A INJUSTIÇA “REPUBLICANA” CHEGA A MARCEL VAN HATTEM.

 

Minha solidariedade ao deputado Marcel van Hattem, pelo sim à democracia e à liberdade, e pelo não à censura e à ameaça à imunidade parlamentar garantida pelo artigo 53 da Constituição, com meu entendimento de que deve ser observada a vetusta regra de hermenêutica, segundo a qual "onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete restringir".

 

Nada como um dia após o outro para se detectar no Brasil o tamanho da petulância de certas autoridades, notadamente de certas instituições que se dizem oficiais, quando, na verdade, agem e atuam como oficiosas.

O parlamentar brasileiro, deputado federal do Rio Grande do Sul pelo Partido NOVO, Marcel van Hattem, foi indiciado de forma injusta e enviesada pela Polícia Federal (PF), e isso representa mais um lamentável episódio no nosso país. O cenário atual é dantesco, cheio de incertezas, perseguições e retrocessos.

O deputado van Hattem e o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) foram indiciados na semana passada por críticas ao delegado Fábio Shor, conhecido por ser o braço direito na PF do ministro Alexandre de Moraes em inquéritos do STF.

Antes de adentrar o polêmico caso em tela, especificamente, faz-se necessário tentar explicar o que significa ser parlamentar ou membro de um parlamento. Ora, a palavra “parlamento” tem origem no francês parlement, que deriva de parler, que significa falar ou discursar. Ou seja, o parlamento é o local onde se fala e onde se discursa, e onde se estabelece um elo entre o povo e seus representantes nos municípios, nos estados e no país.

Porém, atualmente, o parlamento brasileiro vem sendo peitado e desrespeitado. A palavra parlamento vem perdendo o sentido no Brasil. E isso resta escancarado no caso que envolve o deputado van Hattem, obstado no seu direito e no seu dever constitucional de denunciar irregularidades, quaisquer que sejam, ainda que digam respeito ao comportamento inadequado de um delegado da polícia federal.

Em 14 de agosto, ao discursar na Câmara dos Deputados, de forma dura e veemente, van Hattem denunciou a conduta do delegado Shor e o acusou de fazer relatórios fraudulentos contra Filipe Martins, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Fui indiciado pela polícia do Lula por denunciar, da tribuna da Câmara, justamente um delegado dessa mesma polícia federal. Até onde irão esses abusos contra tudo o que diz a Lei e a Constituição do Brasil? Eu não vou me dobrar!”, disse Van Hattem. Já a PF alega por alegar que Shor foi caluniado pelo parlamentar.

Há que se reconhecer que o indiciamento contra o deputado van Hattem, que faz um brilhante e importantíssimo trabalho no Congresso Nacional, representa um ataque direto à imunidade parlamentar, garantida pelo artigo 53 da Constituição Federal, que assegura: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Como visto, não há explicações minimamente palpáveis para a atitude da PF ou de quaisquer outras autoridades do governo. O real sentido da imunidade parlamentar é permitir aos congressistas a ampla liberdade para promoverem a denúncia de irregularidades, de ilegalidades e de abusos praticados por agentes públicos ou privados, que venham a atingir diretamente os interesses da sociedade brasileira.

Nesse sentido, vejamos o que disse o então ministro Celso de Mello, do STF:

“A cláusula de inviolabilidade constitucional, que impede a responsabilização penal e/ou civil do membro do Congresso Nacional, por suas palavras, opiniões e votos, também abrange, sob seu manto protetor, as entrevistas jornalísticas, a transmissão, para a imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas e as declarações feitas aos meios de comunicação social, eis que tais manifestações – desde que vinculadas ao desempenho do mandato – qualificam-se como natural projeção do exercício das atividades parlamentares”. (Inq. 2.332 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 10-2-2011, P, DJE de 1º-3-2011).

Dessa forma, diante do dispositivo constitucional e do julgado do ministro relator, no exemplo destacado, resta legitimada a atuação dos parlamentares, representantes eleitos da população e no exercício de suas funções, apropriadamente, e não há que vir ou surgir do nada indevidas interferências, sejam do Executivo ou do Judiciário.

Todavia, por mais absurdo que pareça, eis que na terça-feira (03/12), constatou-se a perseguição do Judiciário e da PF contra van Hattem, que falou com detalhes sobre o inquérito relatado por Flávio Dino, ministro do STF. A fala se deu em resposta a declarações de Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública, relativizando o alcance da imunidade parlamentar. “Se, da tribuna, um deputado comete crime contra a honra, seja contra colega ou qualquer cidadão, ele não tem imunidade. Até porque isso inviabilizaria a convivência no Parlamento. O Supremo Tribunal Federal já consolidou essa jurisprudência, e os inquéritos da PF consideram esse entendimento”, disse Lewandowski.

