TOQUE DE RECOLHER É INCONSTITUCIONAL.

O simples fato de alegar que determinada matéria é inconstitucional, já não significa muito no Brasil. A segurança jurídica vem sendo constantemente violada e colocada em risco iminente. O Estado democrático de direito resta ameaçado.

Todos devem se lembrar do dia 15 de abril de 2020, data em que, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que governadores e prefeitos têm poderes máximos para baixar medidas restritivas no combate ao coronavírus em seus territórios. Aqui começaram a violação da segurança jurídica e as ameaças ao Estado de direito. 

Os poderes concedidos pelo STF permitem ainda que governadores e prefeitos podem determinar o isolamento, a quarentena, o fechamento do comércio e a restrição de locomoção por portos e rodovias. Os ministros concordaram que o governo federal também pode tomar medidas para conter a pandemia, mas em casos de abrangência nacional.

A decisão do STF fortalece governadores e prefeitos, que têm baixado decretos determinando o fechamento do comércio e de escolas. Por outro lado, enfraquece o presidente Jair Bolsonaro, que critica essas medidas, preocupado com a economia do país.

Para constranger ainda mais o presidente Bolsonaro, o STF resolveu também, àquela época, que estados e municípios têm poderes inclusive para decretar quais serviços são essenciais durante a pandemia, determinando quais setores não devem paralisar suas atividades. No fim de março de 2020, o ministro Marco Aurélio Mello já tinha tomado decisão nesse sentido. Depois, em abril de 2020, juntaram-se a ele os demais ministros, que votaram pela manutenção da liminar, ressalvando-se que apenas Luís Roberto Barroso e Celso de Mello não participaram do julgamento, que foi realizado por videoconferência e transmitido pela internet.

O Supremo, no entanto, se esqueceu de recomendar aos governadores e prefeitos, que levassem em conta, por fim, que as medidas restritivas adotadas no âmbito local e regional deveriam respeitar o objetivo último que legitima a autorização, ou seja, evitar a disseminação da contaminação comunitária pelo novo coronavírus. Daí entender que, em razão disso, as limitações à liberdade de ir e vir não podem ser impostas de modo indiscriminado, notadamente como fazem ou tentam fazer por meio de decretos tiranos e absolutistas.

Muito bem, apesar desse exagerado ativismo judicial por parte do STF, cuja atitude não é nada recomendável para a democracia e muito menos para a harmonia dos Três Poderes, deparamo-nos recentemente com a tirania de alguns governadores e prefeitos, que resolveram ao seu alvedrio declarar o também inusitado “toque de recolher”. O STF deu asas a cobras. O STF criou um monstro.

Ora, minha caríssima gente brasileira, isso já está virando bagunça, desaforo, abuso e desrespeito, pois, é cediço e está assim assegurado na Constituição da República, que o “toque de recolher” é prática juridicamente inadequada e inconstitucional, admitido excepcionalmente nos estados de exceção (de defesa e de sítio), que permitem a imposição de limitações mais severas à esfera de direitos civis e à liberdade da população. Mas apenas o presidente da República detém poderes para decretar medidas tão drásticas.

Existem por aí, Brasil afora, governadores e prefeitos que perderam a noção do perigo. Decretam lockdown. Declaram toque de recolher. Proíbem de forma autoritária a circulação de pessoas em períodos noturnos enquanto durante o dia pouco ou nada se faz. Ônibus e metrôs lotados; filas enormes nas portas dos bancos e das casas lotéricas; supermercados cheios e carrinhos de compras sem assepsia adequada; funcionários dos próprios governos estaduais e municipais trabalhando em locais insalubres sem as medidas sanitárias recomendadas, etc, etc. Ou seja, fazem vista grossa para muitas situações e, em outros casos, teimam em criar medidas mais midiáticas que efetivas.

Vale repetir que a referida medida do toque de recolher tomada por alguns governadores e prefeitos extrapola os limites da atuação das citadas autoridades, invadindo competência privativa e exclusiva do Presidente da República, uma vez que o chamado toque de recolher somente seria admissível na vigência de estados de exceção, de defesa e de sítio.

