O ANTES E O DEPOIS NAS PROFISSÕES.

 

Muitas são as profissões e muitos são os profissionais. Daí que o pensar e o agir nem sempre resultam em um mesmo denominador comum. As atuações das classes ou categorias variam de acordo com o tipo de atividade. Mas todos os segmentos têm um comportamento ético a ser respeitado.

Em tempos acelerados pela internet e mais ainda pelas redes sociais, que atualizam a todo instante sobre tudo e sobre todos, algumas profissões costumam pegar carona nessa novidade e permitir a divulgação dos êxitos de profissionais que gostam do flash instantâneo da mídia virtual.

Nesse primeiro debate, tomemos como referências as profissões de advogados, médicos e dentistas. No curso do artigo as observações chegarão ao ponto da discussão sobre o antes e o depois nas respectivas profissões.

Veja-se que, na advocacia, alguns profissionais usam moderadamente a publicidade nas redes sociais, e até aí tudo bem. Mas existem aqueles que abusam do direito de divulgar e difundir marca, serviço e êxito. E então eu lamento afirmar que tal prática não é recomendável e nem vista com bons olhos pelos Tribunais de Ética da OAB.

Pior ainda quando nos deparamos com advogados que se deleitam na divulgação de resultados de causas vitoriosas, cujas informações ultrapassam o bom senso e adentram a identificação das partes demandantes, o objeto da ação e até o número do processo. O antes e o depois aqui se tornam inconvenientes, haja vista o vanglorio impróprio sobre uma lide de interesse de um cliente que pode não querer aparecer e nem ser citado em qualquer plataforma das redes sociais.

A rigor, coloco-me inteiramente contrário a esse tipo de atitude, posto que contraria o disposto no artigo 3º, § 1º do Provimento 94/2000, que recomenda moderação e discrição na publicidade, na propaganda e na informação da advocacia. E, da mesma forma, não coaduna com o artigo 42, inciso IV do Código de Ética e Disciplina, uma vez que configura excesso e desrespeito ao limite ético. 

De sorte que a advocacia entende tal conduta como uma maneira de tentar impressionar possíveis futuros demandantes, captar clientela ou mercantilizar a profissão, o que não é permitido, nos termos do artigo 39 do já mencionado Código de Ética e Disciplina da OAB.

Se, por acaso, aparecer na internet alguma ação judicial festejando êxito ou ganho de causa, mas não sendo por iniciativa do advogado, esse evento não carece de análise da OAB, e deve ser analisado em outra esfera, especialmente se atingir a intimidade de alguém.     

Já no caso do médico, por óbvio que, além de estar devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina do seu Estado, ele deverá seguir as normas exaradas por este órgão. Essas premissas parecem lugar-comum, mas é necessário tê-las em mente para explicar o título deste artigo.

Segundo as regras da medicina, às vezes entendidas como exageradas e ultrapassadas, ao médico é vedado colocar imagens que mostram situações do antes e do depois de um determinado procedimento. Assim, por força dessas regras, aqueles queixos ou narizes pontudos que se tornaram perfeitos após o bisturi do médico não podem fazer parte de material de divulgação do trabalho realizado.

Alguns profissionais entendem que essa intromissão do Conselho é um cerceamento ao exercício da profissão. Porém, basta racionalizar por uns instantes para perceber as reais justificativas para a existência dessas normas balizadoras. Ora, ao médico não é permitido fazer autopromoção, concorrência desleal e sensacionalismo. Além do mais, ele não pode exibir fotos do antes e do depois, e isso na proteção do seu próprio esculápio.

A explicação para o fato é básica: se o médico promete nas redes sociais fazer milagres no rosto ou no corpo de certa pessoa, isso equivale dizer que ele se compromete a resultados maravilhosos em todas as situações e com todas as pessoas. Mas, e se isso não acontecer? A pessoa insatisfeita argumentará que foi propaganda enganosa e acionará a Justiça.   

