AS CONTRADIÇÕES SE SOMAM À GUERRA DE LIMINARES.

Quando 784.307 pessoas se aglomeraram nos corredores e nas salas de votações e reelegeram o prefeito de Belo Horizonte, não tinha Decreto Municipal para proibir. Quando 784.307 eleitores foram no mesmo dia às ruas para votar no prefeito, não teve liminar que suspendesse as eleições em razão do risco de aglomeração. Ou seja, nas eleições os cidadãos podem sair do isolamento e formar multidão, mas em outros eventos sociais isso não é permitido e o decreto proíbe. Vergonha alheia é o mínimo que sinto diante desses acontecimentos.

 

O ato de abrir e fechar os bares e restaurantes da capital, proibidos de vender bebida alcoólica, seja por cautela e protocolos rígidos ou por força do Decreto Municipal 17.484/2020, não pode se transformar numa demanda pessoal e muito menos arrastar para o meio do conflito os cidadãos. Se a prefeitura quer, de fato, enfrentar o problema de frente, faz-se necessária a uniformização de regras, começando pela fiscalização dos ônibus e metrôs lotados e passando pelas filas quilométricas nas portas dos bancos.  

 

No entanto, o que a população de Belo Horizonte presencia,  cada vez mais aturdida, são  as medidas municipais autoritárias adotadas em nome do controle do coronavírus, que denotam mais vaidade e purismo do que zelo com a saúde pública.  Ora, tudo bem que os cuidados são necessários, mas daí espalhar o pânico e culpar determinados segmentos empresariais é ultrapassar o limite do tolerável, ainda mais quando se repete do dia para a noite uma guerra de liminares, contrapondo além dos interesses postos, decisões judiciais díspares, que, ao que parece, não usam a mesma régua de interpretação da lei.

 

Ocorre que, no Brasil, não existem regras severas, normas incontestáveis ou leis inquestionáveis, sejam nos Regimentos Internos dos Tribunais ou nos compêndios processuais, que proíbam os juízes, desembargadores e ministros de julgar de forma diferente um caso semelhante. Daí alguns entendimentos de tribunais serem divergentes de caso para caso, de julgador para julgador, e cada magistrado poder proferir sua decisão da forma que achar mais justa. Aliás, nesse sentido vale ponderar o que seja mais justo, em razão de que o conceito do que é mais justo é muito relativo e varia de acordo com cada ser humano. Ou seja, casos idênticos nem sempre são julgados da mesma forma ou provocam o mesmo entendimento.

 

Ao contrário da costumeira demora nos julgamentos, posto que muitos processos tramitam por cinco, dez ou vinte anos sem uma decisão terminativa do Judiciário, em menos de 24 horas a segunda instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais revogou a liminar que permitia a venda de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes. Ou seja, por mais que os empresários desses segmentos tenham se preparado para receber com segurança seus clientes, ainda assim a prefeitura foi cruel e derrubou a liminar numa rapidez incomum.

 

Não adentrando o mérito das decisões proferidas pelos juízes, o que se percebe, nitidamente, é uma queda de braço entre a prefeitura e representantes do setor de bares e restaurantes, como se apenas esses estabelecimentos afetassem o isolamento requerido e as aglomerações combatidas. Lado outro, os gestores municipais não enxergam as múltiplas mazelas da cidade nem se dão conta da gravidade dos transportes coletivos lotados de passageiros em pé, que não têm outra opção que não seja a de se deslocar diariamente para o trabalho nessas condições, sob pena de não terem como alimentar suas famílias.

 

O certo é que o município não pode destinar tratamento desigual aos seus habitantes. A prefeitura não pode adotar dois pesos e duas medidas. Ora, se não permitem pessoas se divertindo e bebendo em bares e restaurantes, da mesma forma, não devem permitir pessoas coladas umas nas outras em ônibus e metrôs, em supermercados e portas de bancos, ou em quaisquer outros lugares que concentrem indivíduos muito próximos uns dos outros. A rigor, o que se pede à prefeitura e aos seus gestores é que sejam imparciais na conduta, uniformizando as regras e aplicando-as a todos, indistintamente, mas sempre dentro do espírito da urbanidade e do respeito, mormente consagrando os princípios do art. 37 da Constituição, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

 

De bom alvitre se esclareça que não existe de nossa parte nenhuma censura à fiscalização preventiva da prefeitura, mas que esta seja realizada com equidade e equilíbrio, sem privilégios aos amigos e sem perseguições aos contrários. O que aconteceu e vem acontecendo há meses com o setor de bares e restaurantes é uma obstinada limitação da atividade, com demonstração de falta de limites no comportamento do Executivo municipal, que se mostra irredutível no trato da questão, agora com evidência maior em consequência da guerra de liminares.

 

Aos belo-horizontinos não interessa uma administração municipal que abasteça a divisão social, sendo relevante a primazia do bem-estar coletivo, independentemente da cor da camisa ou da sigla do partido. A cidade é um ente político, mas não pertence à política, uma vez que a titularidade é do povo e não da politicagem. Se, por um lado, a população precisa sair de casa, trabalhar, produzir e pagar impostos, por outro, precisa descontrair, passear, rir, beber, alimentar e conviver com amigos e familiares. Nada mais justo.

