A SAF E A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE CLUBES DE FUTEBOL.

 

Não é segredo que, aproximadamente, vinte clubes de futebol no Brasil têm dívidas milionárias e até bilionárias. Essa situação econômica negativa faz surgir a necessidade de injeção de capital externo para quitar passivos enormes, que aumentam a cada dia. Ou transformar esses clubes de futebol em empresas, para que possam optar pela recuperação judicial.

Nesse sentido, foi publicada no DOU de 9 de agosto de 2021, a Lei 14.193/2021, que institui a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que possibilita a transformação dos clubes de futebol em empresas, e também possibilita a abertura de pedidos de recuperação judicial para negociar as dívidas na Justiça. Hoje, a maioria dos clubes são sociedades sem fins lucrativos. A Lei 11.101/2005 somente permite a recuperação judicial para empresário e sociedade empresária.

Vale explicar que a nova lei institui a SAF - Sociedade Anônima do Futebol, e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

De acordo com o texto, o modelo da SAF submeterá os clubes à regulação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), abrindo a possibilidade de levantar recursos por meio de emissão de debêntures e ações. Contrapartidas sociais e critérios de responsabilização também estão previstos na matéria.

A lei foi sancionada com sete vetos. Foram vetados especialmente os dispositivos que criavam um sistema tributário específico para os clubes-empresas. A justificativa do governo Federal, segundo o Ministério da Economia, é que as medidas previstas trariam renúncia de receitas sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que estivessem acompanhadas de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, além de violar leis, como a de responsabilidade fiscal.

Um exemplo dessa transformação é o Figueirense Futebol Clube, que foi o primeiro clube a ter legitimidade para pedir recuperação judicial. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC) reconheceu a legitimidade do Figueirense para buscar recuperação judicial. Segundo a decisão do juízo, o fato de o clube ser classificado como “associação civil” não o impede de buscar a recuperação judicial, já que as atividades desenvolvidas pelo time constituem típico elemento de empresa. Foi a primeira possibilidade de recuperação judicial de clube de futebol do Brasil, cujo plano de recuperação extrajudicial foi homologado em 17 de dezembro de 2021.

Cumpre observar que, no Brasil, o Figueirense Futebol Clube, agremiação muito conhecida do Estado de Santa Catarina, participa atualmente da terceira divisão do Campeonato Brasileiro, e foi o primeiro clube a protocolizar o plano de recuperação extrajudicial de natureza impositiva. Mas é necessário também observar que, antes da decisão homologatória do pedido de Recuperação Extrajudicial, o Figueirense havia requerido tutela cautelar antecedente preparatória, a qual foi indeferida por ilegitimidade ativa, e julgada extinta sem resolução de mérito. Porém, em grau recursal a sentença foi reformada, tomando o magistrado para seu entendimento, casos de Associações Civis que exerciam atividades econômicas, e tomando como parâmetro as Leis 11.101/2005 e 9.615/1998.

O fato é que, a decisão homologatória do plano de recuperação extrajudicial, embora recente, não utilizou como fundamento a supracitada Lei 14.193/2021, que deu origem à Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Mas, ainda assim, já acompanhando os novos tempos da legislação, no dia 9 de dezembro de 2021, o Conselho Deliberativo do Figueirense autorizou, por maioria absoluta, a criação da SAF Figueirense.

O certo é que a criação da lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) tem gerado polêmicas, com alguns segmentos alegando possíveis infrações às regras atualmente estabelecidas, por exemplo, na Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho de 2019 e no Regime Especial de Execução Forçada. Entretanto, com outro olhar, há quem entenda que surge a possibilidade da injeção de dinheiro e de novos patrocínios, posto que o art. 9º dispõe o seguinte: “A Sociedade Anônima do Futebol não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, e responde pelas obrigações que lhe forem transferidas conforme disposto no § 2º do art. 2º desta lei, cujo pagamento aos credores se limitará à forma estabelecida no art. 10 desta lei. Parágrafo único - Com relação à dívida trabalhista, integram o rol dos credores mencionados no caput deste artigo os atletas, membros da comissão técnica e funcionários cuja atividade principal seja vinculada diretamente ao departamento de futebol”.

Já no seu art. 10, a Lei 14.113/2021 assegura: “O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente: I - por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do caput do art. 13 desta Lei; II - por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista”.