Portanto, a recomendação é para que o médico se abstenha de postar fotos com resultados promissores, ainda mais porque as reações orgânicas naturais variam de indivíduo para indivíduo. E, mais uma vez, o antes e o depois não são bem-vindos também na medicina, pois os riscos e os danos são tão prováveis quanto a punição normativa profissional. 

Por derradeiro, a exemplo das demais profissões, a odontologia também tem suas normas e regras, mas essas são no sentido de que é possível divulgar o antes e o depois, desde que seja autorizado. Note-se que a Resolução 196/2019 do Conselho Federal de Odontologia autoriza a divulgação de autorretratos (selfies) e de imagens relativas ao diagnóstico e ao resultado final de tratamentos odontológicos, e dá outras providências.

Nesse tocante, o artigo 2º dessa Resolução assegura que: “Fica autorizada a divulgação de imagens relativas ao diagnóstico e à conclusão dos tratamentos odontológicos quando realizada por cirurgião-dentista responsável pela execução do procedimento, desde que com autorização prévia do paciente ou de seu representante legal, através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE”.

Como visto, a citada Resolução do Conselho autorizou a divulgação, anteriormente vedada pelo Código de Ética da classe, da imagem do antes e do depois de pacientes, mas apenas mediante autorização prévia. Ou seja, o uso da imagem autorizada de pacientes por consultórios odontológicos, principalmente nas redes sociais, é prática frequente para a divulgação de tratamentos, em especial os estéticos, como harmonizações faciais; e assim evidenciam-se cada vez mais os métodos muito eficazes de publicidade e  de venda de tratamentos odontológicos.

Todavia, regra geral, os profissionais devem tomar muito cuidado quando tratarem da exposição da imagem dos clientes ou pacientes, uma vez que existem as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD, que devem ser seguidas, e pelo fato de que a referida lei estabelece as regras para o uso de dados pessoais por pessoas jurídicas e profissionais autônomos.

A LGPD é expressa ao tratar dos dados pessoais, e isso quer dizer que os agentes ao realizarem o tratamento dessas informações devem observar a boa-fé, o consentimento, usando os dados pessoais para um propósito legítimo e sempre informando ao titular o que está sendo usado e como está sendo usado. Nada deve ser feito sem a autorização do cliente ou do paciente, sob pena de se estar infringindo dispositivos da LGPD, do Código Civil, do Código Penal e até mesmo do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, todo cuidado é pouco no tratamento dos dados das pessoas.

Cumpre esclarecer que a LGPD (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018) foi aprovada em 2018 e entraria em vigor a partir de 14 de agosto de 2020. Houve pedido de adiamento da vigência da lei para maio de 2021, mas a proposta foi rejeitada pelo Congresso, entrando a legislação em vigor em 18 de setembro. A lei representa um marco histórico na regulamentação sobre o tratamento de dados pessoais no Brasil, tanto em meios físicos quanto em plataformas digitais. Além de mudar a maneira como instituições privadas coletam, armazenam e disponibilizam informações de usuários, a LGPD é destinada às instituições públicas – portanto, deve ser seguida por União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Logo após a publicação da LGPD, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação 73/2020, que orientou os órgãos do Poder Judiciário a adotarem medidas para a adequação dos tribunais às disposições da legislação de proteção de dados. Desde então, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem realizado estudos, promovido discussões e implementado ações voltadas para o cumprimento da LGPD e a garantia de proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade dos cidadãos.

O antes e o depois nas profissões, como arguido acima, caso ocorram e em sendo permitidos pelos órgãos fiscalizadores das classes e categorias, devem estar alinhados com a boa-fé, com o consentimento do cliente ou do paciente, com a autorização oficial por escrito e com a devida obediência aos termos da LGPD.  

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021). 

