ABERRAÇÃO JURÍDICA EM DECISÃO MONOCRÁTICA.

 

A inacreditável decisão judicial do ministro do STF, Edson Fachin, que anulou as condenações de Lula na Lava Jato, surpreendeu o Brasil e vários países do mundo. A canetada do ministro ultrapassou o limite do tolerável e adentrou o mundo decrépito do “quanto pior, melhor”, deixando de ser jurídica para se resumir em “política”. O ativismo judicial do STF, acreditem, chegou a esse ponto. A insegurança jurídica no país cresce a olhos vistos.

“Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput , do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula), determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal”, sentenciou o ministro da Corte.

“Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”, diz outro trecho da decisão. 

Com isso, diante da absurda anulação das ações penais, Lula volta a ser elegível. Mas respondam, por favor, a seguinte pergunta: onde estava a Justiça no extenso lapso temporal de 14 de setembro de 2016 (data da denúncia de Lula), até 8 de março de 2021 (data  em que o ministro anulou as condenações)?.

Para a maioria esmagadora da população brasileira a decisão monocrática do ministro Fachin é vergonhosa, posto que somente afasta, agora, depois de anos, a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, em ações penais pretéritas e relativas a atos que já haviam tramitado no TRF4, no STJ e no próprio STF, sem nenhum reparo. Segundo a decisão, os processos serão remetidos para a Justiça Federal do Distrito Federal.  

O ministro Fachin e os demais ministros do STF cometem erros e mais erros e não são punidos, ficam isentos de culpa e transformam a Constituição numa colcha de retalhos. Fazem-se de cegos em certos casos e têm olhos de águia em outros.

Vale observar em relação à novidade jurídica de Fachin, que tudo isso é uma disfarçada forma de o STF fazer o seu mea culpa, uma vez que já se deparou com o caso de Lula, até mesmo no plenário, quando se tratou da prisão do ex-presidente, e quando a juíza da execução quis transferir o então condenado (e atual ex-condenado) da Polícia Federal para um presídio. Naquelas ocasiões não se cogitou a irregularidade da competência. Por que será?  

Consta dos autos que, em 2017, Lula foi condenado à prisão pelo então juiz Federal Sergio Moro pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo caso do apartamento tríplex no Guarujá/SP. Esta decisão de Moro havia sido a primeira condenação do ex-presidente no âmbito da Lava Jato.

Consta também que, em janeiro de 2018, sobreveio confirmação da sentença penal condenatória pelo TRF da 4ª Região. Por unanimidade, os desembargadores daquele Tribunal aumentaram a pena para 12 anos e 1 mês de reclusão em regime inicial fechado. Em 5 de abril daquele ano, Moro, então, expediu mandado de prisão e Lula foi preso dois dias depois. 

Consta ainda que, a segunda condenação de Lula veio em 2019, pelas mãos da juíza Federal Gabriela Hardt, que condenou o ex-presidente a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no processo referente ao sítio de Atibaia, que depois foi anulada.

O senhor Lula foi solto em 2019, após mais uma aberração jurídica e mais um ato de puro ativismo judicial do STF, que chamaram à época de “medida jurisprudencial”, que voltou a proibir a prisão em 2ª instância. Em novembro daquele ano, o plenário, por 6 a 5, decidiu que não é possível a execução da pena depois de decisão condenatória confirmada em 2ª instância. Ou seja, voltaram atrás no seu entendimento e defenderam a prisão somente depois do trânsito em julgado da sentença condenatória.

A decisão de Edson Fachin, anulando as condenações de Lula e tornando-o elegível é um tiro na segurança jurídica, e resta saber se o ministro tem porte de arma. Ora, o julgamento de habeas corpus é competência do colegiado e não de apenas um juiz. Como assim? O STF muda de entendimento tão rápido quanto o ministro muda de camisa. Que Judiciário é esse? Que país é esse? Que povo é esse?

Em um momento tão difícil como esse pelo qual o Brasil passa, com crises terríveis nas mãos - a sanitária, a econômica, a política, a administrativa e a tributária-, ter de assistir uma trapalhada desse tamanho do senhor Fachin é o mesmo que fazer a nação de circo mambembe. Uma decisão tão grave e que causa comoção na sociedade deveria ter sido discutida exaustivamente no plenário do STF. Mas jamais deveria ser monocrática, midiática e causadora de espanto e incredulidade como aconteceu ontem, uma vez que essa medida estapafúrdia pode significar o fim da esperança do brasileiro de que a corrupção está sendo combatida.   

