BYD VAI DE ESCÂNDALO TRABALHISTA A MIMOS PARA AUTORIDADES.
A montadora chinesa BYD, considerada atualmente a maior fabricante de veículos elétricos do mundo, resolveu sair da seriedade comercial e partiu para envolvimento em escândalos públicos na área trabalhista e empréstimos de carros para uso de autoridades brasileiras. Vejamos do que se trata o imbróglio:
Sabe-se que o governo Lula renovou por mais um ano o contrato de comodato (empréstimo sem custos) que tinha com a BYD, firmado em janeiro de 2024, e continuará utilizando os carros da fabricante chinesa. A Presidência da República poderá continuar usando um Tan e um Dolphin, valendo observar que esses modelos novos custam em torno de R$ 536 mil e R$ 160 mil, respectivamente. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua vez, vai receber 20 (vinte) unidades do sedã elétrico Seal, zero-quilômetro, que custa próximo de R$ 300 mil cada.
Como se não bastassem esses mimos, que deveriam ser inadmitidos no serviço público, cabe ressaltar que, além de “servir” o governo federal e o STJ, a BYD também vai ceder um Tan para a Câmara dos Deputados e dois Seal para o Tribunal de Contas da União (TCU). E cumpre asseverar que todos esses contratos com os órgãos públicos são via comodato, ou seja, não geram custos para os favorecidos. Resultado: gratuidade, sim; moralidade, nenhuma.
Causou enorme estranheza no meio jurídico os fatos de que o STJ vai receber ainda neste mês 20 carros zero quilômetro, sem custos, da montadora chinesa BYD; que o contrato é em modelo de comodato, ou seja, um empréstimo; que o comodato é válido por dois anos; e que o modelo será o Seal, um carro que custa cerca de R$ 300 mil cada, o que totaliza R$ 6 milhões.
A alegação singela é que o “empréstimo” foi feito para o STJ e não especificamente para os magistrados, o que tornaria o processo legal, já que os juízes não podem receber presentes. Ora, de qualquer maneira, por se tratar de um órgão público e da Justiça, nós advogados entendemos que o comodato pode arranhar a imagem do STJ e colocar em xeque a credibilidade de julgamentos futuros que possam ocorrer envolvendo a empresa chinesa. Ou alguém duvida dessa possibilidade?
A BYD informou, em nota, que o STJ abriu para todas as montadoras um chamamento público para cessão e que a BYD participou do processo para ceder os veículos do modelo Seal pelo prazo de 24 meses. “A participação da empresa foi realizada com total transparência e dentro das regras vigentes, com o objetivo de promover o uso dos veículos elétricos no país”, diz a nota.
Já o STJ justificou o empréstimo como uma “oportunidade de incentivar a inovação tecnológica e de demonstrar o compromisso com a sustentabilidade e contribuição com a redução de impactos climáticos”, segundo o jornal O Globo.
Tudo muito estranho, mas esta não é a primeira vez que a BYD cede, por comodato não oneroso, seus veículos para órgãos públicos. No ano passado, a primeira-dama Janja Silva recebeu, ao lado do presidente Lula (PT), o primeiro SUV elétrico da marca chinesa. O contrato valia inicialmente por um ano, até 23 de janeiro de 2025, mas foi prorrogado até 2026 com a cessão de mais um veículo, um Dolphin.
A meu sentir, o empréstimo, no caso do STJ, não sendo para o juiz e sim para a instituição, não guarda ilegalidade. Porém, não é adequado, uma vez que o próprio Código de Ética da Magistratura afirma que “é dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional”. Ou seja, melhor seria que o STJ tivesse recusado a oferta da BYD.
A questão toda envolve moralidade, e a gratuidade dos carros pode acabar provocando uma possível interferência em futuros julgamentos da Corte. Ademais, a ética está em jogo e esse risco deve ser evitado a todo custo pelos magistrados. De novo, o Código de Ética da Magistratura elucida a problemática e dispõe claramente sobre a conduta idônea que o magistrado deve ter, “sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos”.
Uma empresa do porte da chinesa BYD, vez ou outra estará sujeita a ter questões na Justiça, direta ou indiretamente. Vale lembrar que em dezembro de 2024, foram resgatados 163 trabalhadores chineses nos alojamentos da empreiteira Jinjiang, em condições análogas à escravidão, na região metropolitana de Salvador, em Camaçari (BA), município onde a BYD está construindo sua fábrica. A empresa era terceirizada da BYD.
A notícia veiculada na imprensa dá conta de que o termômetro registrava mais de 30ºC no início da manhã do dia 23 de dezembro de 2024, quando agentes de uma força-tarefa liderada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) resgataram 163 operários chineses do canteiro de obras da nova fábrica da gigante automotiva BYD em Camaçari, na Bahia. Segundo o MPT, os trabalhadores viviam como escravos no local.
Então, como visto, não fica bem colar a imagem do STJ à de uma grande empresa, ou à imagem de qualquer empresa, haja vista a repercussão negativa e todos os riscos à credibilidade da instituição. E tem ainda a questão dos princípios implícitos no art. 37 da CF (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Como fica o princípio da moralidade? Tudo que é legal é moral? Esse é o ponto a ser enfrentado, embora não se esteja aqui a cogitar qualquer tipo de desvio ou corrupção. Não! Mas esse desgaste todo poderia ter sido evitado pelo STJ, bastando ter dito não ter interesse, e ponto final.