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Comentários

  1. Dr. Wilson Campos advogado o artigo é super interessante e eu li com atenção e acho que minha filha vai gostar mais ainda porque ela é dentista e vai saber dos cuidados quando fizer a publicidade do trabalho dela e da clínica. Obrigado doutor. Excelente artigo e o seu BLOG também é muito bom e com assuntos atuais e de interesse de todos nós. Sds. do Tadeu Gonçalves.

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  2. O artigo me chamou a atenção pelo fato de que sou médico e quatro anos atrás eu procurei o CRM para saber sobre publicidade de certos procedimentos que eu fazia e que tinham grande acerto e mereciam divulgar, mas tive resposta negativa de que não poderia fazer. Eu pensei até em ir ao Judiciário reclamar isso, mas preferi conversar com colegas e chegamos à conclusão do que o senhor disse no seu artigo Doutor Wilson Campos quanto à propaganda não corresponder a todos igualmente. Valeu pelo artigo e pelas recomendações aos profissionais dessas três importantíssimas classes. Parabéns pelo ótimo artigo. Abr. Augusto S.R.Prata.

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  3. Frederico L. França P. de O.21 de setembro de 2022 às 15:32

    Meu caro colega advogado Dr. Wilson Campos, da minha parte eu acho que a publicidade da atividade advocatícia deve ser permitida, mas desde que com moderação. Tenho visto certos exageros e aparições imoderadas de colegas nas mídias e isso não é bom para a advocacia. Precisamos valorizar nossa profissão e não banalizar. Cada profissional deve ser comedido na propaganda e evitar aparecer mais do que permite o Código de Ética. As regras da OAB devem ser seguidas e respeitadas por todos. Eu gostei particularmente da sua forma de abordar o tema, bem equilibrada, legal e na defesa da legitimidade dessas 3 grandes profissões. Abração nobre colega pelo eficiente e soberbo artigo. Sou Frederico França (FF).

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  4. Dr Wilson Campos,advogado, eu confesso que já passei por isso na minha profissão. Divulguei um trabalho muito bem feito de recuperação de um paciente e pedi para divulgar. O paciente autorizou, mas depois mudou de ideia e disse que não tinha autorizado. Eu fiz tudo de boca, apenas na palavra, e me arrependo, porque deveria ter pedido uma autorização por escrito. Não faço mais nenhuma divulgação depois disso e com isso a sociedade perde uma boa divulgação de questão técnica médica que poderia ajudar muita gente a se decidir sobre um tratamento preventivo saudável e eficiente. Dr.Wilson muito obrigada pelo seu belo artigo, muito bem escrito e que me serviu para repensar sobre minhas possibilidades futuras e olhar isso no Conselho e se possível divulgar com segurança e garantias para todos. Abraços e obrigada. Parabéns pelo artigo e pelo BLOG. Att: Santina MD Coelho.

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  5. José C. S. A. Meirelles22 de setembro de 2022 às 15:37

    Faço aqui uma declaração de indignação porque vi um grande consultório odontológico em SP,com mais de 20 profissionais trabalhando no prédio, e de cara na recepção tem cartazes "do antes e depois" da colocação de dentes (chamam de implantes). A foto do cartaz mostra uma senhora com dentes estragados e cabelos desarrumados (no antes) e a mesma senhora com implantes e dentes perfeitos e brancos feito neve e cabelos bem tratados (no depois). Aquilo me deixou incomodado porque colocou aquele senhora numa situação horrível (no antes) sem precisar. Será que ele viu esse cartaz? Será que ela concorda com isso? Ou será ela uma artista recebendo um cachê para aquela foto publicitária???. Prezado Dr. Wilson Campos seu artigo é excelente e devo dizer que valeu muito por ter escrito sobre esse tema, e agradeço porque sou de uma dessas profissões e jamais faria isso com uma cliente/paciente minha. O equilíbrio é a melhor ferramenta de trabalho. Abraços do José C. S. A. Meirelles.

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