IMUNIDADE PARLAMENTAR E FORO PRIVILEGIADO NÃO SÃO SALVO-CONDUTO PARA IMPUNIDADE.

 

A Câmara dos Deputados resolveu colocar na pauta de votações duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) defendidas pela oposição e pelos partidos do Centrão. Batizada de PEC da Imunidade, a primeira proposta amplia a proteção aos parlamentares contra ações do Supremo Tribunal Federal (STF). Já o segundo texto trata sobre o fim do foro privilegiado.

A PEC da Imunidade, entre outros quesitos, cria a exigência de que o Congresso dê o aval para abertura de ações penais contra parlamentares e limita prisões de deputados e senadores a casos de flagrante ou crimes inafiançáveis. Mesmo assim, em até 24 horas a Câmara ou o Senado teriam que decidir se a prisão seria mantida ou não. Mas o caso é emblemático e envolve outras situações que deverão ser debatidas em Comissão, se o caso, e em Plenário.  

O caos geral remete às perseguições de parlamentares por ministros do STF. As medidas para defender parlamentares têm sido vistas como fundamentais num momento em que o Supremo relativiza a imunidade parlamentar para perseguir deputados que expuseram em plenário informações inconvenientes para a Corte, como ocorreu com os deputados Marcel Van Hattem (NOVO-RS) e Cabo Gilberto Silva (PL-PB).

Noutro norte, parlamentares do Centrão tentam se blindar principalmente das investigações do STF sobre a distribuição de emendas parlamentares nos últimos anos. Estima-se que ao menos 100 parlamentares são alvos atualmente de apurações na Corte.

Em síntese, a ideia é de que a PEC do fim do foro possa agir retroativamente para que os inquéritos instaurados pela Polícia Federal e remetidos ao STF sejam então redesignados à primeira instância do Judiciário. Justamente por ter foro privilegiado, hoje deputados e senadores são julgados diretamente pelos ministros da Corte nesse tipo de crime.

Mas há controvérsias, especialmente se vistas ao longo dos anos. Vejamos:

O que estamos vendo no Brasil são pessoas tentando transformar a imunidade parlamentar e o foro privilegiado em salvo-conduto para o cometimento de abusos. Mas não é novidade que estamos presenciando dias muito difíceis para a nossa frágil democracia, escancarados pelos excessos imperdoáveis do STF e especialmente pelas decisões monocráticas do ministro Alexandre de Moraes.

Que absurdo! Essa é a exclamação das pessoas que se deparam com os privilégios desfrutados por parlamentares. Independentemente dos abusos e ativismos de ministros do STF, a imunidade parlamentar alcança diversas formas, que podem ser utilizadas para divulgar palavras e opiniões dos membros do Congresso. No entanto, nada justifica o foro especial, que trabalha pela exceção, haja vista que a Emenda Constitucional 35/2001 deu nova redação ao artigo 53 da Constituição, não possuindo mais os deputados e senadores imunidade processual, mas, apenas, imunidade material, no exercício do mandato ou em razão dele.

Os parlamentares, por crimes de responsabilidade, infrações funcionais ou falta de decoro, são julgados pela respectiva Casa legislativa e respondem pelos crimes comuns perante o STF, sem necessidade de licença prévia do Congresso, o que, de certo modo, corrige a prática de corporativismo atávico preponderante no sistema bicameral. Mas, ainda assim, revela-se vergonhoso esse foro especial por prerrogativa de função, porquanto o artigo 5º da Constituição assevera que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

A imunidade parlamentar, de fato, deve proteger o mandato e a liberdade de expressão dos parlamentares, mas jamais pode ser concebida como um passaporte para abusos sem que os responsáveis sofram as consequências. Considerando os sombrios dias de hoje, de intolerância e radicalismos ideológicos, a imunidade parlamentar deveria servir como escudo contra a censura, por exemplo, mas jamais ser usada como uma blindagem em face das responsabilidades.

Vale observar que a Constituição brasileira não consagra nenhum direito como absoluto. Ou seja, a imunidade parlamentar também não o é. Todavia, embora seja fundamental para garantir a liberdade política, isso não quer dizer que seja um salvo-conduto para a impunidade.

