RETROCESSO AMBIENTAL.

           "Definitivamente, se perdeu o bom senso na discussão do equilíbrio e da sustentabilidade". 

O princípio de vedação ao retrocesso ecológico pressupõe que a salvaguarda do meio ambiente tem caráter irretroativo: não pode admitir o recuo para níveis de proteção inferiores aos anteriormente consagrados, a menos que as circunstâncias de fato sejam significativamente alteradas. Essa argumentação estabelece um piso mínimo de proteção ambiental, para além do qual devem rumar as futuras medidas normativas de tutela, impondo limites a impulsos revisionistas da legislação. Porém, esse quadro de controle ambiental afronta os interesses particulares do setor produtivo rural brasileiro e dos empreendedores imobiliários que se refugiam nos ataques de que tudo não passa de uma somatória de silogismos.

Definitivamente, se perdeu o bom senso na discussão do equilíbrio e da sustentabilidade. A inexplicável desobediência aos princípios basilares constitucionais tomou de vez um rumo nada democrático no país. A certeza da impunidade de muitos, salvo as exceções de praxe, impera nas esferas governamentais, por pressão do poder econômico. Os interesses difusos e coletivos estão abandonados, mormente quando se trata de proteção ao meio ambiente. As sanções aos agentes públicos e políticos, diante do abuso de autoridade e da improbidade, simplesmente não surtem efeito, porquanto restem inertes no contexto de leis supostamente disciplinadoras.

As Leis 4.898/1965 (abuso de autoridade), 8.429/1992 (improbidade administrativa), 9.605/1998 (crimes ambientais) e o parágrafo 4° do artigo 37 da Constituição Federal há muito não metem medo nos responsáveis pela administração pública. A justificativa dessa triste afirmação fica por conta do desmatamento acumulado da floresta amazônica, que dobrou nos últimos 25 anos, chegando hoje a aproximadamente 800 mil quilômetros quadrados, segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). No entanto, em que pese o monitoramento e a fiscalização aumentados a partir de 1995, o governo brasileiro ainda recebe duras críticas pelas falhas e pela supressão verificada nesse macro setor florestal.

Afora o corte de milhões de árvores e a devastação ambiental em diversos pontos do país, o poder público permite a investida furiosa da verticalização nos grandes centros, violando os parâmetros de altimetria, contrariando as normas sistematicamente estabelecidas e desrespeitando as áreas ecológicas protegidas. O meio ambiente para o poder público é nada mais que um entrave, que o incomoda e do qual tenta se afastar. A grande tacada das autoridades públicas é a prosperidade do cinza do concreto armado, em detrimento do verde da natureza. A flexibilização corre a todo vapor de encontro à verticalização, que, por sua vez, adentra os espaços restritos, reservados até então para as áreas de preservação permanente e de diretrizes especiais.

A indignação toma corpo em todas as comunidades, notadamente nas capitais, como que a se contagiar pela digressão praticada pelas autoridades que ainda se imaginam em berço esplêndido do coronelismo tacanho. É de gravidade severa o que toca à agressão aos parâmetros restritivos nas áreas verdes e nas de proteção e preservação ambientais. Os objetivos de flexibilização, verticalização ou quaisquer outros, permissíveis e contrários à biodiversidade, são inadmissíveis do ponto de vista legal.

As garantias não podem ser retiradas da sociedade. Essas determinações legais não podem ser afastadas ao simples comando das autoridades públicas, numa evidente demonstração de retrocesso, posto que acima das leis prepondera e vigora a Constituição e, mesmo que as referidas leis tenham sido alteradas por novas leis, isso só se admitiria para ampliar as restrições. Está evidente que o retrocesso que se terá na área ambiental, caso prevaleçam essas novas modalidades de crescimento e desenvolvimento a qualquer preço, será substancial, promovendo séria abertura para a intensificação da degradação ambiental. E mais que isso, restará gritante o desrespeito com as comunidades que se imaginavam em pleno gozo do Estado democrático de direito.

O que os poderes públicos constituídos, nas três esferas, vêm tentando impor aos cidadãos é o mais retumbante golpe no princípio da proibição do retrocesso. A votação do Código Florestal foi uma clara demonstração de força do empresariado. Certo é que a ordem constitucional vigente propugna por garantir um mínimo existencial ecológico e proíbe o retrocesso ambiental (artigo 225, da Constituição). Desse modo, a proteção do bem ambiental afigura-se como um direito fundamental de terceira geração, submetendo-se ao princípio de vedação ao retrocesso, ou seja, o impedimento da degradação ambiental baseia-se no princípio da proibição da retrogradação socioambiental. Por tal princípio, o nosso Estado de direito não pode retroceder em relação às conquistas para a proteção de seus direitos fundamentais basilares. Se o Brasil propugna, em sua lei maior, pela melhoria da qualidade ambiental e pela defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, a ninguém cabe praticar o dilaceramento das conquistas ambientais ou macular frontalmente o princípio da proteção ambiental.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de 17/09/2014, quarta-feira, pág. 9).
 

Comentários

Postagens mais visitadas