A população brasileira, que tomou conhecimento dos fatos, comentou nas redes sociais, torceu o nariz, assim como a imprensa nacional, que divulgou e repercutiu o assunto do tal empréstimo de carros pela BYD, que acabou se tornando um presente, um mimo, um agrado. Daí que, depois do impacto da notícia, os magistrados serão vistos com certa desconfiança e o STJ terá sua imagem manchada. Valeu a pena?
Para agravar ainda mais a situação, segundo a Transparência Internacional, um tribunal receber de uma empresa carros de luxo para juízes já seria algo altamente questionável em qualquer parte do mundo. “Sendo a BYD Brasil, que emprega como vice-presidente o ex-ministro de Michel Temer Alexandre Baldy, denunciado por corrupção e organização criminosa, é escandaloso. Em tempo: Gilmar Mendes anulou todas as provas contra Baldy recentemente”, diz o post deles na conta do X.
Além da questão moral, institucional, existe ainda a questão tributária que está no bojo desse imbróglio todo. Um dos pontos delicados que envolvem estes contratos de comodato é que a BYD vai desfrutar de um incentivo fiscal que foi prorrogado na reforma tributária do governo Lula. O dispositivo que renovou a desoneração ficou conhecido nos bastidores do Congresso como “Emenda Lula”, graças ao patrocínio do presidente petista. O benefício, que seria até 2025, foi prorrogado para 2032 para montadoras instaladas no Nordeste, Centro-Oeste e Norte. A BYD está construindo sua imensa fábrica na Bahia. Coincidência? Acredite, se quiser.
E a questão trabalhista dos operários chineses? Outro escândalo sem tamanho. O cenário encontrado alarmou os agentes do MPT. Nos dormitórios da empreiteira Jinjiang Group, empresa contratada pela BYD para a obra na Bahia, não havia colchões nas camas, e os poucos banheiros, em condições de absoluta falta de higiene, serviam a centenas de trabalhadores.
O horror fica ainda maior quando se toma ciência de que os operários também tinham alimentos armazenados sem refrigeração e estavam expostos à intensa radiação solar, “apresentando sinais visíveis de danos à pele”. O MPT ainda acusou as empresas de reter os passaportes dos trabalhadores e de deter 60% dos seus salários – os demais 40% seriam pagos em moeda chinesa.
Pior ainda, pois, após a autuação, o MPT afirmou que os trabalhadores haviam sido vítimas de tráfico internacional de pessoas e optou por interditar a obra e resgatar os 163 trabalhadores do local. Os operários foram enviados a hotéis. E grave também o fato de que os trabalhadores haviam entrado no Brasil com vistos de trabalho temporário tipo 5, que são reservados para pessoas com formação e experiência específicas – o que não teria sido o caso dos cidadãos chineses. Por isso, o Ministério das Relações Exteriores suspendeu os vistos. O governo, contudo, não fez comentários para além do posicionamento da força-tarefa, o que é bem típico da gestão confusa e temerária do PT.
Assim, diante do noticiado, a BYD precisa se adequar às normas brasileiras, independentemente de ser importante para a política da indústria e para os investimentos no país. Um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) se faz necessário, para cada situação e para cada escândalo da empresa, sem direito a reincidências. Ou seja, escândalos públicos e mimos para autoridades não podem ser tolerados, e abusos não podem ser aceitos, seja do ponto de vista moral, institucional ou trabalhista.
Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).
A China trata os trabalhadores chineses como escravos com péssimos salários e vivendo em palafitas. Querem trazer os chineses e fazer o mesmo aqui no Brasil e transformar todos em escravos e até os brasileiros que abram os olhos. A China só pensa na China. O Brasil do PT está cego e não vê. Dr. Wilson excelente artigo e melhor do que os que eu li por aí nos jornais eletrônicos e vi nas redes sociais. Parabéns!!!!!!!!!!!!. Letícia M.S. Dumont.
ResponderExcluirDr. Wilson, a BYD tem tudo para dar certo aqui no Brasil, mas tem de se adequar às normas brasileiras. Na China é uma coisa mas aqui a CLT é brava e exige muito do empresário e então que seja cumprida também pela BYD ou outras. Sem exceção. O artigo do doutor é excelente e parabéns pelo objetivo do texto e pela razão do argumento. Muito bom mesmo. At: Edson Vicentino (adv. dir. empresarial).
ResponderExcluirEssa vergonha nacional o STJ poderia ter evitado.Pra que isso? Pra que receber carro grátis para andar se o tribunal já tem dinheiro (milhões) para essas despesas? Essa vergonha o STJ, o TCU e a presidência da República poderia ter ficado sem. Papelão mais feio. O brasileiro tem de passar vergonha aqui e no exterior todos os dias e esse é mais um escândalo vergonhoso. Dr. Wilson Campos, advogado, a advocacia brasileira também deve estar preocupada com esses favores da montadora e envergonhada eu imagino. Att: Alexandre Ribeiro (consultor empresarial de I. e E. ).
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