BH ESTÁ TRISTE E ENVERGONHADA.

 

Há poucas horas transitei por várias ruas e avenidas da nossa querida e adorada cidade. Passei pela avenida do Contorno, a certa altura adentrei a Savassi, contornei pela avenida Getúlio Vargas, fui no sentido da Praça da Liberdade, desci a rua Gonçalves Dias, cruzei a avenida Bias Fortes, virei na rua São Paulo, subi até a avenida Augusto de Lima, peguei no sentido da avenida Amazonas, cortei reto para a rua Goitacazes e segui rumo à Pampulha.

 

Registrei, visualmente, em pouco mais de uma hora, apenas nesse trajeto, toneladas de lixo espalhadas pelas ruas, avenidas e canteiros centrais. Uma sujeira tão grande, que parecia ter passado por ali um tsunami. Um cenário tão deprimente, com fortes sinais de abandono, que dava para sentir no ar o mau cheiro exalado das lixeiras lotadas e dos pequenos lixões formados a céu aberto em plena região Centro-Sul da capital. E vale observar que, nos finais de semana, a coisa piora bastante.

 

Vejo com melancolia que a outrora Cidade Jardim, que causava orgulho a todos e recebia elogios nacionais e internacionais, hoje não passa de uma metrópole sem atrativos, sem beleza e totalmente descuidada, relegada a segundo plano, haja vista a péssima administração municipal que pouco faz ou nada faz para melhorar o panorama piorado pelo pânico da pandemia. Aliás, todo mal feito agora é colocado na conta do coronavírus, pois, fica fácil culpar algo ou alguém diante da inércia da gestão pública. E Belo Horizonte está triste e envergonhada com tudo isso.  

 

Estou desolado e para maior tristeza desse belo-horizontino, que tanto respeita e estima essa cidade, a paisagem no centro e em grande parte da zona sul é desumana e denota o ritmo acelerado das desigualdades sociais, muito em razão da indiferença do poder público, que não atua com assertividade e humanidade para resolver a seríssima questão das pessoas em situação de rua, que são conhecidas como “moradores de rua”, entregues à própria sorte, subjugadas pelos vícios em álcool e drogas, desempregadas, e que transformam as vias públicas em banheiro.

 

Cumpre observar, entretanto, que os moradores de rua não representam riscos à sociedade pelo fato de serem pobres, sem teto e sem emprego. Ao contrário, eles é que correm riscos, em face da virulência da Covid-19, da falta de higiene pessoal e da ausência de banheiros químicos ou itinerantes que lhes possibilitem um mínimo de assepsia e dignidade. Mas a prefeitura tergiversa e não toma iniciativas, pois, as cabeças pensantes municipais estão voltadas para fechar isso, proibir aquilo, multar outrem e decretar contra tudo e todos que contrariem sua tirânica e autoritária opinião. Daí o direito de o cidadão judicializar, se preciso for.   

 

Também cumpre notar que nem todos os moradores de rua são viciados, violentos ou pessoas de má índole. No entanto, membros da sociedade reclamam de alguns que gritam, ofendem e ameaçam quem não lhes atende em algum pedido. Ora, isso não é correto nem admissível, uma vez que não se podem permitir abusos e agressões às pessoas de bem, independentemente da situação de penúria dos moradores de rua. O respeito, nesse caso, é uma via de mão dupla, e o cumprimento da lei e da ordem é paradigmático, e não cogita permissividade ou condescendência. Tratar os moradores de rua com civilidade e humanidade é uma obrigação da sociedade e da municipalidade, mas daí fazer vista grossa aos atos de violência e vandalismos que porventura cometam, vai uma diferença muito grande e seria errar duplamente.  

