O DIREITO À JUDICIALIZAÇÃO.

Os prefeitos, a Justiça e o cidadão.


Diante da reivindicação da Frente Nacional dos Prefeitos de colocar fim ao que chama de interferência do Poder Judiciário sobre as gestões municipais para o atendimento de demandas individuais, com o pedido de dar prioridade na tramitação do Projeto de Lei 8.058/2014, cumpre a defesa no sentido de que as questões de grande repercussão política, moral ou social devem ser decididas por órgãos do Judiciário brasileiro, e não pelas tradicionais Casas do Legislativo e pelo Executivo, haja vista a ocorrência cada vez maior da judicialização e do ativismo judicial por parte da sociedade brasileira.   

Em que pesem o teor do projeto e a argumentação dos prefeitos de interferência excessiva do Poder Judiciário nas atividades administrativas, a judicialização não decorre da vontade dos magistrados, mas das necessidades básicas dos cidadãos, aos quais são negadas as mais elementares conquistas asseguradas na Constituição da República. Ora, passados 27 anos da promulgação da Carta Cidadã, os programas nela consignados para as áreas de saúde e educação, por exemplo, estão longe de serem efetivados ou de se tornarem realidade.

No entanto, o poder público, responsável pela entrega das políticas públicas, se queda na inércia, ostenta uma descontrolada dívida social, proporciona um triste panorama de exclusão, acalenta as desigualdades e se esmera na deficiência dos serviços prestados.

A rigor, a judicialização e o ativismo judicial são armas usadas pelos contribuintes na busca pacífica de direitos individuais e coletivos subtraídos, nos momentos emergenciais da vida, justamente por se mostrarem as instituições públicas emperradas e fora de sintonia com os direitos humanos fundamentais.

Surge, por conseguinte, pelo princípio da razoabilidade, a ponderação de que a contenção das demandas é recomendável, mas sem que se retirem as garantias e os direitos e de forma que o equilíbrio orçamentário municipal, estadual e federal não seja onerado a ponto de inviabilizar a atuação do Estado.

Destarte, porquanto seja a escolha de políticas públicas atribuição do Poder Executivo, por meio de um juízo de conveniência, que leva em conta a essencialidade da população e os recursos orçamentários, ainda assim não viola a separação dos poderes a intervenção do Judiciário na consecução de serviços públicos que visam consagrar direitos fundamentais. 

Primeiro, porque o Judiciário tem a obrigação de preservar o "jus postulandi" do jurisdicionado. Segundo, porque a harmonia dos Poderes implica controle das funções do Estado, umas das outras, na estrita regularidade da teoria dos freios e contrapesos e por respeito ao iluminismo de Montesquieu. Terceiro e último, porque a judicialização enfrentada pelos prefeitos é mínima se comparada com a ausência de direitos fundamentais, o mau funcionamento do Estado, a recorrente falta de investimentos e o antijurídico retrocesso social.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de quinta-feira, 18/06/2015, pág. 21).

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