O JUIZ É SEMPRE OBRIGADO A RECEBER ADVOGADOS.

Não tivesse a garantia do artigo 7º, inciso VIII da Lei Federal 8906/94, que lhe permite dirigir-se diretamente ao magistrado, o advogado por certo não se obstinaria a implorar que ele o recebesse em sua sala, independentemente de horário ou outra condição. 

Não fossem as incontáveis horas debruçado sobre as laudas de defesa do seu cliente, que agora descansam empoeiradas nas prateleiras das secretarias à espera de um simples despacho, o advogado não teria por que pedir uma entrevista com o Juiz.

Não tardasse tanto a prestação jurisdicional de ponta a ponta nesse país, o causídico não se sujeitaria a pedir ao magistrado que despachasse seu pedido de urgência.

Não praticasse a administração da justiça, no seu ministério privado de exercício de serviço público e função social, o operador do direito não bateria à porta do gabinete do Juiz para lhe pedir uma decisão célere em um caso de doença ou enfermidade do cliente que padece, posto que a justiça tardia não é justiça, mas injustiça.

Por essas e outras é que o Juiz de índole democrática, portador da mais soberana capacidade de aplicar a justiça, reconhecidamente respeitoso com a advocacia e de portas sempre abertas para quem busca o direito, não precisa temer pelo julgamento de seus atos e, por óbvio, pode colocar sua cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente o sono dos justos.

Essa introdução se deve ao que abaixo será transcrito, onde o Conselho Nacional de Justiça - CNJ resolveu por meio de uma resposta a caso particular, torná-la de interesse público e privado, na medida certa da função daquele que julga e sentencia, data venia, o protagonista desta matéria - o excelentíssimo senhor Juiz. 

A decisão do CNJ nos remete a lição elementar de Direito, lamentavelmente esquecida ou ignorada por alguns (poucos) Juízes.

Espera-se que, à luz desse reconhecimento, magistrados que fixam horários (e até dias específicos) para atender advogados, fora dos quais não os recebem, deixem de ter esse procedimento. É o que se espera, efetivamente.

A íntegra da decisão:
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
Pedido de Providência nº 1465.
Requerente: José Armando Ponte Dias Júnior.
Requerido: Conselho Nacional de Justiça.
Vistos.
"Trata-se de consulta formulada ao Conselho Nacional de Justiça pelo Juiz de Direito Titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Mossoró-RN, Dr. José Armando Ponte Dias Júnior, nos seguintes termos:
1) "Pode o magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos, decisões e sentenças, recebendo os advogados em seu gabinete de trabalho, em tais períodos, somente quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência, a critério do Diretor de Secretaria da respectiva Vara?"
2) “O magistrado é sempre obrigado a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho?”

Sucintamente relatados, decido:

A presente consulta envolve questão de extrema singeleza, claramente explicitada em texto legal expresso, razão pela qual a respondo monocraticamente, sem necessidade de submissão ao Plenário.

Como admite o próprio consulente, o inciso VIII do art. 7º da Lei nº 8.906/94 estabelece que são direitos do advogado, dentre outros, “dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada”.

Ante a clareza do texto legal, indiscutível é a conclusão de que qualquer medida que condicione, crie embaraço ou impeça o acesso do profissional advogado à pessoa do magistrado, quando em defesa do interesse de seus clientes, configura ilegalidade e pode caracterizar, inclusive, abuso de autoridade.

Não há, como parece sugerir o consulente , qualquer conflito entre a presente disposição de lei ordinária e a prevista no inciso IV do art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN.

Com efeito, o referido dispositivo da LOMAN, ao estabelecer como dever funcional do magistrado tratar com urbanidade os advogados e atender a todos os que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência, em momento algum autoriza o Juiz a criar horário especial de atendimento a advogados durante o expediente forense.

Em uma interpretação teleológica da norma, a condicionante de “providência que reclame e possibilite solução de urgência” há de ser associada, necessariamente, à expressão “a qualquer momento”, o que pressupõe situação excepcional, extraordinária, como, por exemplo, quando o magistrado se encontra em seu horário de repouso, durante a madrugada ou mesmo em gozo de folga semanal, jamais em situação de normalidade de expediente forense rotineiro.

