ESTELIONATO ELEITORAL

 

O direito precisa acompanhar a dinâmica da vida social. A mudança no perfil da sociedade não pode restar à margem do direito. Se o ordenamento jurídico pátrio tipifica como crime o furto de um pote de manteiga e condena à prisão a infratora, fato verídico, também tem o dever legal e moral de tipificar como crime o estelionato eleitoral e condenar e mandar prender os culpados.

 

No mundo contemporâneo, não há mais como suportar situações inconcebíveis e absurdas de desproporção entre o delito e a resposta. No sentir da sociedade, mais grave do que cometer o furto de um pote de manteiga é cometer estelionato eleitoral. Porém, como o direito deve ser aplicável a todas as pessoas, sem distinção, aquele que se achar vítima de alguém deve buscar o poder do Estado para que o culpado seja punido e os prejuízos ressarcidos, independentemente da significância ou insignificância do dano.

 

Vejamos, então, o caso gravíssimo do estelionato eleitoral, que consiste na prática do candidato a cargo legislativo ou executivo, mediante pleito popular, fazer promessas durante campanha eleitoral, e, quando eleito, deixar de realizar o que prometeu, caracterizando dessa forma a má-fé na obtenção dos votos. Ou seja, trata-se de propaganda enganosa, fraude, falácia e ludibriação, posto que os ditos candidatos eleitos com uma determinada plataforma ideológica, depois da eleição, adotam um programa de cunho absolutamente contrário.

 

O estelionato eleitoral se configura ainda como aquele ato praticado pelo candidato que, além de não cumprir suas promessas, comete outros crimes contra o patrimônio público, devendo responder civil e criminalmente, e restando sujeito a perder a vaga para o próximo candidato com maior número de votos. Daí a necessidade da criminalização do estelionato eleitoral, por força de lei, como forma de combater a mentira e a desonestidade de políticos quando em campanha eleitoral. A mesma promessa atraente que rende votos, caso não cumprida, poderá render cassação do mandato, inelegibilidade e punição penal.

 

Enquanto projetos de lei contra o estelionato eleitoral dormitam nas gavetas do Congresso, o tema causa preocupação à sociedade, haja vista a nuvem de incertezas que paira sobre as cabeças dos eleitores, seja pela falta de lei concreta que coíba, pela perda de referencial da pena exigível ou pelo atentado violento em face dos princípios da administração pública.

 

Em que pese não existir ainda a conduta criminosa tipificada, é razoável afirmar que o estelionato eleitoral pode configurar concreta e efetivamente ato de improbidade administrativa, com grave ofensa ao artigo 11 da Lei 8.429/1992, ficando o responsável sujeito ao ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, entre outras penalidades.

 

Assim como o voto representa um instrumento poderoso nas mãos do eleitor, a depender do caráter de quem faz o uso, também o exercício da cidadania tem valor inestimável, posto que é uma ferramenta importantíssima na valorização dos indivíduos, que, cada vez mais, reivindicam o direito a uma administração pública sob controle social e a uma gestão compartilhada e participativa entre políticos e cidadãos. Ou seja, a sociedade exige uma gestão horizontalizada, com participação popular na gestão da coisa pública.

 

De nada serve ou a nada se presta uma pessoa que ingressa no setor público para tão somente se servir dele. A cidadania não admite e não aceita mais isso, uma vez que a nova tendência é que essa pessoa sirva aos propósitos da população. Ora, a administração pública requer gestão com resultado social positivo, responsabilidade fiscal, qualificação do agente público, transparência, eficiência e probidade.

 

Por fim, a sociedade brasileira não aceita mais a nociva política do estelionato eleitoral (prometer e não cumprir), assim como recrimina fortemente os demagogos e oportunistas, os apadrinhados da velha política e os premiados com os virulentos cabides de empregos. A população brasileira não aguenta mais sustentar políticos erráticos e militantes sanguessugas do serviço público. A rigor, os candidatos em campanha que fazem promessas, caso eleitos, têm a obrigação de cumpri-las. Basta de sinecuras, prevaricações e estelionatos.  

 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG).

 

(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de sábado, 24 de outubro de 2020, pág. 7).

 

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Comentários

  1. Roberto Carvalhais N.24 de outubro de 2020 às 18:26

    O político que prometer e não cumprir e o político que cometer a improbidade devem ser conduzidos para fora da função pública e responder pelo crime cometido. A providência é clara como a água e tem de ser cumprida como medida de mão pesada contra o transgressor. A lei não pode ser branda com esses crimes porque o sujeito volta a cometer novo crime e vai ficando sem punição até cair no esquecimento. O eleitor também esquece e acaba votando no mesmo cretino que cometeu crime antes e não foi punido. Meu caro Dr. Wilson, como o senhor mesmo disse, o eleitor tem o instrumento nas mãos - O VOTO - para punir esses maus políticos e o Ministério Público deve punir os maus servidores públicos e mandar para o Judiciário julgar e condenar. Tudo simples mas quem disse que funciona assim? Só o voto pra consertar. Votar, votar e votar até acertar. Abraço doutor. Parabéns pelo artigo como sempre bem vindo e bem lido. Sou seu leitor. Abraço. Roberto C. N.

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  2. Entendo assim também. As pessoas não conhecem os candidatos e se baseiam nas informações prestadas, para decidir a quem dar o seu voto, o voto da e de confiança.
    Devido a tudo isto posto no texto, é que as pessoas não têm interesse em votar e desejam que o * "voto obrigatório" acabe.

    * Obrigatório é ir à seção Eleitoral.

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  3. Artigo esclarecedor e digno de ser levado ao conhecimento de todos os brasileiros. O estelionato eleitoral não pode ser perdoado pelos eleitores nem permitido pela Justiça. Não mais e de jeito nenhum.
    O artigo do nobre adv Wilson Campos é muito bom e dou meu sim e peço permissão para compartilhar.
    At. César Saturnino.

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  4. Janaina Goes R. T. V.26 de outubro de 2020 às 15:42

    Na minha cidade o candidato a vereador promete o que não tem como fazer - asfaltar rua, colocar posto policial, encanar água e aumentar a iluminação nas ruas. Nenhum desses trabalhos ele pode fazer porque é da alçada do Executivo (prefeito ou governador). Como o sujeito pode prometer o que não poderá cumprir? Quem acredita é porque não tem conhecimento para desmascarar o sujeito na hora exata da promessa descabida. Outro detalhe é que o candidato a prefeito a reeleição não fez nem a metade do que prometeu na campanha passada e agora está fazendo mais promessas que não irá cumprir e tem gente que acredita numa coisa dessa. Tem que acabar isso porque isso é fraude e é mentira deslavada. Vergonha esses políticos e candidatos sem pudor e sem vergonha na cara. O artigo do blog do senhor doutor é verdadeiro e diz a verdade nua e crua do que acontece mesmo hoje em dia. Isso precisa acabar Dr. Wilson Campos advogado e o eleitor é como o senhor sempre diz, precisa aprender a voltar e votar com consciência e com certeza do que faz para não arrepender depois e ter de esperar mais 4 anos para consertar o erro e a besteira que fez. Vou compartilhar o seu artigo doutor Wilson e pode estar certo que um dia esse Brasil será melhor como queremos. Att: Janaina Goes Ribeiro T.V.

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