Tristemente temos vivido uma pandemia de mutação constitucional paralela à pandemia decorrente do surto de coronavírus ou Covid-19. De fato, com enorme pesar, presenciamos as duas terríveis pandemias no Brasil – a da doença invisível, que mata e deixa sequelas; e a da decretação por autoridades de medidas ilegais de restrição a direitos fundamentais. Ora, não se pode adotar o toque de recolher ou a medida do lockdown por atos de autoridades que não tenham competência constitucional para tanto.

Os referidos atos são inconstitucionais e desrespeitam a vontade do legislador constituinte originário. E torna-se inadmissível a tolerância do Judiciário frente a tais arbitrariedades, que acabam por produzir mutações no texto constitucional e contribuir para a suspensão das garantias fundamentais. A Carta Magna não cogita tais fugas ao rigor da lei, como se o país estivesse vivendo uma legalidade frágil e sujeita a quaisquer ventos e opiniões rasas.

Entretanto, em que pesem os equívocos cometidos nos últimos anos pelos senhores ministros e ministras do STF, em exacerbado ativismo judicial, com decisões mais políticas do que jurídicas, cumpre reconhecer o lado positivo da Suprema Corte, mormente no caso concreto a seguir transcrito. Vejamos:

[...]

“Vistos.

Cuida-se de suspensão de liminar, com pedido de cautelar, proposto pelo Município de Umuarama, contra decisão monocrática proferida pelo eminente Desembargador Relator José Maurício Pinto de Almeida, da 2ªCâmara Criminal em Composição Reduzida do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em extensão de liminar no Habeas Corpus nº 0016440-55.2020.8.16.0000, em trâmite naquela Corte regional, que concedeu medida cautelar, para suspender os efeitos de decreto editado pelo requerente. Segundo consta dos autos, foi ajuizado habeas corpus para suspender o artigo 2º do Decreto Municipal nº 082/2020 (alterado pelo Decreto 087/20) que permite, como medida de enfrentamento ao COVID-19, o toque de recolher (das 21 horas até às 5 horas do dia seguinte) em Umuarama/PR.

[...]

Decido.

Inicialmente, reconheço a competência desta Suprema Corte para a apreciação do pedido de suspensão, por estar em discussão a eventual legalidade da imposição de restrições ao direito de ir e vir de cidadãos e residentes no município requerente, com fundamento em suposta prevalência do direito à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal.

Diga-se, ainda, desde logo, que a possibilidade de suspensão, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, de execução de decisões concessivas de segurança, de liminar e de antecipação dos efeitos de tutela contra o Poder Público, somente se admite quando presente a efetiva potencialidade de ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas; bem por isso, entende-se que as medidas de contracautela postas à disposição das pessoas jurídicas de direito público são excepcionais.

Em prosseguimento, tem-se que a controvérsia em discussão nestes autos deriva de habeas corpus impetrado contra o requerente, em que lhe foi imposta, em grau de recurso, ordem para suspender a aplicação de decretos municipais que editara, com o fito de restringir a circulação de pessoas na área do município.

O requerente defendeu a perfeita legalidade desses decretos, bem como seu poder em editá-los e a regularidade com que procedeu ao assim fazer, em vista da notória presente situação de calamidade pública, em decorrência da disseminação do vírus causador do COVID-19. Por isso, defendeu a plena adequação da restrição que impôs, aduzindo que estaria essa em consonância com outras normas similares, recentemente editadas e que a suspensão de seus efeitos teria o condão de acarretar grave risco de lesão à ordem e à segurança públicas daquele município.

Como já assentado por esta Corte, no limitado âmbito das suspensões, a apreciação de mérito só se justifica, e sempre de modo perfunctório, quando se mostre indispensável à apreciação do alegado rompimento da ordem pública pela decisão combatida.

E, quanto a esse aspecto, tem-se que ligeira análise quanto à edição desse decreto demonstra que a realidade é diversa daquela descrita na petição inicial da presente contracautela.

Nenhuma das normas então arroladas pelo requerente autoriza a imposição de restrições ao direito de ir e vir de quem quer que seja.

Assim por exemplo, no estado do Paraná, foi editado o Decreto Estadual n° 4.230, de 16 de março de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (COVID-19), com as alterações promovidas pelo Decreto Estadual n°4.258, de 17 de março de 2020, apenas reproduzindo medidas nos parâmetros já recomendadas na legislação federal.