Marcel van Hattem, por sua vez, disse: “A covardia age nas sombras, age nos processos secretos, age na clandestinidade dos inquéritos fake do Supremo Tribunal Federal”. Já quanto à fala de Lewandowski, que relativizou o alcance da imunidade parlamentar, van Hattem citou precedentes legais e decisões anteriores do Supremo, incluindo um acórdão de 2017 relatado pelo próprio Lewandowski, então ministro do STF, que dava ênfase à importância de se proteger a separação dos poderes e assegurar que o Legislativo possa exercer críticas sem intimidação. Ou seja, van Hattem desnorteou Lewandowski com uma decisão anterior de sua própria autoria. Ademais, Lewandowski precisa entender que é sabido e prevalece o seguinte: “onde a norma jurídica não restringe, não cabe ao intérprete restringir”.

O deputado van Hattem fez questão de afirmar que as críticas ao delegado Fábio Shor foram por produzir “relatórios fraudulentos, baseados em informações falsas”, e assegurou que estava apontando falhas funcionais, e não atacando a pessoa em si. De fato, o deputado tem razão, pois o ocorrido se trata de mais um triste episódio da relativização do Estado de direito que o Brasil vem assistindo e permitindo. É a revelação clara do aparelhamento de instituições sob o comando do Executivo, na intenção precípua de cercear a liberdade opinativa do parlamento.

Quem diz que o Brasil vive uma democracia está redondamente enganado, uma vez que o país está mais para um bruto regime autoritário, que viola as prerrogativas parlamentares e fere de morte a integridade e a dignidade do parlamento como um todo. O Congresso foi atingido em cheio e parece que não viu ou não quer ver.

Oportunamente, enquanto advogado, causa-me engulhos ver como o STF trata sua própria jurisprudência, interpretando-a de cá e de lá, de maneira diferente, ao seu alvedrio. O entendimento do STF varia conforme sua vontade e segundo a conveniência pessoal dos ministros. Ora, isso é absolutamente irregular e ilegal. O exemplo que deveria vir do guardião da Constituição se perde no vento e no imbróglio criado por narrativas de membros do atual governo. A Justiça, tristemente, perde terreno para a politicagem governamental vigente no país.   

O caso do deputado Marcel van Hattem é mais um de ataque ao parlamento e à democracia. Vale lembrar os casos do ex-deputado Daniel Silveira, do ex-deputado Roberto Jefferson, do senador Marcos do Val, dos deputados Filipe Barros, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Bia Kicis, Carla Zambelli e recentemente Alexandre Ramagem. E tem o caso até hoje mal explicado da cassação do mandato do ex-deputado Deltan Dallagnol, o grande idealista da fantástica Operação Lava Jato. Na maioria dos casos, os parlamentares não conhecem a motivação dos inquéritos ou das investigações. E ainda assim, com tudo isso acontecendo, há quem fale na vigência do Estado democrático de direito. Como? Cadê a régua da Constituição?  Onde está o devido processo legal?

Minha solidariedade ao deputado Marcel van Hattem (NOVO), pelo sim à democracia e à liberdade e pelo não à censura e à ameaça à imunidade parlamentar garantida pelo artigo 53 da Constituição.

Assim, finalizando, mas sem esgotar o assunto, entendo que deve ser observada a vetusta regra de hermenêutica, segundo a qual “onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete restringir”.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Augusto J. S. Magalhães6 de dezembro de 2024 às 17:38

    Excelente artigo dr. Wilson Campos. O deputado é valente e merece nosso apoio sim. Vamos juntos nessa defesa de políticos corretos e corajosos. Abrs. Augusto J.S.Magalhães

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  2. Eu vi esse deputado do Novo do RS na televisão e ele tem razão pois é seu papel mostrar as irregularidades e onde tem abusos. Sejam de quem for. O artigo do adv. dr. Wilson Campos é simplesmente magnífico e o deputado vai ficar com certeza bem defendido. Valeu dr. Wilson. Continue assim firme na defesa do nosso Brasil e dos nossos direitos constitucionais. Att: Milena M. T. Goulart .

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  3. Dr Wilson
    Sua reportagem demonstra coragem e profundo conhecimento sobre o assunto.
    Parabéns!

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