Fachin, ao meu sentir, decidiu extra e ultra petita. O habeas corpus julgado adquiriu conotação diferente da usual no devido processo legal, pois, adotou-se uma espécie de atalho processual. A defesa de Lula questionava apenas o caso do triplex do Guarujá, mas o ministro acrescentou o processo do sítio de Atibaia e os dois do Instituto Lula. Foram quatro decisões em uma só, ou seja, ele aumentou a abrangência do pedido. Decidiu ao seu talante, monocraticamente, e excedeu.

É evidente a incoerência na análise do habeas corpus que favoreceu Lula. Fachin determina que se anulem todos os atos decisórios até a denúncia. No entanto, logo à frente, argumenta que podem ser aproveitados os atos instrutórios, ou seja, as provas. Ora, resta clara e evidente a incoerência do ministro. Tipo assim: anulem todas as condenações, mas preservem as provas que levaram a estas condenações, para que sejam aproveitadas na instrução por parte da Justiça Federal do Distrito Federal. Tem lógica isso? 

Porém, vale notar que a decisão de Fachin pode tomar outro rumo, preservando o juiz Sérgio Moro e membros da Operação Lava Jato, acusados de suspeição e parcialidade, de forma que o problema passa a ser a questão da competência territorial e o aproveitamento das provas, a serem analisados por outro magistrado em Brasília, e percorram outro caminho de convalidação, porque a caneta é outra. Resta aguardar. 

Assim e ainda assim, os erros do STF se multiplicam e uma nuvem escura sobrevoa as cabeças dos ministros. O Brasil está perplexo. As pessoas de bem não aceitam a impunidade e muito menos enfiada goela abaixo. Mas uma coisa é certa: a atuação do Supremo há muito tempo é pífia, equivocada e desproporcional. Até quando?   

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas tributária, trabalhista, cível e ambiental/Presidente da Comissão de defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).

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Comentários

  1. Parabéns Dr. Wilson. Integridade, ética e justiça no seu posicionamento. Muito bom e acertado seu voto. Parabéns. Abr. Vicente Palhares.

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  2. Dr. Wilson eu li nos jornais e assisti na televisão mas não entendia tudo como certo ou errado. Agora pelo seu artigo a clareza veio na sua explicação. Ficou fácil. Obrigada e parabéns pela forma fácil e admirável como escreve. Nota 10. Att. Noêmia Santiago.

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  3. João Pedro P.O. Santos9 de março de 2021 às 20:03

    Caro colega dr. Wilson Campos, o judiciário está caindo no descrédito do povo brasileiro e isso não é bom. Esse ativismo judicial é danoso e será cobrado em breve. Aguardemos para ver. O chão vai tremer. O seu artigo não merece crítica nenhuma pois é excelente, aliás, a crítica só se for positiva para que continue escrevendo tão bem assim sempre. Abração. Dr. João Pedro P.O. Santos.

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  4. Mércia D. V. Prates9 de março de 2021 às 20:05

    ESSE BLOG É MUITO BOM E SÓ TEM ARTIGOS DE PRIMEIRA QUALIDADE. PARABÉNS DOUTOR WILSON. MERCIA D.V.PRATES

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  5. Falar o quê??
    Sou administrador de empresas. Não sou advogado. Porém, as performance do nosso supremo deixa o Geraldo Magela, Ceguinho é a mãe, de olhos arregalados, eu, calvo, de cabelos em pé.
    Falar em segurança jurídica passa a ser risível. Bolsa cai, dólar sob. O Brasil coloca suas barbas de molho.

    O quê fazer?!

    Protestar nas ruas, em meio à Pandemia e com ministros escondidos em seus bunkers é ineficaz. A pressão não tem o mesmo efeito e fica esvaziada.

    Contar com o senado para atuar mediante a todos estes absurdos e o desejo popular, é esperar que o Zorro ou o Super Homem venham nos salvar.

    Há quem tenha bala na agulha para colocar ministros, que compactuam com o crime, todos, para fora. Falta a decisão.

    A melhor ação seria a ação política, onde se poderia reestabelecer a segurança de que a sociedade e o Brasil precisamos.

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