FUGIR DO LOCAL DO ACIDENTE É CRIME.
STF julga
constitucional norma do CTB que tipifica como crime a fuga do local de acidente.
Art. 305, do CTB - Afastar-se o condutor do veículo
do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe
possa ser atribuída: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
O Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) deu provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 971959,
com repercussão geral reconhecida, e considerou constitucional o artigo 305 do
Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que tipifica como crime a fuga do local de
acidente. A maioria dos ministros, nesta quarta-feira (14), entendeu que a
norma não viola a garantia de não autoincriminação, prevista no artigo 5º,
inciso LXIII, da Constituição Federal.
No caso dos autos, o
condutor fugiu do local em que colidiu com outro veículo e foi condenado, com
base no dispositivo, a oito meses de detenção, pena substituída por restritiva
de direitos. No entanto, no julgamento de apelação, o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul (TJ-RS) absolveu o réu. A corte gaúcha considerou inconstitucional
o artigo do CTB com o fundamento de que a simples presença no local do acidente
representaria violação da garantia de não autoincriminação, uma vez que ninguém
é obrigado a produzir provas contra si. Buscando a reforma do acórdão do TJ-RS,
o Ministério Público do Rio Grande do Sul interpôs o recurso extraordinário ao
Supremo.
O relator do RE,
ministro Luiz Fux, votou pelo desprovimento do recurso. Segundo seu
entendimento, o tipo penal previsto no dispositivo tem como bem jurídico tutelado
a administração da Justiça, que, a seu ver, fica prejudicada pela fuga do
agente do local do evento, pois essa atitude impede sua identificação e a
apuração do ilícito na esfera penal e civil.
“Quando ocorre um
acidente de trânsito e a autoridade policial colhe as informações com a
presença dos protagonistas do evento, essa diligência por vez se transforma em
meio de defesa do suposto acusado numa eventual ação penal. A permanência no
local é do interesse da administração da Justiça. O particular ou o Ministério
Público poderá dispor de instrumentos necessários para a promoção da
responsabilização civil ou penal de quem eventualmente provoca, dolosa ou
culposamente, um acidente de trânsito”, afirmou o relator.
O ministro Fux
apontou que a jurisprudência do STF sempre prestigiou o princípio da não
autoincriminação, porém evoluiu no sentido de que não há direitos absolutos e
que, no sistema de ponderação de valores, é admitida uma certa mitigação. “Essa
evolução consolidou-se no julgamento do RE 640139, quando se afirmou que o
princípio constitucional da autoincriminação não alcança aquele que atribui
falsa identidade perante autoridade policial com o intuito de ocultar maus
antecedentes”, sustentou.
Para o relator, o
direito à não autoincriminação não pode ser interpretado como direito do
suspeito, acusado ou réu a não participar de determinadas medidas de cunho
probatório. “A exigência de permanência no local do acidente e de identificação
perante a autoridade de trânsito não obriga o condutor a assumir expressamente
sua responsabilidade civil ou penal e tampouco enseja que seja aplicada contra
ele qualquer penalidade caso assim não o proceda”, ressaltou.
Primeiro a seguir o
relator, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou a situação “caótica” no trânsito
brasileiro. Citando dados de 2017, ele assinalou que houve 47 mil mortes no
país por causa de acidentes de trânsito, sendo que 400 mil pessoas ficaram com
sequelas. O gasto resultante, de R$ 56 bilhões, daria para construir 28 mil
escolas ou 1,8 mil hospitais.
O ministro Edson
Fachin afirmou que o legislador fez uma escolha ao tipificar essa conduta e
citou a Convenção de Viena sobre Trânsito Viário, internalizada no Brasil em
1981, a qual prevê que o condutor ou qualquer outro usuário da via implicado em
acidente de trânsito deverá, se houver mortos ou feridos, advertir a polícia e
permanecer ou voltar ao local até a chegada da autoridade, a menos que tenha
sido autorizado para abandonar o local ou que deva prestar auxílio às vítimas
ou ser ele próprio socorrido.
Na avaliação do
ministro Luís Roberto Barroso, o Estado não deve passar a mensagem de que quem
se envolva em acidente pode fugir do local, deixando para trás vítimas ou danos
materiais. “Se estendermos o direito à não autoincriminação à possibilidade de
fuga, sem atenção à vítima ou a danos, estaríamos estimulando um comportamento
de falta de solidariedade e de irresponsabilidade”, observou.
