o trânsito em julgado.

A presente decisão do Supremo não conserta seu erro anterior, mesmo porque ninguém é tão inocente que não perceba que de nada adianta ter as informações e os dados de crimes fiscais e financeiros, se não houver a garantia da prisão ou a certeza de que as condenações serão executadas. E não serão, caso permaneça vigente a indigesta decisão de prisão somente após o trânsito em julgado, não se admitindo que seja proficiente e contínuo o combate à corrupção, que requer, no mínimo, a prisão após condenação em segunda instância.

Trocando em miúdos é o seguinte: os ministros do STF privilegiaram alguns criminosos poderosos com a recente decisão de permitir a prisão somente depois de encerrados todos os recursos, ou seja, prisão somente após o chamado trânsito em julgado, e não se fala mais em prisão após condenação em segunda instância; os condenados continuarão livres para continuar a saga da corrupção e lavagem de dinheiro, sem que nada lhes aconteça, uma vez que a mão da Justiça não os alcançará e os crimes prescreverão; e a deliberação da possibilidade de compartilhamento de informações bancárias e fiscais de nada servirá, pois os investigados culpados sairão pela porta da frente ou nunca serão presos.

Essa jogada do Supremo a mim não convence, posto que seja estranha e muito parecida a uma encenação bufa, de tentar convencer a opinião pública de que tudo está bem e tranquilo, quando não está. Ora, o STF, para melhorar sua imagem precisa restaurar a sua decisão de 2016, que permitia a prisão após condenação em segunda instância. Caso contrário, de nada adianta ter informações sigilosas se a Polícia Federal, a Justiça Federal e o Ministério Público Federal não podem encarcerar os culpados.

Destarte, cumpre aos ministros do STF a imediata e necessária restauração da prisão em segunda instância para que os brasileiros acreditem na efetividade dessa votação dos nove a dois acima relatada, sob pena da irresignação dos cidadãos de bem, da volta às ruas com pedidos de impeachment de membros da Corte e da contrariedade aos princípios defendidos pelos países engajados no combate à corrupção e lavagem de dinheiro conforme advertido pela OCDE.

Em assim sendo, vale esclarecer que a OCDE, clube de países ricos do qual o Brasil quer fazer parte, exortou no dia 13 último as autoridades brasileiras a acabar com “as ameaças à independência” das investigações de casos de corrupção no país. “O Brasil deve cessar imediatamente as ameaças à independência e à capacidade das autoridades públicas para combater a corrupção”, destacou o Grupo de Trabalho sobre Suborno da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), ao final de uma missão no país.

Apesar de o Brasil ter sido reconhecido pelo Grupo de Trabalho por seus significativos esforços no combate à corrupção após sua avaliação anterior, em 2014, há agora preocupações de que o país, devido às recentes decisões tomadas pelos Poderes Legislativo e Judiciário, corra o risco de retroceder nos progressos feitos, o que pode comprometer seriamente a sua capacidade de cumprir as obrigações nos termos da Convenção.

Fica o recado, assim como fica a advertência de que a opinião pública de hoje não compactua com negligência, leniência ou subserviência de quem quer que seja. Para que a fiscalização vença a impunidade é preciso que os culpados sejam presos.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

         

Comentários

  1. Raimundo Nonato P.O.D.5 de dezembro de 2019 às 14:36

    Excelente texto, com ótima explicação do antes e do depois. Eu espero que o STF mude sua forma de aplicar a lei porque até agora errou e errou feio em muitas coisas. Isso é uma vergonha para uma suprema corte. O erro da tal da segunda instância precisa ser corrigido como muito bem falou o adv. Dr. Wilson Campos nesse brilhante testo. Os brasileiros precisam reagir mais contra os abusos de autoridades que são complacentes com o crime. A impunidade é coisa de país pequeno e o Brasil não pode ficar toda vida nessa situação monstrenga de deixar livre criminosos só porque são amigos do rei. Meu abraço Dr. Wilson e meu voto de sucesso. Parabéns. Sou Raimundo Nonato, seu leitor.

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