A CARTA VISTA COMO O CONTO DA CAROCHINHA.

 

O ministro do STF, Luís Roberto Barroso, escreveu uma carta em pretensa resposta a Donald Trump, presidente dos EUA, que anunciou uma taxação (tarifaço) de 50% ao Brasil e mencionou decisões do Supremo contra a liberdade de expressão e os direitos constitucionais, num contexto recente de censuras secretas e ilegais e de caça às bruxas. A carta de Barroso, além de receber críticas pontuais dos brasileiros, mereceu o título infantil na imprensa de “Conto da Carochinha”.

O ministro escreveu sua cartinha como se estivesse dando uma aula para crianças do jardim de infância, todas ali sentadas, caladinhas, acreditando piamente no conto da carochinha. Mas Barroso não estava falando com crianças, e sim com o presidente da maior nação do mundo, que sabe muito bem como tem funcionado o sistema atual brasileiro de arbitrariedades em nome da “democracia”. Trump sabe da deterioração das normas democráticas no Brasil.

Barroso descreveu em algumas linhas, num estilo bem egocêntrico, a “história” do Brasil, ao seu alvedrio, como se pensasse estar tratando com uma pessoa qualquer, sem conhecimento e sem discernimento sobre o que sejam democracia, Estado democrático de direito, transparência, legalidade e devido processo legal.  

Na sua personalíssima missiva, o ministro teve a clara intenção de impressionar o presidente americano. Porém, ele se atrapalhou todo e disse: “No Brasil de hoje, não se persegue ninguém. Realiza-se a justiça, com base nas provas e respeitado o contraditório”. Nessa hora a terra treme, os injustiçados se indignam, a sociedade emudece. Por quê? Porque todos sabemos que o Brasil de hoje está muitíssimo longe de ser um país unido, livre e democrático.   

Luís Roberto Barroso, o ministro que ironizou com “perdeu, mané” e afirmou “nós derrotamos o bolsonarismo”, não tem o direito de alegar retidão nas decisões, nas provas e na ampla defesa. Ora, senhor ministro, vamos refrescar sua memória com a seguinte lista de nomes de brasileiros punidos por simples opiniões, que receberam sentenças e penas desarrazoadas e desproporcionais, além do desrespeito ao devido processo legal.   

São os seguintes, os brasileiros punidos, condenados, multados e perseguidos: Débora Rodrigues; Monark; Rodrigo Constantino; Oswaldo Eustáquio; Daniel Silveira; Allan dos Santos; Luciano Hang; Homero Marchese; Bismark Fugazza; Paulo Figueiredo Filho. Todos estes, cada um destes, embora com histórias diferentes de vida, ainda assim foram condenados por meras opiniões e posições políticas. E além destes, todos os demais, cidadãos comuns, estão presos em cadeias brasileiras por suposta tentativa de “golpe” durante os atos de 8 de janeiro de 2023.

Portanto, ministro Barroso, não venha comparar as manifestações em frente aos quartéis à Intentona Comunista, e classificar ambas como “ameaças institucionais”. Saiba separar o joio do trigo. E seja mais humilde ao cogitar que o STF atuou como “um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições democráticas”. Ora, a verdade está com o povo, e a defesa e o contraditório das pessoas estão assegurados e consignados na Constituição e nos parágrafos acima. Basta leitura isenta e bom senso na interpretação dos fatos reais.

Todavia, vejamos o teor da carta do ministro Barroso ao presidente Trump:

“Em 9 de julho último, foram anunciadas sanções que seriam aplicadas ao Brasil, por um tradicional parceiro comercial, fundadas em compreensão imprecisa dos fatos ocorridos no país nos últimos anos. Cabia ao Executivo e, particularmente, à Diplomacia – não ao Judiciário – conduzir as respostas políticas imediatas, ainda no calor dos acontecimentos. Passada a reação inicial, considero de meu dever, como chefe do Poder Judiciário, proceder à reconstituição serena dos fatos relevantes da história recente do Brasil e, sobretudo, da atuação do Supremo Tribunal Federal.

As diferentes visões de mundo nas sociedades abertas e democráticas fazem parte da vida e é bom que seja assim. Mas não dão a ninguém o direito de torcer a verdade ou negar fatos concretos que todos viram e viveram. A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. A oposição e a alternância no poder são da essência do regime. Porém, a vida ética deve ser vivida com valores, boa-fé e a busca sincera pela verdade. Para que cada um forme a sua própria opinião sobre o que é certo, justo e legítimo, segue uma descrição factual e objetiva da realidade.

Começando em 1985, temos 40 anos de estabilidade institucional, com sucessivas eleições livres e limpas e plenitude das liberdades individuais. Só o que constitui crime tem sido reprimido. Não se deve desconsiderar a importância dessa conquista, num país que viveu, ao longo da história, sucessivas quebras da legalidade constitucional, em épocas diversas.

Essas rupturas ou tentativas de ruptura institucional incluem, apenas nos últimos 90 anos: a Intentona Comunista de 1935, o golpe do Estado Novo de 1937, a destituição de Getúlio Vargas em1945, o contragolpe preventivo do Marechal Lott em 1955, a destituição de João Goulart em 1964, o Ato Institucional nº 5 em1968, o impedimento à posse de Pedro Aleixo e a outorga de uma nova Constituição em 1969, os anos de chumbo até 1973 e o fechamento do Congresso, por Geisel, em 1977. Levamos muito tempo para superar os ciclos do atraso. A preservação do Estado democrático de direito tornou-se um dos bens mais preciosos da nossa geração. Mas não foram poucas as ameaças.

Nos últimos anos, a partir de 2019, vivemos episódios que incluíram: tentativa de atentado terrorista a bomba no aeroporto de Brasília; tentativa de invasão da sede da Polícia Federal; tentativa de explosão de bomba no Supremo Tribunal Federal (STF); acusações falsas de fraude eleitoral na eleição presidencial; mudança de relatório das Forças Armadas que havia concluído pela ausência de qualquer tipo de fraude nas urnas eletrônicas; ameaças à vida e à integridade física de Ministros do STF, inclusive com pedido de impeachment;  acampamentos de milhares de pessoas em portas de quarteis pedindo a deposição do presidente eleito. E, de acordo com denúncia do Procurador-Geral da República, uma tentativa de golpe que incluía plano para assassinar o Presidente da República, o Vice e um Ministro do Supremo.

Foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em vários países do mundo, do Leste Europeu à América Latina. As ações penais em curso, por crimes diversos contra o Estado democrático de direito, observam estritamente o devido processo legal, com absoluta transparência em todas as fases do julgamento. Sessões públicas, transmitidas pela televisão, acompanhadas por advogados, pela imprensa e pela sociedade. 

O julgamento ainda está em curso. A denúncia da Procuradoria da República foi aceita, como de praxe em processos penais em qualquer instância, com base em indícios sérios de crime. Advogados experientes e qualificados ofereceram o contraditório. Há nos autos confissões, áudios, vídeos, textos e outros elementos que visam documentar os fatos. O STF vai julgar com independência e com base nas evidências. Se houver provas, os culpados serão responsabilizados. Se não houver, serão absolvidos. Assim funciona o Estado democrático de direito.

Para quem não viveu uma ditadura ou não a tem na memória, vale relembrar: ali, sim, havia falta de liberdade, tortura, desaparecimentos forçados, fechamento do Congresso e perseguição a juízes. No Brasil de hoje, não se persegue ninguém. Realiza-se a justiça, com base nas provas e respeitado o contraditório. Como todos os Poderes, numa sociedade aberta e democrática, o Judiciário está sujeito a divergências e críticas. Que se manifestam todo o tempo, sem qualquer grau de repressão. Ao lado das outras instituições, como o Congresso Nacional e o Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado com sucesso os três grandes papeis que lhe cabem: assegurar o governo da maioria, preservar o Estado democrático de direito e proteger os direitos fundamentais.

Por fim, cabe registrar que todos os meios de comunicação, físicos e virtuais, circulam livremente, sem qualquer forma de censura. O STF tem protegido firmemente o direito à livre expressão: entre outras decisões, declarou inconstitucionais a antiga Lei de Imprensa, editada no regime militar (ADPF 130), as normas eleitorais que restringiam o humor e as críticas a agentes políticos durante as eleições (ADI 4451), bem como as que proibiam a divulgação de biografias não autorizadas (ADI 4815). Mais recentemente, assegurou proteção especial a jornalistas contra tentativas de assédio pela via judicial (ADI 6792). 