Vê-se, então, claramente, que não há reprodução de norma similar, contida nos referidos Decretos, pois eles não restringem coercitivamente a circulação de ninguém, limitando-se a expedir uma recomendação. Tampouco em âmbito federal, existe determinação semelhante, sendo certo que a legislação mencionada pelo requerente, a Lei nº 13.979/20, determina, em seu artigo 3º, inciso VI, alínea “b”, possível restrição à locomoção interestadual e intermunicipal, que teria sempre o caráter de excepcional e temporária e sempre seguindo recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Assim, muito embora não se discuta, no caso, o poder que detém o chefe do executivo municipal para editar decretos regulamentares, no âmbito territorial de sua competência, no caso concreto ora em análise, para impor tal restrição à circulação de pessoas, deveria ele estar respaldado em recomendação técnica e fundamentada da ANVISA, o que não ocorre na espécie. A própria decisão cautelar, proferida pelo eminente Ministro Marco Aurélio, nos autos da ADI nº 6.341, aborda a possibilidade da edição, por prefeito municipal, de decreto impondo tal ordem de restrição, mas sempre amparado em recomendação técnica da ANVISA.

Fácil constatar, assim, que referidos decretos carecem de fundamentação técnica, não podendo a simples existência da pandemia que ora assola o mundo, servir de justificativa, para tanto.

Não é demais ressaltar que a gravidade da situação por todos enfrentada exige a tomada de providências estatais, em todos as suas esferas de atuação, mas sempre através de ações coordenadas e devidamente planejadas pelos entes e órgãos competentes, e fundadas em informações e dados científicos comprovados.

Bem por isso, a exigência legal para que a tomada de medida extrema, como essa ora em análise, seja sempre fundamentada em parecer técnico e emitido pela ANVISA.

Na presente situação de enfrentamento de uma pandemia, todos os esforços encetados pelos órgãos públicos devem ocorrer de forma coordenada, capitaneados pelo Ministério da Saúde, órgão federal máximo a cuidar do tema, sendo certo que decisões isoladas, como essa ora em análise, que atendem apenas a uma parcela da população, e de uma única localidade, parecem mais dotadas do potencial de ocasionar desorganização na administração pública como um todo, atuando até mesmo de forma contrária à pretendida.

Assim, a decisão regional atacada, ao coartar uma tal atitude estatal, não tem o condão de gerar os alegados riscos de dano à ordem público administrativa, mas antes de preveni-los.

Inviável, destarte, o acolhimento da pretensão deduzida através da interposição desta contracautela.

Ante o exposto, nego seguimento à presente suspensão de liminar (art. 21, § 1º, do RISTF), prejudicada a análise do pedido de cautelar”. Publique-se. Brasília, 17 de abril de 2020. Ministro DIAS TOFFOLI. Presidente.

COMO VISTO, diante dos fatos, argumentos e em razão do entendimento retrocitado, nesses julgamentos o STF agiu acertadamente, o ministro rejeitou o pedido do município e confirmou a decisão do TJPR que suspendeu o toque de recolher estabelecido pela prefeitura. E, da mesma forma, o ministro atuou em outro caso, negando também seguimento a pedido de suspensão de liminar proposto pelo município de São Bernardo do Campo contra decisão do TJSP, que sustou os efeitos de um decreto municipal, publicado em 24 de março, restringindo a circulação de pessoas com mais de 60 anos para diminuir os impactos do contágio pela Covid-19. Nestes dois casos, o ministro do STF suspende o toque de recolher e entende que medida de tal natureza precisa estar fundamentada pela Anvisa.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas tributária, trabalhista, cível e ambiental/Presidente da Comissão de defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).

Clique aqui e continue lendo sobre temas do Direito e da Justiça, além de outros temas relativos a cidadania, política, meio ambiente e garantias sociais.

 

 

Comentários

  1. Alessandro Mendes F. T.13 de março de 2021 às 15:02

    Ufa, graças a Deus o STF dá uma dentro. Dr. Wilson esse negócio de toque de recolher e lockdown é ditadura branca de prefeitos e governadores da esquerda radical. Deus nos livre. Excelente seu artigo. Parabéns pela forma clara de escrever.Parabéns mesmo doutor. Muito bom. At. Alessandro M.

