OS SERVIÇAIS DA SUPREMA REPÚBLICA E O FUNDAMENTO DO CONTRAPESO.
Não há como discordar dos que dizem que o Supremo Tribunal Federal (STF) se transformou em um superpoder, bem acima das demais instituições, sejam executivas ou legislativas. O Poder Legislativo via Senado Federal é a prova viva desse efeito desastroso.
Embora a Constituição da República assegure e garanta, o Senado Federal não se comporta como o contrapeso do Supremo, ou como aquele que seria uma força para equilibrar outra força ou aquele que mantém a estabilidade e garante a segurança.
O Senado prefere tergiversar e se comportar como serviçal da república do STF, seja passando pano ou fazendo vista grossa aos desmandos dos obstinados ministros que abusam do antirrepublicano ativismo judicial.
Não bastassem as centenas de vezes nos últimos anos, há poucos dias, um “nobre” ministro da suprema corte resolveu de forma monocrática tomar para si a função dos “nobres” legisladores e mudar uma lei em causa própria. Esse ministro blefou, tentou justificar seu ato e chegou a dizer que a Lei 1.079/1950 (Lei do Impeachment) estava caduca, perdeu a validade e deixou de ter efeito. Ele reescreveu essa lei.
Esse ministro, embora seja um agente político do judiciário e não do legislativo, decidiu mesmo assim reescrever a citada lei e determinou que, no caso da cassação de ministros do STF, apenas o procurador-geral da República pode oferecer denúncia (atualmente, qualquer cidadão brasileiro pode fazê-lo), que será aceita somente com o endosso de dois terços dos senadores (em vez da maioria simples exigida na lei). Com isso, o ministro criou não apenas uma desigualdade gritante em relação ao impeachment de outras autoridades, mas ele praticamente blindou a si mesmo e a seus colegas de qualquer possibilidade de cassação, independentemente das barbaridades que cometam, bastando-lhes a camaradagem do procurador-geral. Ou seja, com uma canetada, esse ministro tornou intocáveis seus pares e ele próprio.
Imediatamente, num suspiro de coragem, alguns senadores reagiram à decisão do ministro, e o presidente do Senado falou em “mais uma decisão de magistrado do STF tentando usurpar decisão do Poder Legislativo”, acrescentando que “eventuais abusos no uso desse direito não podem levar à anulação desse comando legal, muito menos por meio de decisão judicial”. Mas como fogo de palha, o “corajoso” presidente do Senado logo apagou sua efêmera chama e começou a cogitar uma “saída diplomática”, ajoelhando-se mais uma vez na condição de um simples capacho do Supremo.
Os serviçais da suprema república perceberam o blefe do ministro do STF, mas abaixaram a cabeça e ficaram calados. Os senadores, com raras exceções, acompanharam o presidente da casa e não protestaram contra o golpe judiciário, demonstrando submissão e aceitação de mais uma invasão de competência, ou seja, comportaram-se como verdadeiros capachos.
As mudanças reescritas pelo ministro do Supremo repercutiram no país, uma vez que o parlamento passaria a ser um enfeite e não mais teria suas funções respeitadas. Os presidentes da Câmara e do Senado foram ridicularizados nas suas frágeis competências, e no particular caso de ministros do STF os senadores não poderiam mais seguir a lei em vigor há 75 anos, mas tão somente acatar a decisão abruptamente tomada por um único agente político do judiciário.
Com isso, restou clara a vontade de deixar adormecidos nas gavetas de Brasília por tempo indeterminado os pedidos de impeachment de ministros do STF. Mas um fato novo surgiu: o ministro retirou a liminar do plenário virtual e cancelou temporariamente a parte da decisão pela qual apenas a PGR poderia oferecer denúncia contra ministros do Supremo. Ora, nada mais do que um sinal de que o blefe em parte funcionou e pode caminhar para um desfecho conveniente aos interesses do ministro e dos demais membros da suprema corte.
Formalmente, o recuo do ministro na tarde dessa quarta-feira (10/12) atendeu pedidos de reconsideração do Senado. Entretanto, restou claríssima a interferência do STF sobre o Legislativo e a articulação entre o presidente do Senado e o ministro, principalmente em torno de mudanças da lei que trata da cassação de ministros do STF.
A rigor, os senadores estão diante daquilo que se convencionou chamar de “crise existencial”. A Constituição diz que eles são o contrapeso do Supremo, mas eles – ou ao menos parte significativa deles – estão preferindo se comportar como os serviçais do STF ou serviçais da suprema república, usando seu tempo pago com dinheiro do povo simplesmente para fazer o beija-mão dos senhores do ativismo judicial, e admitindo de vez que ser parlamentar no Brasil é ser interesseiramente carimbador das vontades supremas.
Enfim, a vergonha alheia parece não incomodar tanto o Poder Legislativo, que vê com tranquilidade o episódio aprofundar a percepção de perda de autonomia do Senado, sempre disposto a negociar com o Supremo quaisquer tensões institucionais. E dane-se o fundamento do contrapeso.
Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).
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