TRAJE (IN)ADEQUADO NO FÓRUM
O formalismo da indumentária no ambiente forense quase sempre causa decisões
inusitadas de magistrados que, a rigor, constrangem determinada parcela da
sociedade brasileira.
Pessoas humildes ou que não têm muito apego a roupas discretas e formais
vivem se deparando com o “pare” nas entradas de alguns tribunais país afora.
Esse “pare” é para aquelas pessoas que são consideradas inconvenientes pela
direção do Fórum, barradas pelos vigilantes e impedidas de entrar no tribunal,
sob alegação de que não estão usando roupas adequadas para o ir e vir nas
dependências do Poder Judiciário.
A proibição de determinados Fóruns Regionais, segundo entendimentos personalíssimos,
é para as pessoas que se encontrem vestidas com trajes incompatíveis com o
decoro e a dignidade forenses.
Nesse sentido, vejam-se os seguintes casos:
1) A juíza de Direito Thais Terumi Oto, diretora do Fórum de Cambará/PR,
proibiu o uso de alguns trajes no Fórum. As mulheres não podem utilizar decotes
profundos, trajes transparentes “a ponto de permitir entreverem-se partes do
corpo ou de peças intimas”, blusas sem alças e que deixam “a barriga ou mais de
um terço das costas desnudas”. Aos homens, é proibido uso de regatas, golas U
ou V, chapéu, dentre outros.
A medida está prevista na portaria 5/17 e foi editada considerando a
necessidade de regular a fluência do serviço forense e "não se criar
situação de desconforto".
De acordo com o texto, são considerados trajes femininos incompatíveis
com o decoro e a dignidade forenses:
- com decotes profundos a ponto de deixarem mais da metade do colo dos
seios visíveis;
- transparentes a ponto de permitir entreverem-se partes do corpo ou de
peças íntimas;
- sem alças;
- que deixem a barriga ou mais de um terço das costas desnudas;
- do tipo shorts, ainda que com o uso conjugado de meias calças;
- do tipo saia que não cubra pelo menos 2/3 das coxas;
- do tipo chapéu, gorro, boina ou boné.
No mesmo sentido, os trajes masculinos proibidos são:
- camiseta regata;
- camiseta com gola "U" ou "V" que deixe mais da
metade do tórax exposto;
- do tipo chapéu, gorro, boina ou boné.
Para a OAB Paraná, a medida é absolutamente discriminatória,
especialmente considerando que Cambará é uma cidade de clima quente e que nem
mesmo o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná adota tais regras. O presidente
da seccional, José Augusto Araújo de Noronha, aponta ainda que não é possível
delegar ao vigilante da segurança terceirizada o papel de “medir” as reais
dimensões dos decotes das advogadas e demais mulheres que vão ao fórum.
“O ambiente forense já é revestido de formalismo. Os próprios advogados
preservam essa cultura. Entretanto, me parece abusivo impedir que pessoas do
povo possam frequentar o fórum por não estarem trajados como a meritíssima
juíza local entende como correto. Imaginemos o caos que seria cada juiz
resolver limitar o acesso de acordo com suas próprias convicções pessoais
acerca do tema. Poderíamos, por exemplo, ter uma pessoa 'admitida' no foro
trabalhista, mas 'vetada' no foro da justiça estadual. Essas restrições criam
um evidente ambiente discriminatório” afirma Noronha.
2) Um par de chinelos de dedo abriu uma ampla polêmica no Judiciário do
município de Cascavel/PR. No dia 13, o juiz da 3ª Vara do Trabalho, Bento Luiz
de Azambuja Moreira, cancelou uma audiência de instauração de dissídio por ter
constatado que as sandálias de dedo vestiam os pés de uma das partes, o
trabalhador rural Joanir Pereira.
TERMO DE AUDIÊNCIA: Aos
treze dias do mês de junho de 2007, às 15:10h, na sala de audiências da 3ª Vara
do Trabalho de Cascavel, sob a direção do Juiz do Trabalho Dr. BENTO LUIZ DE
AZAMBUJA MOREIRA, foram apregoados os litigantes. Presente o (a) reclamante, acompanhado
(a) de seu (sua) procurador Dr. Olímpio Marcelo Picoli (OAB/TO 3631). Presente o
(a) reclamado (a), por intermédio do preposto José Orlando Chassot Bresolin, acompanhado
(a) de seu (sua) procurador Dr. Heriberto Rodrigues Teixeira (OAB/PR 16184),
que junta procuração, carta de preposição e contrato social. O Juízo deixa
registrado que não irá realizar esta audiência, tendo em vista que o reclamante
compareceu em Juízo trajando chinelo de dedos, calçado incompatível com a
dignidade do Poder Judiciário. Protestos do reclamante. Em face da providência,
o Juízo designa nova data para instauração do dissídio, dia 14 de agosto de
2007 às 14h30min. Cientes as partes. Nada mais. Audiência encerrada às 16:10h. E
para constar, eu Suzeli Maria Idalgo Becegato, Assistente Administrativo de
Sala de Audiências, digitei a presente ata. BENTO
LUIZ DE AZAMBUJA MOREIRA. Juiz do Trabalho.
Manifestação da
Anamatra: "A Anamatra lamenta decisão de juiz do Paraná que cancelou audiência
porque reclamante usava chinelos. A decisão do juiz Bento Luiz de Azambuja
Moreira, titular da 3ª Vara do Trabalho de Cascavel/PR, de suspender a
audiência porque o reclamante estava trajando uma sandália de dedos foi
lamentada pelo presidente da Anamatra, Cláudio Montesso. "A decisão está
em desacordo com o pensamento da maioria dos juízes do trabalho comprometidos
com o exercício da cidadania e a preservação dos direitos mais
elementares", enfatizou Montesso. O presidente da Anamatra afirma que em
uma Justiça eminentemente social é preciso ter sensibilidade mais acurada no
trato com as partes mais humildes. "Não se pode considerar que a roupa do
trabalhador, muitas vezes a única que possui, atenta contra a dignidade da
Justiça, pois assim se esta dizendo que os mais humildes não são dignos da
atenção dos juízes e que apenas os bem vestidos a merecem", afirmou o
presidente. No entanto, para o presidente da Anamatra, a questão pode ser
resolvida com o diálogo do juiz com os advogados e a comunidade de Cascavel,
assegurando-se o exercício do direito por parte do trabalhador. "Não me
parece que seja o caso de se atribuir punições, mas se estabelecer conversações
onde o bom senso há de prevalecer", afirmou. Para Montesso a decisão é
fruto de uma cultura anacrônica que ainda permeia o Judiciário, onde aquilo que
se veste ainda é valorizado. O presidente lembrou que, recentemente, a Ministra
Carmem Lúcia do Supremo Tribunal Federal rompeu com tradição daquela Corte que
vedava a utilização de calças para mulheres e que diversos órgãos jurisdicionais
estabelecem normas de vestimentas para ingresso no seu interior com base no
subjetivismo dos seus dirigentes. "Decisões e normas como essas apenas
servem para afastar o cidadão da Justiça e desprestigiam os juízes perante a
população", finalizou Montesso".
Manifestação da
OAB/PR: "A OAB do Paraná repudia juiz que adiou audiência por causa de chinelo. A
OAB/PR repudiou a atitude do juiz da 3ª Vara do Trabalho de Cascavel, Bento
Luiz de Azambuja Moreira, que adiou uma audiência porque o reclamante
compareceu ao fórum calçado de chinelo de dedos. O juiz alegou que “o calçado
era incompatível com a dignidade do Poder Judiciário”. “Num país tropical como
o Brasil, uma decisão como essa no âmbito da Justiça é absurda. Um fato como
esse deve entrar para os registros das aberrações jurídicas”, disse o
presidente da OAB do Paraná, Alberto de Paula Machado".
Pelo visto, o Poder
Judiciário tem muito que aprender no trato com as pessoas, porquanto a
simplicidade ou a humildade do cidadão nada tenha a ver com o lugar solene ou
com a exigência de trajes de respeito. O comportamento do cidadão é que conta,
e não a sua roupa, salvo o caso de traje extremamente inadequado e sem a mínima
decência.
Independentemente das
razões dos magistrados acima, talvez lhes falte um pouco mais de bom senso, de
forma que sejam contornadas as situações, sem, no entanto, tirar o direito do
cidadão ou provocar-lhe constrangimento desnecessário.
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Wilson Campos
(Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses
Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista
e Ambiental).
Todo exagero é sujeito a críticas, seja de um juiz ou de um cidadão comum.
ResponderExcluirConcordo com o autor Dr. Wilson que cada caso deve ser analisado de forma educada, ainda mais se tratando de uma pessoa simples, sem condições financeiras de se vestir adequadamente como quer o tribunal. Além do que o chinelo não é motivo de tanto horror do juiz. Que isso, Excelência? Vamos ser mais humildes e humanos. Vamos melhorar esse país, em tudo, porque já passou da hora de haver mais compreensão. Gostei do artigo e como advogado e professor acho que o tribunal precisa ser mais humilde e menos intransigente. Eustáquio P. Soeiro.