    ResponderExcluir
  2. Meu prezado dr. Wilson Campos se tiver toque de recolher e o povo obedecer nós podemos fechar isso aqui e jogar a chave fora. Preferível o governo militar do que esses prefeitos e governadores corruptos e exploradores da pandemia, a maioria da esquerda derrotada e enterrada, brincando de ditadores. Vamos permitir isso? Nunca. Jamais. Vamos pras ruas e vamos mostrar quem tem força. Vamos Dr. Wilson, contamos com o senhor sempre. Tamos juntos sempre. na defesa do Brasil e do povo brasileiro trabalhador, ao contrário dessa esquerda nojenta preguiçosa e exploradora do dinheiro público. Abração dr. Wilson. Até mais. Dudu Chaves.

    ResponderExcluir
  3. Dr. Wilson eu queria ver o senhor em um artigo na folha de SP, na Veja, no estadão de SP e no Globo e eles tendo de publicar as verdades que o senhor fala tão bem em nosso nome , no nome da família brasileira, no nome dos dos cidadãos brasileiros. Queria ver isso e rir da cara deles que só escrevem artigos contra o nosso país e nosso povo. Bando de jornalistas adestrados pela petralhada.
    Parabéns ao senhor pelos belos artigos que escreve, 100 por cento verdadeiros e patriotas, Parabéns mesmo. !!! Att. Cristiane Paz - também 100 por cento brasileira.

    ResponderExcluir
  4. O prefeito de BH, Kalixo está nas mãos da petezada da prefeitura, desde os da comissão de pandemia até os secretários municipais - petezada de raiz. Trabalham pouco, falam muito e fogem da raia na hora H. Prefeitura de BH vai de mal a pior e os babacas do pessoal ainda votou nesse atleticano de quinta que ferrou com o time do galo. Mas na política ele faz pior e fica em casa ganhando salário gordo e o povo que se exploda para alimentar a família - sem emprego sem salário e sem poder sair de casa. Quê que é isso????: Ditadura????: Venezuela em BH???? Caramba doutor Wilson nos salve. Vamos reagir meu povo vamos pras ruas amanhã e todos os dias até respeitarem a gente. Sou Nelson Paschoal.

    ResponderExcluir
  5. Concordo Dr. Wilson. Como o senhor disse o STF acerta quando quer mas o pior é que quase nunca quer a favor do povo mas de seus amigos e padrinhos políticos da esquerda corrupta. Uma pena e uma vergonha maior ainda. |Parabéns pelo seu texto. Gosto muito de como escreve. Obrigagad. Att.; Nazaré Fidalgo.

    ResponderExcluir
  6. Eu estou preocupado com nosso futuro porque se depender desse STF que aí está estamos ferrados.Os caras só fazem o que a esquerda manda. Quase todos foram colocados lá pelo PT e eles obedecem as leis tortas e cambotas da esquerda maluca. A esquerda só tem ex-criminosos, ex-presos, ex-condenados, ex-terroristas. Ninguém serve de exemplo e querem voltar a governar o país. Quando? Nunca se Deus quiser e ELE quer! Deus quer o PT longe do nosso bom povo brasileiro. E que o PT vá para Venezuela, Cuba, Coreia do Norte, China. E fiquem lá pelo resto de suas vidas comunas.
    Meu prezado Dr. Wilson Campos, o Brasil merece ser feliz e o povo brasileiro também. Parabéns ao senhor pela sua integridade ao falar de todos os assuntos corretamente. Excelente. Abr.- Milton Guedes.

    ResponderExcluir
  7. Cumpram a Constituição Federal - TODOS, sem exceção. Ninguém está acima da lei e muito menos quem deveria guardar e proteger a lei maior. Como disse o Dr. Wilson Campos o ex presidente do STF decidiu que toque de recolher é inconstitucional. Então é , e não se discute mais porque está na CF. Vamos respeitar a Constituição se não vai virar anarquia e aí o bicho vai pegar feio porque as FA vão tomar conta e basta o povo pedir. Vamos ter juízo ante que seja tarde. Juízo 3 Poderes do Brasil. Juízo minha gente. Deus nos ajude. Abração dr. Wilson. Fique com Deus, Antônio S. Mello.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas