ADVOCACIA SOLIDÁRIA, PRO BONO.



Independentemente das ideias maniqueístas, das controvérsias mal resolvidas e das distorções não superadas, a advocacia solidária, pro bono, verdadeiramente se trata de uma medida essencial à consolidação do Estado Democrático de Direito, haja vista a prevalência dos direitos da cidadania sobre os interesses puramente corporativos. A advocacia solidária, ao ampliar o acesso à justiça presta relevante serviço público, resgata a função social da operação do direito e pratica uma justiça mais eficiente, em face de um contexto de exclusão, extremamente desumano e desigual.

Para uns, a chamada “advocacia para o bem” surgiu nos Estados Unidos, por meio de iniciativas da sociedade e, embora não obrigatória, essa prestação de serviço passou a contar com programas coordenados pelas próprias associações estaduais de advogados. Para outros, foi na Roma antiga que começaram esses trabalhos advocatícios gratuitos aos menos favorecidos. No entanto, o que importa não é onde nasceu a ideia, mas como ela funciona mundo afora.

No Brasil existem relatos dessa prática desde a época do Império, e o nome mais lembrado nos últimos cem anos é o de Ruy Barbosa, o maior jurista de todos os tempos, que foi o primeiro advogado pro bono, solidário, defendendo escravos subjugados e marinheiros revoltosos, em causas quase impossíveis, mas coroadas de pleno êxito, graças ao desprendimento do ilustre causídico. Hoje, com o passar dos anos e ainda amadurecendo a democracia, cresce o interesse pela causa, mas o exercício livre dessa modalidade advocatícia depende ainda de um posicionamento oficial da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Nacional.

Os pontos negativos anteriormente levantados pela Turma de Ética e Disciplina da OAB são os de que a advocacia pro bono poderia ser utilizada para captação indevida de clientela e de que é obrigação do Estado prestar gratuitamente esses serviços por meio da Defensoria Pública. Ora, o primeiro seria passível de fiscalização das Seccionais, se fosse o caso, de forma a evitá-lo, e o segundo não tem relação, uma vez que a advocacia solidária não é imposta, mas voluntária, e não elide e nem se confunde com a Defensoria Pública. Ademais, essa assessoria jurídica não se limitaria à representação em Juízo, mas criaria estruturas que permitissem um atendimento preventivo à população carente e às entidades sem fins lucrativos e com objetivos sociais.

Tomando-se por base o grande número de associações comunitárias, entidades filantrópicas e de utilidade pública carentes, e mediante a visível e notória necessidade de se multiplicar o acesso à justiça para os despossuídos, hipossuficientes, é preciso levar em conta a repercussão positiva e altamente relevante que a autorização definitiva da OAB do exercício da advocacia solidária pode proporcionar à sociedade. No mínimo, o gesto seria encarado como humanitário, democrático e cidadão.

O Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei Federal nº 8.906/94) dispõe no seu Art. 2º, parágrafo primeiro, que: “No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social”. Portanto, torna-se imprescindível que os advogados e as bancas de advocacia demonstrem essa função social de elevada importância, valorizando ainda mais a respectiva atividade profissional, considerada “indispensável à administração da justiça”, nos termos do Art. 133, da Constituição.

A Ordem dos Advogados do Brasil tem uma história brilhante na construção desse país. Não é crível que a advocacia solidária, pro bono, estabeleça concorrência desleal ou diminua o espaço de atuação dos operadores do direito. Ao contrário, o trabalho é com expectativas de uma sociedade melhor e de um país que vire a página da desigualdade social, onde os anseios por ganhos materiais não se coloquem acima do serviço social e onde não se neguem a quaisquer do povo o direito e o acesso à justiça. Da mesma forma, não se negue ao advogado o exercício da liberdade.

Por se tratar de um assunto substancialmente sensível, com interpretações não unânimes, espera-se do Conselho Federal da OAB uma decisão definitiva a respeito da advocacia solidária, pro bono, regulamentando-a ou restringindo-a ainda mais como modalidade de advocacia voluntária. No entanto, há que se resguardar a advocacia enquanto instrumento de democratização do acesso à justiça e transformação social.

Enquanto as estatísticas mostrarem que mais de 80% da população brasileira não pode pagar um advogado, a advocacia solidária, pro bono, se torna ainda mais uma questão de humanidade, de dignidade e de cidadania. Naturalmente que a atenção nesse quesito estará voltada para as camadas mais carentes e para as entidades sem fins lucrativos que defendem interesses sociais na esteira dos direitos difusos e coletivos.

Por fim, a regulamentação da advocacia solidária, pro bono, certamente consistirá em um grande avanço para a valorização da categoria dos advogados no país, reforçando o compromisso da OAB como entidade promotora da defesa dos interesses da coletividade, por uma sociedade mais justa e igualitária, e cuja função social seja a de lutar pelo fortalecimento gradativo da democracia, não se curvando a ninguém e, como sempre, perseverando pelos ideais de liberdade e justiça.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

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