E no seu artigo 12 a lei da SAF garante: “Enquanto a Sociedade Anônima do Futebol cumprir os pagamentos previstos nesta Seção, é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas, por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie sobre as suas receitas, com relação às obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol”.

Neste ponto vale ponderar que os clubes originários podem se utilizar, para fins de quitação de débitos preexistentes, além da negociação direta com seus credores, das seguintes medidas previstas na Lei 11.101/2005 (lei que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária): Recuperação Judicial, Recuperação Extrajudicial, Falência (Autofalência), Medida Cautelar Antecedente e Mediação Extrajudicial (Câmara Privada ou Cejusc).

Portanto, a lei sancionada pelo presidente Bolsonaro veio para ajudar os clubes e os amantes do futebol, uma vez que, na ausência de uma legislação como a SAF, clubes de grande destaque e de enorme tradição como Cruzeiro, Vasco da Gama e Botafogo, todos campeões nacionais, estariam condenados ao desencanto e restariam apenas como lembranças de bons tempos e de passadas glórias.

No caso concreto do Cruzeiro Esporte Clube, de Belo Horizonte, o ex-jogador do time, Ronaldo Fenômeno, 45 anos, é o seu novo dono. A ação só foi possível graças aos conselheiros e associados do time, que aprovaram a alteração do estatuto do Cruzeiro que permite que o clube possa ceder até 90% das ações da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) para investidores.

Com essa mudança, o clube conseguiu atrair investidores e aceitou a proposta de Ronaldo, que passou a ser sócio majoritário da SAF, com 90% do time, por meio da Tara Sports, com investimento de R$ 400 milhões.

Para o clube, a implementação do clube-empresa sempre foi vista pela atual diretoria como forma mais rápida de recuperar o Cruzeiro. Estimativas apontam que o time mineiro possui quase R$ 1 bilhão em dívidas. Somado a isso, o time disputará pelo terceiro ano consecutivo a Série B do Brasileirão.

Com a SAF, o Cruzeiro terá  6 (seis) anos para pagar 60% de sua dívida. Caso atinja o objetivo, terá mais quatro anos para quitar o restante. O dinheiro aportado de Ronaldo Fenômeno, que também é dono do Real Valladolid, da Espanha, não será destinado para o pagamento das dívidas. O débito acumulado é equacionado com o recebimento de 20% da receita mensal da SAF e 50% do lucro, conforme já explicado acima e conforme consta da lei da SAF.

Particularmente, como torcedor do Cruzeiro, permitam-me opinar. Eu entendo que o valor de R$400 milhões é pouco e está longe do real valor do clube e das suas reais necessidades financeiras. Ora, no mínimo, deveria ter sido aportado o valor de R$1,5 bilhão, posto que a dívida existente está bem próxima disso, e o saldo poderia ser investido em contratações e em novas estruturações, em prol do time e do clube, e, acima de tudo, respeitando o torcedor cruzeirense.  

Assim, como visto, no cenário geral a mudança para uma fase de gestão empresarial no universo do futebol brasileiro já se iniciou e é um caminho sem volta para a modernização, valendo considerar que nem por isso deva se perder a paixão pela arte do futebol, pela ida ao campo e pela valorização da torcida vibrante, pois, o torcedor continuará sendo a alma do time, eternamente.

Fontes: Câmara dos Deputados/Migalhas/Notícias/Legislação.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Nuu. Vou ter de ler uma tres vezes para entender isso. A coisa está feia para os clubes quebrados e falidos. Vamos ficar de olho nos nossos times preferidos. Abração Dr. Wilson Campos e obrigado pelas informações valiosas e que todo torcedor deve conhecer. Posso compartilhar para meus grupos de amigos e torcedores do Cruzerião querido???Abr. grande Dr. Wilson. Até. Juvenal Aparecido.

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  2. Essa Saf é o famoso barco salva vidas dos clubes quebrados. No caso do nosso Cruzeiro o preço é muito baixo e esses 400 milhões não vai resolver nada. A dívida é muito grande de quase 1,2 bilhões e esse dinheiro do Ronaldo Fenômeno não vai colocar o nosso time nos trilhos. Mixaria que não vai resolver a bagunça da diretoria que meteu a mão grande no time. Dr Wilson Campos advogado o seu artigo me esclareceu muitas dúvidas e vi a coisa toda com outros olhos. Valeu muito por tudo.
    Abraços da massa azul. Nós vamos tirar nosso Zeiro do buraco. Abraços doutor. Luiz Milton.

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