 

Soluções existem. Basta vontade política. Contudo, enquanto a prefeitura não age para colocar um fim nessa situação dramática das pessoas em condição de rua, os gestores públicos podiam perfeitamente fazer parcerias com a iniciativa privada e disponibilizar banheiros móveis, lavanderia, barbearia e pequenas farmácias, adaptando para isso alguns ônibus mais antigos e ociosos, que passariam nos locais para atender essa demanda de higiene e saúde. Essa ideia não é nova e já foi implementada em cidades brasileiras. Basta vontade política e desejo de dar dignidade ao ser humano. Isso é o mínimo que o poder público deveria fazer para driblar um pouco a desigualdade e a vulnerabilidade sociais, até que surja uma solução definitiva e melhor para todos.

 

A sociedade e a prefeitura precisam se unir na busca de soluções e não de descaminhos. O problema do lixo e da sujeira que tomam conta da cidade precisa ser enfrentado de frente e essa obrigação é da prefeitura. O problema de humanizar as relações com as pessoas em situação de rua é uma obrigação da sociedade e do poder público, que podem somar esforços no sentido de viabilizar parcerias público-privadas e minimizar o sofrimento dessa parcela da população cada vez mais carente, crescente e necessitada. E Belo Horizonte está triste e envergonhada com tudo isso.  

 

É público e notório o desleixo com a capital. De fato, nossa cidade está a cada dia mais suja, escura e desumana. O sentimento é de abandono total nos quesitos de trânsito, limpeza, iluminação, segurança e saúde pública. A Cidade Jardim de antes está sem brilho e muito suja em suas ruas, avenidas, calçadas, praças e lugares ainda possíveis de transitar. A sujeira está espalhada pelo centro e pelos bairros, numa declarada guerra de pouca ou nenhuma civilidade, de pouca ou nenhuma gestão municipal.

 

A pandemia de Covid-19 é real e trágica. Mas se a prefeitura está realmente preocupada com o cidadão e com a prevenção contra o coronavírus, uma das principais armas para combater e evitar a transmissão deste, e de outros vírus, é a velha conhecida higiene. Por isso, a cidade deve estar limpa, varrida, sem mato, sem entulhos e sem lixo espalhado pelas vias públicas. Ora, quando se fala dos hábitos de higiene pessoal, logo vem à mente tomar banho e escovar os dentes, mas essas atitudes não são as únicas importantes para a saúde, pois, para afastar o risco de doenças, principalmente em tempos de pandemia da Covid-19, vale a pena observar todas essas recomendações: lavar bem as mãos várias vezes ao dia; caprichar no banho; aparar as unhas; cuidar do cabelo; escovar os dentes; usar roupas limpas e incorporar hábitos de higiene à rotina diária.

 

A população quer uma cidade agradável para morar. O papel da prefeitura e de seus respectivos gestores é administrar a cidade para todos e não para alguns. Portanto, já passa da hora de as autoridades saírem às ruas, nas manhãs, tardes e noites, e adotar medidas protetivas eficientes a favor da sociedade, e isso inclui cuidados muito especiais com a higiene nas vias públicas, no centro e nos bairros. O papel da prefeitura não pode ser tão somente criar decretos e multar pessoas físicas e jurídicas, mas cuidar da sua gente, sem preciosismo, sem privilégios e sem distinção.  

 

As autoridades municipais precisam arregaçar as mangas e buscar manter a cidade em condições adequadas, ainda que tenha de enfrentar a doença invisível. E por mais que a administração da cidade esteja tentando cumprir a quarentena à risca, ainda assim precisa sair do cômodo lugar comum e combater o risco de contaminação por agentes vindos de fora, como é o caso do lixo, da sujeira e do mau cheiro nas ruas, avenidas e praças, e da falta de condição de higiene para aqueles que moram debaixo de marquises e viadutos, e que sempre esperam contar com a humanidade da população e com a atenção do poder público. De nada serve a sociedade fazer a sua parte e a prefeitura deixar de cumprir com sua obrigação regular. As vias públicas não podem servir de banheiro, de depósito de lixo doméstico ou de descartes a céu aberto, sob pena de os cidadãos arcarem com as consequências advindas do mau cheiro, que, no mínimo, além das doenças, atraem bichos peçonhentos, baratas, escorpiões, e agravam os riscos de contaminação pela ação dos mais diversos vírus, ainda mais com a chegada forte do verão. Ademais, cidade limpa é povo saudável.