 

Apenas os excessos e as reincidências contrárias às leis devem estar sujeitos à notificação e multa, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa. Mais que isso é querer ser mais realista que o rei. O juiz da primeira instância foi sábio e assertivo ao afirmar que não há motivação legal no decreto que vetou o consumo; que a dinâmica de uma sociedade complexa como a de Belo Horizonte comporta um número tão grande de atividades que torna difícil, para não dizer impossível, definir o que realmente estimula o aumento dos indicadores do Covid-19; e que o decreto em análise não é meio adequado para alcançar o resultado pretendido, já que, à luz do inciso II do art. 5º da Constituição, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

 

Ao meu sentir acertou o magistrado da primeira instância ao conceder a liminar e equivocou-se a desembargadora da segunda instância ao revogá-la tão açodadamente. Os fatos e o direito interpretados pelo juiz primevo mereceram fundamentação adequada e pertinente ao caso concreto. Já a decisão da desembargadora focou a primazia do Executivo municipal na condução da área da saúde pública, mas não sopesou a angústia das pessoas privadas de lazer, os prejuízos dos comerciantes e empresários de bares e restaurantes, e o longo período de isolamento, cuidados e medidas sanitárias a que está submetida a sociedade, desde o mês de março. Chega um momento que a vida cidadã requer liberdade plena e direito de ir e vir com incolumidade.

 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).

 

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Comentários

  1. Excelente. Colocou no artigo tudo que eu gostaria de falar para BH inteira.
    Parabéns Dr Wilson Campos. Como sempre ético, correto e certeiro nas palavras. Vou compartilhar com os bons mineiros que amam a democracia e a liberdade.

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  2. Esse prefeito devia visitar a Savassi. A cada loja aberta segue-se duas fechadas e as que estão abertas, via de regra estão vazias.
    Ele está destruindo milhares de lares com medidas no mínimo duvidosas de sua eficácia.
    Agora resolveu atacar os bares, como ressalta o Dr. Wilson Campos. Quanto ao transporte público que é responsabilidade da prefeitura nada faz para evitar a superlotação.
    Parabéns pelas suas colocações, Dr. Wilson. O senhor nos representa.

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  3. MARCO TÚLIO M. CAMARGOS18 de dezembro de 2020 às 16:15

    PREZADO DR. WILSON
    BOM DIA
    O NOSSO PREFEITO TEM PROBLEMAS DE ESQUECIMENTO PRINCIPALMENTE COM SUAS PROMESSAS E SEM UMA ACESSORIA QUE O FAZ LEMBRAR DE SUAS PROMESAS.AS ENCHENTES DO INÍCIO DE 2020 DOMINARAM O NOTICIÁRIO DE NOSSA CAPITAL E DA PREFEITURA,LOGO EM SEGUIDA ACONTECEU A CHEGADA DO CORONAVIRUS ATÉ HOJE,E LOGO DEPOIS A CAMPANHA PARA PREFEITURA GANHA PELO KALIL.AS PROMESSAS DE CAMPANHA FICARAM PARA TRAS E NO ESQUECIMENTO COMO A MATA DO PLANALTO QUE ELE DIZIA A MATA DO PLANALTO É INTOCAVEL,POIS ELE VISITOU A MATA COM O SEU VICE PREFEITO
    E VERIFICOU ALI A EXISTENCIA DE MAIS DE 20 NASCENTES E BIODIVERSIDADES TRAZENDO AO BAIRRO DO PLANALTO POPULOSO E TODA A REGIÃO UM CLIMA MAIS AMENO MATA DO PLANALTO ENCRUSTADA NO LIMITE DE VARIOS BAIRROS.
    INTERESSANTE É QUE O VEREADOR DA REGIÃO ELEITO EM 2016 NÃO APARECE PARA PROTEGER A MATA E PARA PROTEGER OS INTERESEES DOS MORADORES,COMO A CAMARA MUNICIPAL ELEGEU OUTROS VEREADORES A TOMAR POSSE EM 2021,O VEREADOR ELEITO DA REGIÃO TINHA QUE SE MANIFESTAR PARECE QUE AQUELES CONSTRUTORES QUE QUERIAM CONSTRUIR EDIFICAÇÕES A MARGEM DA LAGOA DA PAMPULHA SE DESLOCARAM PARA O BAIRRO PLANALTO.
    EM 2016 A JUSTIÇA MINEIRA DETERMINOU QUE A MATA DO PLANALTO ULTIMAS AREAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL DA CAPITAL SERIA AREA DE VISITAÇÃO PUBLICA E SUSPENDEU O PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DAQUELA REGIAO A DIRECIONAL ENGENHARIA,PROPRIETARIA DE 120 MIL METROS QUADRADOS DAQUELA AREA SABE DISSO E QUER ENTRAR DE QUALQUER MANEIRA PARA CONSTRUÇÃO IMOBILIARIA.
    DEVE CONTINUAR DAS MANIFESTAÇÕES DOS MORADORES DAQUELA REGIÃO DA MATA DO PLANALTO FAZENDO AUDIENCIA PÚBLICA,INCLUSIVE DOS SECRETARIOS DE MEIO AMBIENTE,VEREADORES E TAMBÉM DO PREFEITO QUE TEM DE MANTER SUA CONVICÇÃO COM SUA PRESENÇA FÍSICA NO LOCAL E GRAVADO EM VIDEO DE QUE A MATA DO PLANMALTO É INTOCÁVEL.

    Atenciosamente

    Marco Túlio M. Camargos

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  4. Que Judiciário é esse? Que juízes mais toscos que não lêem na mesma lei? Bando de vendidos. Vergonha pro Brasil. Só salva aqui o Dr. Wilson, advogado ético. Att.

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