EXPULSÃO DE MORADORES É O PRIMEIRO LEGADO DA COPA.

"Despejo forçado coloca em risco a inclusão social".

 "Gentrificação é um dos legados da Copa".

O fenômeno da valorização de um determinado espaço urbano que, pela via econômica, gera a expulsão de pessoas de baixa renda é o que hoje se conhece como "gentrificação". Ou seja, trata-se de um processo que coloca cada vez mais em risco a inclusão social, transformando o direito à moradia em despejo forçado.

A alteração da dinâmica da composição de um bairro ou região, com a respectiva valorização imobiliária, fazendo surgir a construção de novos edifícios comerciais e residenciais, afeta diretamente a população de renda inferior, por meio do aumento de custos de bens e serviços, o que dificulta a permanência dos menos favorecidos no local. A realidade dos moradores é brutalmente alterada.   

Os megaprojetos, bilionários e abusivos, como os da Copa do Mundo e das Olimpíadas, são claras demonstrações de gentrificação e de força do Estado, que impõe a saída de pessoas de terrenos com potencial de valorização, de forma a deixarem o caminho livre para a ação do capital, do lucro e da especulação imobiliária.

O expediente adotado pelo Estado fere direitos constitucionais consagrados, como o direito social à moradia digna. A desculpa de reurbanização não justifica “políticas públicas” dessa natureza, em detrimento de interesses populares e a favor de projetos urbanísticos desumanos.

O palco da abertura da Copa do Mundo de 2014, em São Paulo, o estádio Itaquerão, é um típico exemplo de gentrificação. Os preços dos imóveis da região aumentaram sensivelmente, o que está obrigando a população mais pobre a se mudar de endereço. Querendo ou não, os mais humildes vão ter que sair, uma vez que os preços praticados no entorno da monumental obra são incompatíveis com o poder aquisitivo dos antigos moradores.

A gentrificação tem o peso da mão do Estado, em vários casos, por permitir os abusos cometidos pela especulação crescente; e uma “higienização” inconcebível ocorre com a exploração da vista privilegiada de algumas favelas, em pontos altos das cidades. Um exemplo é a favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, onde um barracão já vale aproximadamente R$150 mil pelo fato de que dali, olhando para baixo, se vê a beleza da praia de Ipanema e, olhando para cima, se avista a construção de casas e de hotel de luxo no topo da comunidade. A tendência é a população local ser arredada cada vez mais para a periferia.

A identidade dos moradores está ameaçada, tanto nas favelas quanto nos arredores da arena bilionária, construída com dinheiro público. Os benefícios da Copa ninguém sabe se virão, mas, com certeza, a gentrificação causada pela alta valorização imobiliária já está empurrando os moradores originais para longe de seus “habitats” tradicionais. O modelo não pode ser seguido por Belo Horizonte, posto que se espera por políticas públicas que não visem a prevalência do capitalismo nem a restrição de garantias constitucionais. Os direitos sociais precisam prevalecer.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de 15/07/2014, terça-feira, pág. 19).

Comentários

  1. De sabedoria ímpar o texto. A exclusão social só aumenta com as obras que empurram os moradores mais humildes para a periferia. Tal situação, não fosse imoral, mostra-se, desumana. O Dr. Wilson Campos mandou muito bem na retratação da realidade do "progresso" a qualquer preço, que marginaliza os mais pobres. Temos, com certeza, muito a melhorar neste nosso país tupiniquim. Marcelo Hibrahim.

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