Destacando que não há
direitos absolutos, a ministra Rosa Weber frisou que a exigência de permanência
do condutor no local permite sua identificação, facilita a responsabilização
penal e civil e, em casos de acidentes com vítimas, é um importante fator de
solidariedade a incrementar, ainda que indiretamente, a proteção à vida e à
integridade física da vítima.
Também para a
ministra Cármen Lúcia, não há, no caso, afronta ao princípio da
proporcionalidade ou excesso na atuação do legislador. “A conduta tipificada no
artigo não me parece conter excesso, pois o direito é feito considerando a
realidade para a qual se produz”, assinalou.
As sanções impostas
pela norma impugnada, para o ministro Ricardo Lewandowski, não se mostram
irrazoáveis nem desproporcionais. “A presença do condutor no local do acidente,
por si só, não significa qualquer autoincriminação e pode até constituir um
meio de autodefesa, na medida em que constitui uma oportunidade para esclarecer
as circunstâncias do acidente que, eventualmente, podem militar a seu favor”,
disse. No entanto, para o ministro, o eventual risco de agressões que o condutor
pode sofrer por parte dos envolvidos ou uma lesão corporal sofrida que exija o
abandono do local do acidente pode ser legitimado mediante a alegação de uma
excludente de ilicitude, tal como a legítima defesa ou o estado de necessidade.
O ministro Gilmar
Mendes foi o primeiro a divergir do relator no sentido do desprovimento do
recurso. Segundo Mendes, o STF já assentou que o direito de permanecer calado,
previsto na Constituição, deve ser interpretado de modo amplo, e não literal. A
Corte já afirmou que viola tal direito a obrigação de fornecimento de padrões
grafotécnicos, de participação em reconstituição de crime e de submissão ao
exame de alcoolemia, disse. “Não calha aqui o argumento de que, permanecendo em
silêncio, não estaria a produzir prova contra si. A comprovação da conduta
criminosa pressupõe a configuração de autoria e de materialidade, e a
permanência do imputado no local do crime inquestionavelmente contribui para a
comprovação da autoria, assentando o seu envolvimento com o fato em análise
potencialmente criminoso”.
Além disso, o STF, no
julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 395,
consignou que a condução coercitiva do imputado para prestar informações, ainda
que possa permanecer em silêncio, viola o direito à não autoincriminação.
Portanto, para Mendes, partindo de idêntica lógica, “o fato de o condutor do
veículo poder permanecer posteriormente em silêncio não afasta a violação ao
direito à não autoincriminação quando obrigado a permanecer no local do
acidente”.
Não há, no caso, para
o ministro, ofensa ao princípio da proporcionalidade como proibição de excesso.
A fuga do local do acidente, ressaltou, pode ser objeto de tutela jurídica por
outros âmbitos do Direito, suficientes para resguardar os interesses em
questão. Além disso, ressaltou que há desproporcionalidade por excesso ao se
considerar a disparidade de tratamento em relação a outros delitos mais graves,
como estupro ou homicídio. Nesses casos, o legislador não criminalizou a
conduta do acusado que venha a evadir-se do local.
O ministro Marco
Aurélio também acompanhou a divergência. Para ele, a norma, “no que lança ao
banco dos réus alguém que simplesmente deixa o local do acidente”, não é
harmônica com o princípio constitucional da proporcionalidade. Também o decano
da Corte, ministro Celso de Mello, divergiu do relator por entender que a
cláusula contra a autoincriminação não se restringe ao direito de permanecer
silêncio, mas preserva o suspeito, investigado, denunciado ou o réu da obrigação
de colaborar ativa ou passivamente com as autoridades, sob pena de infringência
à cláusula do devido processo legal. Com os mesmos argumentos, o presidente do
Supremo, ministro Dias Toffoli, também acompanhou a corrente divergente pelo
não provimento do recurso.
Por maioria de votos,
vencidos os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello, o Plenário
aprovou a seguinte tese de repercussão geral, proposta pelo relator, ministro
Luiz Fux: “A regra que prevê o crime do artigo 305 do CTB é constitucional
posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao
silêncio e as hipóteses de exclusão de tipicidade e de antijuridicidade”.
Assim, o plenário do STF
decidiu, por sete votos a favor e quatro contra, que o Artigo 305 do Código de
Trânsito Brasileiro (CTB), que exige a permanência do motorista no local do
acidente, é constitucional. Os ministros entenderam que o dispositivo não fere
o direito à não autoincriminação. Ou seja, é crime fugir do local do acidente
de trânsito.
Fonte: www.stf.jus.br/portal.
Wilson Campos
(Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses
Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Especialista em Direito Tributário,
Trabalhista, Cível e Ambiental).
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