Chamado a decidir casos concretos envolvendo as plataformas digitais, o STF produziu solução moderada, menos rigorosa que a regulação europeia, preservando a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de empresa e os valores constitucionais. Escapando dos extremos, demos um dos tratamentos mais avançados do mundo ao tema: conteúdos veiculando crimes em geral devem ser removidos por notificação privada; certos conteúdos envolvendo crimes graves, como pornografia infantil e terrorismo devem ser evitados pelos próprios algoritmos; e tudo o mais dependerá de ordem judicial, inclusive no caso de crimes contra honra.

É nos momentos difíceis que devemos nos apegar aos valores e princípios que nos unem: soberania, democracia, liberdade e justiça. Como as demais instituições do país, o Judiciário está ao lado dos que trabalham a favor do Brasil e está aqui para defendê-lo”. (Luís Roberto Barroso - Presidente do Supremo Tribunal Federal).

Data venia, ministro Barroso, uma instituição que não respeita a liberdade de expressão, condena pobres coitados e inocenta condenados da Operação Lava Jato não pode invocar princípios e valores como soberania, democracia, liberdade e justiça. O povo brasileiro não merece ser tratado como idiota, pois não é. Uma carta não apaga o que a verdade nua e crua mostra e repercute. Mil desculpas não justificam erros, equívocos e desumanidade.

Justiça, senhor ministro, é como disse o grande jurista, advogado, diplomata, Águia de Haia, Rui Barbosa: “A justiça, cega para um dos dois lados, já não é justiça. Cumpre que enxergue por igual à direita e à esquerda”. E ele também afirmou: A injustiça, por ínfima que seja a criatura vitimada, revolta-me, transmuda-me, incendeia-me, roubando-me a tranquilidade e a estima pela vida”.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. De fato um ministro do stf fazer esse papel de justificar o injustificável é um vexame grande e a carta passa a parecer uma historinha da carochinha para criança não chorar. Os advogados de defesa dos supostos golpistas deveriam escrever uma carta ao presidente Trump contando a verdade dos fatos e como se deram os processos e os julgamentos e as penas de 14 e 17 anos de prisão para senhorinhas e idosos e doentes e pessoas inocentes que estavam ali de gaiato na hora errada. A justiça deixa a desejar e muito no Brasil. Aqui a justiça é só no papel porque na prática é zero. Aqui bandidos estão soltos e pessoas que discordam e opinam estão presas ou banidas ou multadas ou perseguidas. Meu advogado preferido dr Wilson Campos meus parabéns pelos seus artigo éticos, morais e equilibrados. Abraço. Esdras Valente.

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  2. Catarina S. G. Orleans16 de julho de 2025 às 16:43

    O senhor ministro Barroso pertence a uma instituição que não respeita a liberdade de expressão, que condena pobres coitados e que inocenta condenados da Operação Lava Jato não pode invocar princípios e valores como soberania, democracia, liberdade e justiça. Nós todos do povo brasileiro não merecemos ser tratados como idiotas, pois não somos de jeito nenhum. Uma carta como a feita pelo ministro mais parece mesmo um conto da carochinha e acredita quem quiser nela. A cartinha não apaga o que a verdade nua e crua mostra e repercute. Mil desculpas não justificam erros, equívocos e desumanidade. Viu ministro? Pensa nisso aí excelência. Meus respeitos Dr. Wilson e minha gratidão por sua ótica sempre voltada para nosso povo e para nosso Brasil. Gratidão. Att: Catarina S.G. Orleans.

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  3. Duílio e Joana Jordão16 de julho de 2025 às 16:55

    Nós vimos na televisão que ele disse (Luís Roberto Barroso, o ministro) para uma pessoa fora do Brasil - “perdeu, mané” e realmente depois falou em outra ocasião aqui no Brasil - “nós derrotamos o bolsonarismo”. Pelo amor de Deus como um ministro do Supremo diz isso assim na cara limpa?? Como assim?? Cadê a tal da liturgia da judicatura?? Cadê o só falar nos autos do processo??. Senhor ministro, o senhor não tem o direito de alegar retidão nas suas decisões, nas provas e na ampla defesa que diz ter concedido. Mentira. Ora, vamos mesmo refrescar sua memória com a lista de nomes de brasileiros punidos por simples opiniões, que receberam sentenças e penas pesadas que estão todo dia na imprensa. São vários nomes e vários pais e mães de famílias que estão sendo perseguidos por voada, mas contra a direita, tudo. Essa balança não está equilibrada não, está muito desbalanceada isso sim. Nosso prezado advogado doutor Wilson Campos nossos parabéns por seus textos de excelente qualidade e tem nosso apreço particular. Duílio e Joana Jordão.

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