CONDUÇÃO COERCITIVA



Independentemente do fato ocorrido nesta sexta-feira, 4 de março de 2016, que culminou na condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levado para depor em investigação contra sua pessoa na Operação Lava Jato da Polícia Federal, vale salientar que só cabe a condução no caso de alguém ser intimado e não comparecer imotivadamente.

A rigor, prevista no Código de Processo Penal (CPP) que legitima a autoridade policial a tomar todas as providências necessárias para o esclarecimento de um delito, a condução coercitiva prevê a competência do agente policial para conduzir pessoas para prestar depoimentos respeitando-se suas garantias legais e constitucionais. É um meio que a autoridade tem de efetivar o atendimento à intimação do indivíduo considerado essencial para a elucidação de um caso investigado.

Nesse sentido, vejam-se as lições dos dispositivos legais:

“Art. 218 do CPP – Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública”.

“Art. 260 do CPP - Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. Parágrafo único: “o mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no artigo 352, no que lhe for aplicável”.

A regra é que, salvo no caso de prisão em flagrante ou no de prisão preventiva devidamente decretada pelo Juiz, o acusado não pode ser molestado durante o processo. Procede a seu favor, enquanto não houver nenhuma destas condições ou uma sentença condenatória transitada em julgado, a presunção de inocência, que acompanha e resguarda toda pessoa humana livre, até prova em contrário. Tudo isso, exceto pelo entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, ainda controverso, que autoriza a prisão após decisão de 2ª instância.

No entanto, ainda na esteira da condução coercitiva, de acordo com a sistemática do Código, as declarações do acusado não constituem meros elementos de defesa, tendo passado a figurar também como elementos de prova. Assim é que o artigo 186 manda que o Juiz, antes de iniciar o interrogatório, observe ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa. E o artigo 157 estabelece que o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova.

Deste modo, pode acontecer que as declarações do acusado se tornem necessárias como elementos de prova. E então, contrariamente aos casos comuns, em que ele é livre para comparecer ou não, apenas tornando-se revel se não comparecer, no caso de necessidade de suas declarações, poderá a autoridade mandar conduzi-lo à sua presença, se intimado não atender à intimação.

Esclareça-se que a autoridade ali referida só pode ser, em se tratando de dispositivo concernente a instrução do processo, ou o Juiz ou a autoridade administrativa, quando é o caso, em processos especiais. Ainda assim é preciso que, além de ter sido o réu anteriormente intimado, também o ato, ou então o reconhecimento de que se trate, não possa ser realizado sem a presença do réu. Ademais, o mandado conterá, obrigatoriamente, além da ordem de condução, os requisitos previstos no artigo 352 do CPP, dentre os quais figuram o nome do Juiz, o nome e o endereço do réu, o fim para que é feita a citação, o lugar, dia e hora em que o réu deverá comparecer e, enfim, a subscrição do escrivão e a rubrica do Juiz.

De sorte que, faz-se necessário o acatamento da lei, sem privilégios para esse ou aquele cidadão, haja vista os sagrados termos da Constituição Federal, segundo a qual, todos são iguais perante a lei. Então, não há se falar em tratamento diferenciado, mas a prevalência da Ordem Jurídica, valendo para todos a garantia da liberdade e a presunção da inocência até que se prove o contrário.

Como visto, a condução coercitiva leva a todos esses caminhos jurídico-legais, sem distinção de pessoas, com paridade de tratamento e isonomia procedimental. No caso concreto do ex-presidente Lula e dos demais investigados, a competência é das autoridades investidas dos poderes de investigação, apuração, julgamento e condenação, reconhecidas aí a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o Juiz Federal encarregado da representação do Estado. 

In casu, a princípio, a decisão do juiz federal Sérgio Moro foi dentro da normalidade. Senão, observem-se trechos pontuais do despacho: “Evidentemente, a utilização do mandado só será necessária caso o ex-presidente convidado a acompanhar a autoridade policial para prestar depoimento na data das buscas e apreensões, não aceite o convite. O mandado só deve ser utilizado e cumprido, caso o ex-presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo. Consigne-se no mandado que não deve ser utilizada algema e não deve, em hipótese alguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do ex-presidente para a colheita do depoimento”.

Ao que se apresenta, segundo consta, reputa-se como acertada a fundamentação adotada por Moro, independentemente da legalidade ou da ilegalidade da decisão ou do entendimento do juiz, que refogem da análise desse texto, mas que podem ser alcançadas por meio de discussões severas, na defesa das instituições, das garantias constitucionais e no interesse do país.

Contudo, resta claro que todos, povo e poderes constituídos, estão sujeitos à ordem e à lei, sem preciosismo, no cumprimento e na regular obediência do Estado Democrático de Direito.

Wilson Campos (Advogado).

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