EXTRA, ULTRA E CITRA PETITA
Às
vésperas do início de vigência do Novo Código de Processo Civil (Lei
13.105/2015), mas ainda tomando por base o CPC atual, vale destacar as questões
sempre muito debatidas, principalmente quando há enfrentamento de tese entre os
advogados das partes e os juízes sentenciantes ou o conflito de entendimento entre
a Primeira e a Segunda instâncias, que são as relativas às sentenças extra, ultra e citra petita.
Veja-se
que, quando o princípio da congruência não for respeitado pelo magistrado, ou
seja, quando os limites externos e internos traçados pelo autor da demanda ao
instaurar o processo forem excedidos ou não observados, poderão ocorrer três
diferentes tipos de sentenças: a extra petita, a ultra petita e a
citra petita.
Sentença Extra Petita
A
rigor, a sentença extra petita poderá ocorrer em três casos distintos:
quando o juiz conceder algo diverso do pedido formulado na inicial; quando o
magistrado se utilizar de fundamento de causa de pedir não ventilada pelas
partes; ou quando a sentença atingir terceiro estranho à relação jurídica
processual instaurada, deixando de decidir em relação a quem dela participou.
O
art. 286 do CPC preceitua que o pedido formulado pelo autor deverá ser, via de
regra, certo e determinado. Portanto, quando a sentença não respeita a certeza
estabelecida no pedido e concede à parte algo estranho, deverá ser anulada. Da
mesma forma, é passível de anulação o pronunciamento judicial que se fundamenta
em causa petendi diversa da declinada no processo. O mesmo raciocínio se
enquadra no caso da decisão que atinge terceiro, uma vez que este, como não
participou da relação processual, não obteve a oportunidade de exercitar o
contraditório e a ampla defesa, motivo pelo qual a sentença também deve ser
declarada nula.
Da
sentença extra petita proferida pelo juiz caberá o recurso de apelação
(art. 513 do CPC) fundamentado em erro de procedimento, devendo o recorrente
pleitear a anulação da decisão combatida. Trata-se, nesse caso, de error in
procedendo intrínseco, ou seja, de um vício formal da própria decisão
impugnada, requerendo-se a anulação da referida decisão, e a consequente
devolução do processo para o juízo a quo, com a finalidade de ser
proferido um pronunciamento judicial adequado.
A
corroborar o exposto acima, é de todo oportuno trazer à colação o entendimento
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em julgamento recente, decidiu o
seguinte, ipsis litteris:
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA.
ANULAÇÃO. RECURSO PROVIDO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.
1. Viola os artigos 128 e 460 do Código de
Processo Civil o acórdão do Tribunal de Justiça que, a despeito da oposição de
embargos de declaração, julga questão diversa da matéria posta a deslinde na
petição inicial.
2. Reconhecida a ocorrência de julgamento extra
petita, impõe-se anulação dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de origem, com
a devolução dos autos para que a lide seja apreciada nos limites em que foi
proposta.
3. Agravo regimental improvido".
Questão
interessante surge quando a decisão puder ser dividida em diversos capítulos de
sentença e apenas um deles se mostrar extra petita, ou seja, passível de
anulação. Primeiramente, faz-se mister destacar que Cândido Rangel Dinamarco
(2009) ensina que a sentença, apesar de ser formalmente única, poderá ser
divida em capítulos autônomos e independentes entre si, contidos na parte
dispositiva da decisão.
Nesse
rumo, Didier Jr. (2010), entende que, possuindo a decisão diversos capítulos e
apenas um deles for extra petita – error in procedendo – somente
será necessária a anulação daquela parte viciada, e não de toda a sentença.
Outrossim, revela-se de bom alvitre destacar decisão proferida pela Quarta
Turma do STJ, de relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, verbo
ad verbum:
“PROCESSO
CIVIL. SENTENÇA. DIVISÃO EM CAPÍTULOS. POSSIBILIDADE.
IMPUGNAÇÃO PARCIAL. PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM
QUANTUM APELLATUM. TRÂNSITO EM JULGADO DOS DEMAIS CAPÍTULOS, NÃO IMPUGNADOS.
NULIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS E INDEPENDENTES.
ANULAÇÃO PARCIAL. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.
I - A sentença pode ser dividida em capítulos
distintos e estanques, na medida em que, à cada parte do pedido inicial,
atribui-se um capítulo correspondente na decisão.
II - Limitado o recurso contra parte da sentença,
não pode o tribunal adentrar no exame das questões que não foram objeto de
impugnação, sob pena de violação do princípio tantum devolutum quantum
appellatum.
III - No caso, a sentença foi dividida em
capítulos, e para cada um foi adotada fundamentação específica, autônoma e
independente.
Assim, a nulidade da sentença, por julgamento
extra petita, deve ser apenas parcial, limitada à parte contaminada, mormente
porque tal vício não guarda, e nem interfere, na rejeição das demais
postulações, que não foram objeto de recurso pela parte interessada (a autora
desistiu de seu recurso).
IV - Outra seria a situação, a meu ver, se a
sentença tivesse adotado fundamento único, para todos os pedidos. Nesse caso, o
vício teria o condão de contaminar o ato como um todo”.
Como
visto, o julgamento extra petita importa em error in procedendo,
cabendo a interposição do recurso de apelação, o que acarretará a possível
anulação total ou parcial – capítulo de sentença – da decisão proferida,
devendo os autos retornar ao juízo a quo para a prolação de nova
decisão.
Por
fim, impende ressaltar que, caso já tenha a sentença transitada em julgado,
poderá a parte interessada, no prazo decadencial de 2 (dois) anos, ajuizar uma
ação rescisória, com base na ofensa literal do art. 460 do CPC (art. 485, V, do
CPC).
Sentença Ultra Petita
O
julgamento ultra petita ocorre quando o magistrado concede a tutela
jurisdicional correta, entregando o bem da vida perseguido pelo autor,
sobrepujando, contudo, a sua quantidade.
Observe-se
que a sentença ultra petita difere da extra petita. Nesta, o
julgador concede tutela diversa da pretendida pelo requerente, enquanto naquela
o juiz analisa o pedido e seus respectivos fundamentos fáticos e jurídicos, mas
se excede, concedendo mais do que foi pleiteado. Nessa esteira, pode-se afirmar
que há sentença ultra petita quando o magistrado, ao condenar o réu ao
pagamento de indenização por danos morais, estabelece o quantum
indenizatório superior ao fixado pelo autor na peça de ingresso. Noutras
palavras, concedeu-se a tutela e o bem pretendido pelo demandante,
extrapolando, no entanto, a quantidade inicialmente pleiteada.
Subjetivamente,
também poderá haver sentença ultra petita quando o magistrado, além de
decidir em relação aos sujeitos integrantes da relação processual, vincula
terceiro que dela não participou, ou seja, vai além dos limites subjetivos
impostos no próprio processo.
Na
oportunidade, vale destacar que, de acordo com Neves (2009), não se pode falar
em decisão ultra petita em relação à causa petendi, pois uma
causa de pedir, de forma alguma, poderá ser mais do que outra, mas tão somente
diversa. Assim, dada essa impossibilidade, segundo o doutrinador, caso o juiz
analise uma causa de pedir diferente da exposta na inicial, a sentença jamais
poderá ser considerada ultra petita, e sim extra petita.
Apesar
de o art. 286 do CPC estabelecer que o pedido deverá ser certo e determinado, este
possibilita a hipótese, em determinados casos, de realização de pedido
genérico. Neste caso, também não há que se falar em sentença ultra petita,
uma vez que, ante a inexistência de determinação expressa e clara do pedido,
não há como se concluir que a decisão extrapolou os limites traçados pelo autor
em relação à quantidade do bem pretendido.
No
mesmo raciocínio da sentença extra petita, ao ultrapassar os limites
fixados pelo autor, a sentença ultra petita se eiva de error in
procedendo, motivo pelo qual deve ser pleiteada a sua anulação. De acordo
com os ensinamentos de Didier Jr. (2010), nesse caso, a decisão poderá ser
dividida em, pelo menos, dois capítulos distintos. O primeiro, em relação à
tutela jurisdicional e o bem da vida corretamente concedido. O segundo, no
tocante ao excedente.
Nesse
pensar, segundo o renomado autor, não há qualquer motivo que justifique a
anulação de toda a decisão, bastando, para tanto, a declaração da nulidade do
capítulo de sentença que extrapolou os limites fixados no pedido. Esse
entendimento, inclusive, é o dominante no STJ, razão pela qual se mostra
oportuno transcrever o seguinte aresto, ad litteram:
"AGRAVO
REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO ADMITIDO. JULGAMENTO ULTRA PETITA".
1. O acórdão
recorrido está em harmonia com a jurisprudência da Corte no sentido de que
"o reconhecimento do julgamento ultra petita não implica a anulação da
sentença; seu efeito é o de eliminar o excesso da condenação (REsp nº
84.847/SP, 3ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 20/9/99)" (fl.