De certo que o decoro parlamentar é assunto do Congresso Nacional e não da caneta solitária de um juiz. E é justamente nessa interdependência entre os Poderes, prevista no artigo 2º da Constituição Federal, que se assenta a estabilidade institucional. O Judiciário deve garantir o devido processo legal. O que isso quer dizer? Assegurar que o acusado tenha direito à defesa e ao contraditório. Mas não significa querer ou tentar usurpar a autoridade do Legislativo. Ora, o ideal é que cada Poder exerça seu papel, seja preservando o equilíbrio constitucional, sem riscos de autoritarismo ou politização judicial, ou promovendo segurança jurídica para a nação. Sinceramente, estou cansado de dizer isso.

Há que se reconhecer que a imunidade parlamentar é fundamental em uma democracia como garantidora da liberdade política. Porém, mandato não é propriedade, e imunidade não pode ser vista ou aceita como forma de impunidade. Daí que o Parlamento não pode se curvar às pressões e aos abusos. A missão é representar o povo e não interesses pessoais.

Na atualidade, assim como em outras ocasiões, diante das práticas condenáveis de alguns parlamentares, de cometimento de crimes de peculato, improbidade e corrupção, não resta ao povo brasileiro outro caminho senão o de protestar contra a imunidade parlamentar e o foro privilegiado, que acabam, aos olhos do mundo, transformando-se em impunidade, tamanhas a burocracia do sistema, a lentidão do Judiciário e a interferência dos pares congressistas.

Não bastasse a imunidade parlamentar, vez ou outra alegada para acomodar infrações e crimes, salvo raras exceções, tem-se que o foro privilegiado brasileiro é muito amplo, se comparado com o de outros países, o que, sem dúvida, precisa ser repensado, antes que a casta política evolua e enfraqueça os ideais democráticos tão arduamente perseguidos para a formação da soberania popular.

A discussão do privilégio de autoridades se dá pela extravagância, cuja regalia contraria o princípio constitucional da igualdade e produz injustiças sociais, principalmente ao absolver culpados e acatar prescrições. Essa situação, frente aos crimes de improbidade administrativa, corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, faz aumentar entre as demais camadas da sociedade organizada a sensação de impunidade e o apelo público por justiça.

Essa interpretação é de longa data: a imunidade parlamentar e o foro privilegiado revelam-se medidas antidemocráticas e ilegítimas, e os cidadãos precisam combater a simbiose republicana onde pessoas ligadas ao Estado passam a operar em benefício próprio. O parlamentar dispensa blindagem.

A voz do povo fez-se ouvir. Agora resta entender de uma vez por todas, que mandato não é propriedade, e imunidade parlamentar e foro privilegiado não podem ser vistos ou aceitos como forma de impunidade ou escudos contra a responsabilização dos atos. Daí que o Parlamento não pode se curvar às pressões e aos abusos. A missão é representar o povo e não interesses pessoais ou de partidos políticos. Não há que se buscar privilégio pessoal por meio das imunidades, mas sim o bom funcionamento do sistema democrático. O parlamentar deve atuar em defesa da sociedade e da lei, sem receios de Executivo ou Judiciário.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Simão J.S.Lassance Jr.27 de agosto de 2025 às 12:02

    Eu acho que o político não precisa de foro privilegiado e nem de imunidade, ele precisa é de lei que o proteja na sua atuação honesta e legal. Ministros do STF não podem ficar perseguindo parlamentares e ninguém, Juiz é para interpretar e fazer cumprir a lei, sem invenções mirabolantes, e ponto final. . São poderes diferentes e cabe ao Congresso tratar com os parlamentares. O STF precisa ficar no seu quadrado. Dr. Wilson Campos gostei muito dos seus artigos e e do seu blog ético e equilibrado e estamos juntos. Valeu doutor!!! Simão J.S.Lassance Jr.

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  2. Concordo 100% com isso: O Parlamento não pode se curvar às pressões e aos abusos. A missão é representar o povo e não interesses pessoais ou de partidos políticos. Não há que se buscar privilégio pessoal por meio das imunidades, mas sim o bom funcionamento do sistema democrático. O parlamentar deve atuar em defesa da sociedade e da lei, sem receios de Executivo ou Judiciário.
    CERTÍSSIMO. Deputados e senadores devem seguir a cartilha da igualdade (todos são iguais perante a Lei). Nada de privilégios. Mas nada também de abusos do Executivo e do Judiciário. NÃO!!! Ninguém, está acima da lei. Certo doutor Wilson Campos advogado??? At: Leila M. A. Samantha de O.


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