O Juiz, até pelas relevantes funções que desempenha, deve comparecer à sua Vara diariamente para trabalhar, e atender ao advogado que o procura no fórum faz parte indissociável desse seu trabalho, constituindo-se em verdadeiro dever funcional.

A jurisprudência é repleta de precedentes enaltecendo o dever funcional dos magistrados de receber e atender ao advogado, quando este estiver na defesa dos interesses de seu cliente:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DELIMITAÇÃO DE HORÁRIO PARA ATENDIMENTO A ADVOGADOS. ILEGALIDADE. ART. 7º, INCISO VIII, DA LEI Nº 8.906/94. PRECEDENTES. 

1. A delimitação de horário para atendimento a advogaods pelo magistrado viola o art. 7º, inciso VIII, da lei nº 8.906/94. 

2. Recurso ordinário provido”. 

(STJ, 2ª Turma, RMS nº 15706/PA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, in DJ 07/11/2005, p. 166).
“ADVOGADO – DIREITO DE ENTREVISTAR-SE COM MAGISTRADO – FIXAÇÃO DE HORÁRIO – ILEGALIDADE – LEI 8.906/94, ART. 7º, VIII). 
É nula, por ofender ao art. 7º, VIII da Lei 8.906/94, a portaria que estabelece horários de atendimento de advogado pelo juiz”.

(STJ, 1ª Turma, RMS nº 13262/SC, Rel. Desig. Min. Humberto Gomes de Barros, in DJ 30/09/2002, p. 157). 
“ADMINISTRATIVO – ADVOGADO – DIREITO DE ACESSO A REPARTIÇÕES PÚBLICAS – (LEI 4215 – ART. 89,VI, C). 
A advocacia é serviço público, igual aos demais, prestados pelo Estado. O advogado não é mero defensor de interesses privados. Tampouco, é auxiliar do juiz. Sua atividade, como “particular em colaboração com o Estado” é livre de qualquer vínculo de subordinação para com magistrados e agentes do ministério público. O direito de ingresso e atendimento em repartições públicas (art. 89,VI,”c” da lei n. 4215/63) pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A circunstância de se encontrar no recinto da repartição no horário de expediente ou fora dele – basta para impor ao serventuário a obrigação de atender ao advogado. A recusa de atendimento constituirá ato ilícito. Não pode o juiz vedar ou dificultar o atendimento de advogado, em horário reservado a expediente interno. Recurso provido. Segurança concedida.” (STJ, 1ª Turma, RMS nº 1275/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, in DJ 23/03/92, p. 3429).

Fixadas tais premissas, respondo às consultas formuladas nos seguintes termos:

1) NÃO PODE o magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos, decisões e sentenças, omitindo-se de receber profissional advogado quando procurado para tratar de assunto relacionado a interesse de cliente. A condicionante de só atender ao advogado quando se tratar de medida que reclame providencia urgente apenas pode ser invocada pelo juiz em situação excepcional, fora do horário normal de funcionamento do foro, e jamais pode estar limitada pelo juízo de conveniência do Escrivão ou Diretor de Secretaria, máxime em uma Vara Criminal, onde o bem jurídico maior da liberdade está em discussão.

2) O magistrado é SEMPRE OBRIGADO a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na LOMAN e a sua não observância poderá implicar em responsabilização administrativa.

Dê-se ciência da presente decisão ao Consulente e ao Corregedor Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, autoridade administrativa responsável pela observância do estrito cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados de 1º grau vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Brasília, 04 de junho de 2007. Conselheiro MARCUS FAVER - Relator". 

Assim, por todo o exposto, dou-me o direito de repetir o que disse antes, sem querer ser cansativo: "Por essas e outras é que o Juiz de índole democrática, portador da mais soberana capacidade de aplicar a justiça, reconhecidamente respeitoso com a advocacia e de portas sempre abertas para quem busca o direito, não precisa temer pelo julgamento de seus atos e, por óbvio, pode colocar sua cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente o sono dos justos". 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

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