291).
2. Agravo regimental
desprovido".
Assim
posto, vale destacar que, da prolação de uma sentença ultra petita, a
regra geral aduz que caberá o recurso de apelação (art. 513 do CPC),
buscando-se a anulação do capítulo de sentença que excede o limite fixado pelo
autor. O referido error in procedendo é, inclusive, fundamento para o
ajuizamento de uma eventual ação rescisória, caso a decisão tenha transitado em
julgado. Trata-se de ação baseada em ofensa a literal dispositivo de lei (art.
485, V, do CPC), especificamente, o art. 460 do CPC, que buscará a
desconstituição da parte viciada – excedente – da decisão que transitou em
julgado.
Sentença Citra Petita
Noutro prisma, a sentença citra petita
– ou infra petita – é aquela que não decide todos os pedidos realizados
pelo autor, que deixa de analisar causa de pedir ou alegação de defesa do
demandado ou que não julga a demanda em relação a todos os sujeitos processuais
que dela fazem parte. Em brilhante definição, Didier Jr. (2010, p. 319) ensina
que “se na decisão ultra petita o juiz exagera e, na extra petita,
ele inventa, na decisão citra petita o magistrado se esquece de analisar
algo que tenha sido pretendido pela parte ou tenha sido trazido como fundamento
do seu pedido ou da sua defesa”.
Para
clarear esse ponto meio turvo, cabe destacar que, de acordo com os ensinamentos
de Neves (2009), para que possa existir uma sentença citra petita, deve haver,
pelo menos, cumulação de pedidos. Isso porque, caso haja apenas um pedido e o
juiz deixar de analisá-lo, não haverá o que decidir. Dessa forma, para uma
melhor compreensão deste tópico, revela-se oportuno ressaltar os diferentes
tipos de cumulação de pedidos.
No
entendimento do citado autor, na cumulação simples, todos os pedidos são
completamente independentes entre si, de modo que o magistrado deverá decidir
todos eles, sob pena de nulidade. Já na cumulação sucessiva, na qual a análise
do pedido posterior é dependente da procedência do anterior, caso o pedido
precedente seja indeferido, não há razão para o juiz enfrentar o subsequente,
por restar prejudicado. Na cumulação subsidiária, em que se estabelece uma
ordem de preferência entre os pedidos, a procedência do primeiro prejudicará a
análise do segundo, impedindo a sua análise pelo magistrado. Por fim, na
cumulação alternativa, o acolhimento de qualquer um dos pedidos
alternativamente formulados prejudica os demais, razão pela qual também não
deverão ser enfrentados.
No
que se refere ao julgamento citra petita relacionado à causa de pedir e
aos fundamentos da defesa, Neves (2009) ensina que o juiz não está obrigado a
embasar a decisão proferida em todas as alegações levantadas pela parte
vitoriosa. Assim, caso o magistrado acolha o pedido do autor, baseando-se em
uma das alegações do requerente, não há motivos para analisar as demais. Da
mesma forma, na hipótese de ser acolhido um dos fundamentos da defesa, julgando
improcedente o pedido, poderá o magistrado não apreciar as demais matérias
defensivas relativas ao mesmo pedido. Segundo o autor, há julgamento citra
petita quando a sentença não analisar o fundamento fático ou jurídico
suscitado pela parte derrotada.
De
sorte que, perfila uma clara distinção entre a sentença que deixa de apreciar
um pedido, a decisão que deixa de analisar fundamento fático ou jurídico
alegado pela parte e a que não decide a causa em relação a uma das partes. No
primeiro caso, não é correto afirmar que a decisão está eivada de um vício
processual, haja vista que não há julgamento do pedido, ou seja, não há vício
no que não existe. Desse modo, Didier Jr. (2010) adota o posicionamento de que,
nessa hipótese, a decisão não merece ser anulada, mas tão somente integrada,
tornando-a completa.
Idêntico
raciocínio não pode ser aplicado, contudo, quando o juiz, ao decidir sobre
determinado pedido, deixa de apreciar questão essencial ventilada pela parte.
Nessa hipótese, há decisão eivada de vício que deverá ser devidamente sanado,
respeitando-se os princípios do contraditório e da motivação das decisões
judiciais.
Assim,
havendo sentença citra petita, existe omissão que deverá ser sanada.
Nesse passo, o recurso adequado para combater a omissão do julgador são os Embargos
de Declaração, com base no inciso I do art. 535 do CPC. No entanto, corrente
doutrinária defendida por Didier Jr. (2010) entende que a não oposição dos Embargos
de Declaração não gera, nesse caso, qualquer tipo de preclusão, uma vez que a
parte poderá atacar a decisão por meio do recurso de Apelação (art. 513 do
CPC).