E, encerrando, em razão de todo o relatado e de todas as mazelas urbanas, Belo Horizonte está triste e envergonhada.  

 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).

 

Clique aqui e continue lendo sobre temas do Direito e da Justiça, além de outros temas relativos a cidadania, política, meio ambiente e garantias sociais.

      

Comentários

  1. Eu tenho visto tudo isso. Vejo moradores reclamando e a prefeitura não faz nada, a SLU nada faz e a fiscalização muito menos ainda. Estão matando a nossa querida BH aos poucos. Não adianta ficar em casa e deixar as ruas para o lixo e a podridão porque isso acaba refletindo em nossas casas. Que prefeito é esse que elegeram pode me dizer Dr. Wilson, que prefeito é esse que não está nem aí para nada e deixa o barco correr e para piorar vai tomar bênção do Dória em SP. Tá brimnando!!!. Esse prefeito não é mineiro, não pode ser, não merece ser. Mais um artigo fantástico Dr. Wilson. Parabéns!!!

    ResponderExcluir
  2. No domingo principalmente a sujeira aumenta muito e parece qua a empresa pública de limpeza não está dando conta do recado. Com o aumento de moradores de rua a sujeira da cidade aumentou muito também e está por todo lado e tem morador de rua fazendo da rua o seu banheiro e o cheiro é terrível além da situação deprimente. Isso precisa ser resolvido depressa e já. A cidade não pode receber turistas assim e é por isso que o turismo aqui é fraco muito fraco. Meu caro Dr. Wilson Campos o senhor acertou na mosca com esse assunto da sujeira da cidade e o caso dos moradores de rua poder ser resolvido e basta a autoridade local trabalhar para isso em vez de ficar em casa e ficar mandando todo mundo ficar em casa, vivendo de brisa e o desemprega aumentando e as empresas fechando. Que prefeito é esse minha gente? A solução para a higiene dos moradores de rua é boa - instalar ônibus velhos e equipar com banheiro, barbearia, lavanderia e farmácia - para todos os moradores de rua ficarem limpos e não transmitirem doenças nem serem infectados por elas. Depois com o tempo e a prefeitura achando um local para esse pessoal esse serviço social pode ser desativado, mas por hora é uma solução de humanidade, higiene e saúde. Muito bom meu caro Dr. Wilson. Vamos ver se o prefeito compra a ideia e faz funcionar. Duvido que ele esteja preocupado com moradores de rua porque ele só fala em coronavírus, em fechar os bares e restaurantes, em não poder usar bebida alcoólica nos botecos, e agora deu para puxar o saco do Dória (aquele mauricinho demagogo da calça apertada de São Paulo). Coitada da nossa BH. Abraços. Att. Estevão MSP.

    ResponderExcluir
  3. Todas as manhãs cruzo com moradores de rua vivendo em condições sub humanas. Penso comigo, o desconforto que deve ser a falta de um chuveiro, um sanitário, uma cama confortável e um quarto onde dormir, além de um fogão e uma geladeira. É triste, muito triste.
    O número de moradores de rua em Belo Horizonte só aumenta e muitos deles tinham casa e dignidade não faz muito tempo.
    Não questiono o risco que a pandemia representa, mas, se novas medidas de fechamento da economia forem adotadas em Belo Horizonte, que estejamos preparados para vivenciar uma das maiores tragédias com famílias inteiras vivendo ao relento por absoluta falta de condições de se sustentar.
    Dr. Wilson, a sua voz denunciando o que de pior vem acontecendo com a nossa cidade é de fundamental importância para que as autoridades façam alguma coisa e a sociedade acorde.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas