A CARACTERIZAÇÃO OU NÃO DA COVID-19 COMO DOENÇA OCUPACIONAL.

 

As discussões decorrentes da insegurança jurídica causadas pela pandemia tornaram-se relevantes, sob diversos aspectos, principalmente quanto à configuração da Covid-19 enquanto doença ocupacional. Tal problemática se deu em razão do art. 29 da medida provisória 927/2020, que possui redação semelhante ao § 1º, alínea d, do art. 20 da lei 8.213/1991, cuja tratativa remete ao entendimento de que não são considerados ocupacionais os casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19), exceto mediante comprovação do nexo causal. Ora, data venia, não resta dúvida acerca da dificuldade da produção de tal prova, notadamente em razão da facilidade com que o referido vírus se transmite, tornando tal constatação inviável, mormente no ciclo de transmissão sustentada ou comunitária.

 

No meio de uma chuva de contradições se encontra o cidadão. Sem saber em quem acreditar, ele segue sua vida. De manhã, pega o ônibus lotado. No final do dia, ao voltar do trabalho, o transporte coletivo parece uma lata de sardinha, todos juntinhos, aglomerados. De pé, pela vidraça do ônibus, ele vê centenas de lojas fechadas e com placas de aluga-se e vende-se. Os bares e restaurantes, que antes iluminavam e davam vida às ruas e avenidas, estão fechados.

 

No percurso de uma hora, cansado e com as pernas doloridas, o cidadão tenta se equilibrar dentro do ônibus, cada vez mais lotado de pessoas que usam máscaras, mas que não sabem explicar o motivo de tantas contradições por parte das autoridades municipais, que decretam horários e medidas sanitárias para certos setores e nem se preocupam se o trabalhador vai e volta com segurança.

 

No ônibus atafulhado, apertado, abarrotado de pessoas, o coronavírus não ataca; nas filas imensas em portas de bancos, também não; nos supermercados cheios de consumidores, nem pensar; e nas eleições municipais, com milhares de eleitores nas ruas e centenas nas filas em salas apertadas para votar, o coronavírus não representou riscos. Já nos bares e restaurantes, com mesas distantes e prontas para bem servir com assepsia e cuidados, a Covid-19 é perigo iminente, segundo os especialistas da prefeitura. Ora, sinceramente, essas contradições indignam todos, profundamente.

 

Portanto, cabe à prefeitura responder onde está o nexo causal das medidas decretadas, posto que, a rigor, o nexo de causalidade seja um requisito para descobrir quais condutas, positivas ou negativas, deram causa ao resultado previsto em lei. Ou seja, para se afirmar que alguém provocou um determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação entre a sua conduta e o resultado gerado; estabelecer a relação entre uma causa e sua consequência; e verificar se de sua ação ou omissão adveio o resultado. 

 

Também cumpre à prefeitura, em bom serviço público a ser prestado à sociedade, sem tirania e sem autoritarismo, mas democraticamente, informar a concausa preexistente nos setores obstados de trabalhar com regularidade e se o exercício de determinadas atividades contribuíram de forma concorrente ou não para a eclosão da doença, configurando-se o nexo de causalidade possível de gerar responsabilidade civil.

 

Caso as autoridades não tenham respostas científicas alinhadas às teorias jurídicas e estejam apenas cogitando riscos, a responsabilidade imputada aos prejudicados deixa de existir, pois, segundo a teoria da causalidade adequada, haverá responsabilização quando o ato do agente é potencialmente apto a produzir os efeitos danosos. A pergunta é: por que bares e restaurantes são proibidos de vender bebida alcoólica, têm horários predeterminados para funcionamento, são considerados motivadores de aglomeração e contaminação; e ônibus lotados, supermercados cheios, filas gigantescas nas portas dos bancos e multidões nas ruas nas eleições não representam perigo de infecção pelo coronavírus à luz do decreto municipal?

 

A razão legal e sanitária para as situações acima colocadas precisa vir a público. Numa e noutra condição o nexo causal deve ser apontado, sob pena de se estar privilegiando uns em detrimento de outros ou responsabilizando alguns e isentando muitos. Nesses casos, se não for possível averiguar em que proporção cada um dos elementos participou do evento danoso, presumir-se-á que, havendo mais de uma causa adequada e não se sabendo qual delas foi predominante para a ocorrência do efeito lesivo, haverá solidariedade entre elas.

 

Sem querer esgotar o assunto, complexo, prolixo e difuso, resta notar que, noutro norte, já surgem controvérsias nos tribunais a respeito da questão do nexo causal da Covid-19, se pode ou não ser considerada doença ocupacional ou do trabalho. No entanto, independentemente de analise jurídica pontual, sabe-se, sem ineditismo, que o art. 157 da CLT dispõe que “cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, assim como instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”.

 

De sorte que medidas de segurança precisam ser  implantadas, sem, contudo, isso implicar em fechamento de negócios, causar desemprego e gerar pânico. O nexo causal da doença só existirá se a forma como o trabalho é executado tiver relação com o adoecimento. Daí as precauções severas necessárias por parte das empresas, que devem comprovar medidas de prevenção adequadas, mesmo porque numa pandemia o vírus pode estar presente em qualquer lugar, mas, ainda assim, precisa ser identificado e o vínculo e o nexo, comprovados. 

 

Assim, diante do imbróglio trabalhista e social, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a eficácia do referido art. 29, mas não decidiu que existindo a contaminação do empregado pelo vírus, automaticamente haveria o reconhecimento desta como doença ocupacional. O STF apenas isentou o empregado do ônus de demonstrar que a contaminação ocorreu no ambiente de trabalho. Conclusão: a caracterização ou não da Covid-19 como doença ocupacional deve ser examinada mediante o caso concreto, tomando como parâmetro o cumprimento dos protocolos sanitários e as medidas adotadas pela empresa com o propósito de afastar a contaminação.

 

A bem da ciência e da segurança jurídica cumpre reiterar as seguintes considerações: a) para se afirmar que alguém provocou um determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação entre a sua conduta e o resultado gerado; estabelecer a relação entre uma causa e sua consequência; e verificar se de sua ação ou omissão adveio o resultado; b) segundo a teoria da causalidade adequada, haverá responsabilização quando o ato do agente é potencialmente apto a produzir os efeitos danosos; c) o nexo causal da doença só existirá se a forma como o trabalho é executado tiver relação com o adoecimento; d) precauções sanitárias severas devem ser adotadas pelas empresas, que precisam comprovar medidas de prevenção adequadas, sem, contudo, serem obrigadas a fechar as portas e causar desemprego, mesmo porque, numa pandemia, o vírus pode estar presente em qualquer lugar; e) para se pensar em punição e multa os protocolos sanitários precisam ser ignorados, e as empresas se negarem a cumprir medidas com o propósito de afastar a contaminação.

     

Diante de todo o exposto, o que se está a dizer é que não são possíveis dois pesos e duas medidas no Estado democrático de direito, muito menos tratamento diferenciado e desigualdade no enfrentamento da lei. O que se está a fazer é proteger o direito ao contraditório da população e da respectiva cidadania, seja ela do empregado ou do empregador. Nesse sentido, defender a sociedade das arbitrariedades que, volta e meia, grassam por Belo Horizonte, torna-se uma obrigação social de todo e qualquer cidadão.

 

Enfim, o trabalhador, o empresário e a sociedade como um todo querem apenas transparência no procedimento, igualdade de tratamento, paridade no enfrentamento da lei e direito de trabalhar. Sem emprego, sem renda, sem alimento e sem liberdade a população não sobrevive.

 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG). 

 

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Comentários

  1. BRAVO!!! BRAVÍSSIMO!!!
    ÉTICO, CORRETO, IMPARCIAL, ISENTO, LEGAL E CIDADÃO SEU ARTIGO DR. WILSON. PARABÉNS!!! NÃO TENHO NADA A ACRESCENTAR. NADINHA. BRAVO!!! SUELY M. FIGUEIREDO (BELO-HORIZONTINA E BRASILEIRA DE CARTEIRINHA).

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  2. Também acho que muita coissa precisa ser explicada pela prefeitura e pelos "especialistas" que querem tudo fechado e quebradeira geral. Para quem serve? Para os chineses venderem suas porcarias nos shoppings popualares? É pra isso? Eles podem abrir suas lojas de produtos vagabundos e sem qualidade nenhuma e nós comerciantes não podemos trabalhar e sobreviver com nosso trabalho e bons produtos nacionais, cem por cento brasileiros. Uma vergonha das mais vergonhosas que já vi. E a prefeitura ainda leva a polícia militar para fazer valer sua ordem de ditadura branca para ser cumprida. Outra vergonha e humilhação para o trabalhador honesto. Abandonei meu diploma para seguir no comércio de meus pais e agora vejo isso pela frente - meus amigos empresários fechando suas firmas e com dívidas para pagar - e o prefeito tomando seu bom e velho whisky em casa e recebendo seu salário todo mês. Outra vergonha. Meu prezado Dr. Wilson Campos, o senhor falou tudo, orientou bem e mostrou o que deveria ser o certo das "otoridades" da cidade. Acorda meu povo. Acorda parceiros da iniciativa privada. Acorda todo mundo. Fernando S.F.

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