O BRASIL DAS 11 SUPREMAS CORTES.

 

Nenhum outro país do mundo tem o “privilégio” de possuir 11 Supremos Tribunais Federais. O Brasil está sozinho nessa farta supremacia. Cada ministro da Suprema Corte brasileira responde por uma instituição própria, posto que são 11 ministros decidindo sempre ao seu talante, individualmente, ou seja, cada um pensa ter o seu próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Verdade? Os fatos levam a crer nesse desatino.

 

Onze é o número de ministros do Supremo, que atuam como “onze ilhas”. A expressão não é minha, mas publicizada pelo ex-ministro do STF, Sepúlveda Pertence, e se consolidou como chave de interpretação para o funcionamento do tribunal, em razão da proliferação de decisões monocráticas e da sucessão de embates internos. Cada vez mais os ministros decidem de forma monocrática, sem darem importância ao que possa ser firmado pelo colegiado.  

 

No justo momento em que o STF se vê sob o fogo cruzado da esquerda e da direita, além de sofrer ataques diários das pessoas comuns nas redes sociais, eis que surgem as picuinhas pessoais dos ministros, agredindo verbalmente uns aos outros, deixando ainda mais confusos os cidadãos quanto ao entendimento da dinâmica correta da última instância do Poder Judiciário.

 

O STF resta fragmentado e, pior, não atua como um colegiado. As decisões e os entendimentos são medidas estritamente pessoais, longe da necessária deliberação conjunta para a formação de uma jurisprudência que sirva de parâmetro geral. As respostas dos ministros aos casos envolvendo políticos desonestos e ímprobos são desencontradas e desagradam a sociedade. Aliás, os brasileiros já dizem abertamente nas redes sociais sentir vergonha alheia em relação às atitudes dos ministros do STF.

 

O recente episódio que está causando furor nas conversas nos meios jurídico, político e social, e na mídia nacional, trata-se do seguinte: o atual Presidente do STF, ministro Luiz Fux, ao suspender a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, que deferiu habeas corpus favorável a André Oliveira Macedo, mais conhecido como André do Rap, acusado de tráfico internacional de drogas, causou mal-estar generalizado no STF. A soltura do mega traficante gerou discussão acirrada em torno da interpretação da lei.

 

O ministro Marco Aurélio afirmou que o “paciente” estava preso sem culpa formada desde 15 de dezembro de 2019, tendo sua custódia mantida em 25 de junho de 2020, no julgamento da apelação, e resolveu pela aplicação do artigo 316 do Código de Processo Penal, determinando a liberdade do réu André do Rap, que, segundo ele, estava preso por tempo maior do que o legalmente permitido.  

 

Por outro lado, o ministro Fux atendeu a requerimento da Procuradoria-Geral da República que, com base no artigo 4 da Lei 8.437/1992, solicitou a suspensão da decisão liminar proferida em HC 191.836 que determinara a soltura de André do Rap.

 

Tangenciando a controvérsia, a Procuradoria-Geral alegou que a referida liminar viola a ordem pública e suprime a instância e admite o HC sem que tenha ocorrido a interposição de agravo regimental contra a liminar do STJ. Nesse sentido, o presidente do STF, ministro Fux, assegura: Essa circunstância colide com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que veda o conhecimento do habeas corpus nesses casos, em razão da supressão de instância”.

 

Alguns juristas entendem que o ministro Marco Aurélio agiu acertadamente na sua interpretação do texto legal. No entanto, muitos outros juristas, numa corrente majoritária, entendem que o ministro Fux acertou, uma vez que foi instado a se manifestar e seu entendimento foi percuciente e embasado nos códigos vigentes.

 

No meu sentir, o melhor a fazer é levar ao Plenário a questão e deixar que o colegiado decida, de forma que haja uniformização de entendimentos. E foi isso que fez o ministro Fux, presidente da Corte – o caso foi debatido pelos 11 ministros e a tormentosa questão serviu para o Supremo se deter na intensa leitura e compreensão do dispositivo do CPP, cujo resultado foi de 9 a 1, com a fixação da seguinte tese: A inobservância do prazo nonagesimal, do art. 316, do CPP, não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juiz competente ser instado a reavaliar legalidade e a atualidade de seus fundamentos”.

 

Assim, a maioria do STF votou para manter a ordem de prisão de André do Rap, que se encontra foragido e, provavelmente, bem longe do território brasileiro e do alcance da nova decisão dos ministros. Marco Aurélio foi vencido e nem por isso se deu por derrotado, haja vista suas fortes ressalvas ao se referir ao ato rápido de Fux contra sua medida em face do inusitado habeas corpus.

 

Alguns ministros teceram comentários bem pessoais sobre o desenrolar do caso, ao estilo do “cada um por si”, como se fossem “onze ilhas”. Vejamos: Lewandowski - “Não se pode admitir que o presidente se converta em superministro”; Fux – “Não tenho nenhuma pretensão de ter superpoderes”; Gilmar Mendes – “É um festival de erros, equívocos e omissões”; Marco Aurélio – “Não me sinto no banco dos réus. E se alguém falhou, não fui eu”.

 

Como visto, o jogo de vaidades permanece vivo no âmago da Suprema Corte. Além da novel hermenêutica do CPP, o poder do presidente do STF em cassar decisões de outros ministros virou tema de simpatia de uns e rancor de outros. A discussão no plenário foi tensa. Contudo, para arrematar o imbróglio, o ministro Luiz Fux disse que André do Rap “debochou da Justiça e ainda indicou endereço falso para fugir do país”.

 

Particularmente, entendo que o ministro Fux agiu com acerto e dentro do que foi requerido pela PGR. Também entendo como positivas as decisões da maioria dos ministros (9 a 1), nesse caso específico. Agora é chegada a hora de localizar o réu foragido e levá-lo novamente à prisão. A lei precisa ser respeitada e aplicada e a decisão da Suprema Corte deve ser acatada e cumprida.

 

Noutro norte, insisto que a Suprema Corte é única e precisa caminhar com a necessária sintonia entre seus pares. Não mais é possível nem admissível que se confirmem “onze ilhas” no STF, posto que a sociedade requer o Estado democrático de direito no convívio diário da Suprema Corte, deliberando com firmeza e retidão em prol do direito e da justiça, mas de forma coordenada e conjunta, do egrégio colegiado, nos termos do artigo 101 da Constituição Federal - O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Parágrafo único - Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

 

Com meus mais sinceros votos de que o STF saia da luz da mídia e se dedique aos interesses maiores da nação, permitam-me ressaltar que o artigo 102, § 3º, da Constituição da República, após a Reforma do Poder Judiciário em 2004, passou a exigir da parte recorrente ao STF a demonstração da “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”. A Suprema Corte, assim, somente julgará recursos em processos oriundos dos tribunais inferiores, se houver repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso. Ora, o STF não é um tribunal voltado para a satisfação de interesses personificados de entidades ou indivíduos, pois, o seu papel está descrito na Constituição.

 

Para encerrar cumpre notar a abrangência do novo Código de Processo Civil (CPC), nos termos do seu artigo 926, segundo o qual os tribunais brasileiros – Supremo Tribunal Federal inclusive – devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, garantindo segurança jurídica aos jurisdicionados.

 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).

 

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Comentários

  1. Dr.Wilson esse artigo jurídico sobre o STF foi o melhor que li nesses últimos dias ou tempos. Excelente e coerente em todos os parágrafos, com justiça e com lealdade ao direito e à legalidade. Parabéns meu caro e nobre causídico. Abr. de Josué Calixto - adv./prof. univers.

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  2. Replico o comentário do colega acima, pois, a escrita e o texto são primorosos e de compreensão absoluta,além de verdadeiro 100% no seu teor. Parabéns Dr. Wilson, como sempre atento e dedicado ao todo jurídico do país. Advocacia também é saber escrever e informar. Att.:Margareth Salles.

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