Questão
relevante defendida por Neves (2009) é na hipótese de anulação ou não, pelo
tribunal, da decisão judicial que deixa de analisar pedido formulado pelo
autor. Isso porque, corroborando o entendimento de Didier Jr. (2010), o
referido autor entende que, nesse caso, não há qualquer tipo de vício na
decisão, já que o pedido sequer chegou a ser decidido. Segundo essa corrente
doutrinária, em face da ausência de qualquer vício na decisão, esta deverá,
apenas, ser integrada, mantendo-se intacta a matéria já decidida.
Todavia,
esse entendimento não é o adotado pelo STJ, que possui diversas decisões no
sentido de que a existência de sentença citra petita gera a anulação da
decisão, caracterizando-se, inclusive, como nulidade de natureza absoluta,
podendo ser reconhecida ex officio pelo juiz. Nesse pórtico, dentre
tantos outros julgamentos existentes, insta transcrever o seguinte aresto, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – IPTU –
SENTENÇA CITRA PETITA – ANULAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM MANTIDA.
1. Considera-se citra petita a sentença que não
aborda todos os pedidos feitos pelo autor.
2. Na hipótese dos autos, havendo julgamento aquém
do pedido, correto o encaminhamento dado pelo Tribunal de origem de anular a
sentença para que outra seja proferida.
3. Recurso especial improvido".
Agora,
no que se refere à ação rescisória, parcela da doutrina defende que, na
hipótese de trânsito em julgado de decisão que não apreciou pedido expresso
realizado pelo autor, considera-se que este nunca foi realizado, já que apenas
o dispositivo da sentença faz coisa julgada material, possibilitando-se, assim,
o ajuizamento de nova demanda. No entanto, o STJ possui entendimento
majoritário no sentido de ser cabível a ação rescisória em todos os casos de
sentença citra petita, desde que não transcorrido o prazo decadencial de
2 (dois) anos, em razão de ofensa a literal dispositivo de lei (art. 485, V, do
CPC).
CONCLUSÃO
Em primeiro, a
decisão extra petita é aquela na qual o magistrado decide diversamente
que foi estabelecido na inicial, em relação ao pedido, à causa de pedir ou às
partes do processo. Dessa decisão, cabe a interposição do recurso de apelação,
com base no error in procedendo, pleiteando a nulidade da decisão
proferida e a remessa dos autos para o juízo prolator da sentença. Quando o
pronunciamento judicial puder ser dividido em capítulos autônomos e
independentes entre si, a anulação somente deverá alcançar a parte viciada,
preservando-se os capítulos restantes.
Em
segundo, a decisão ultra petita se dá quando a sentença excede os
limites quantitativos fixados na exordial, seja em relação ao pedido, seja em
relação às partes que compõem a lide. Dessa forma, concede-se acertadamente a
tutela e o bem pretendidos pelo autor, extrapolando-se, contudo, a quantidade
do que foi pleiteado. Da sentença ultra petita proferida pelo juízo,
cabe o recurso de apelação, com a finalidade de pleitear a nulidade da decisão
relativa, apenas, ao excesso.
Em
último, por sentença citra petita entende-se aquela na qual se decide
aquém do que foi pleiteado em relação ao pedido, à causa de pedir ou aos
litigantes. Noutras palavras, o magistrado se omite de analisar questão
essencial ao deslinde da causa, gerando, assim, uma nulidade. Em virtude da
existência de omissão, o meio adequado para impugnar a decisão citra petita
são os embargos de declaração, visando integrá-la, tornando-a completa e
perfeita. Contudo, caso os mencionados embargos não sejam opostos, entende-se
que não se opera o efeito da preclusão, podendo a parte interpor o recurso de
apelação, buscando anular a referida decisão.
Transitada
em julgado a decisão, respeitando-se o lapso temporal de 2 (dois) anos – prazo
decadencial –, o STJ admite o ajuizamento de ação rescisória para rescindir a
parte viciada das sentenças extra, ultra ou citra petita,
em função de ofensa a literal dispositivo de lei (art. 485, V, do CPC),
especificamente, o art. 460 do CPC.
Com
a chegada e a exigência do Novo CPC, a partir de 18/03/2016, os dispositivos legais deverão
ser interpretados para esse ou aquele caso, na elementar adequação da demanda
que se discute.
Wilson
Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário e Trabalhista).
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