NUANÇAS DO IMPEACHMENT POLÍTICO.
A sociedade se inquieta quando a inflação corrói o minguado salário do trabalhador, inviabiliza a economia nacional, desespera os setores popular, técnico e empresarial, desestimula o comércio e a indústria e torna quase impossível o emprego. A sociedade se rebela quando a violência é crescente, a impunidade é tolerada e a família é constantemente ameaçada. A sociedade se indigna quando a corrupção grassa pelos quatro cantos do país, contamina os poderes constituídos, arrasta consigo os entes da Federação e junta no mesmo balaio o público e o privado, o corrupto e o corruptor. A sociedade vai para as ruas quando faltam hospitais, escolas, segurança, moradia, transporte, trabalho e quando a roubalheira interminável retira verbas das universidades públicas e até a merenda escolar das crianças pobres.
O governante não é senhor do poder que exerce, mas apenas um representante do
povo, ao qual deve prestação de contas. O abuso de poder do governante é punível. Todavia,
embora devesse caber ao povo a punição do governante infrator, essa passa a ser
a função do Legislativo, dentro do processo da democracia representativa, cuja
missão é sancionar a conduta da autoridade pública, destituindo-a do cargo e
impondo-lhe pena de caráter político.
Criação inglesa, do
século XIII, o impeachment fundava-se inicialmente em crime e seu objetivo era
o afastamento definitivo da autoridade acusada, além da aplicação de pena
corporal. Caiu em desuso essa prática e o impeachment perdeu importância no decorrer
do século XVIII, quando se estruturou o parlamentarismo.
No Brasil, o impeachment
vem desde a Constituição de 1824. Aliás, todas as constituições republicanas o
previram em medidas políticas muito próximas. Por conseguinte, a maioria da
doutrina brasileira entende que o impeachment é eminentemente político.
Entretanto, a tese de que possui natureza penal conta com simpatizantes de
elevado conhecimento jurídico, o que também ocorre quando o instituto é
entendido como de natureza mista. Tais desencontros forçam uma análise pontual
do tema antes de formar convicção.
Em primeiro lugar, o que
mais se presencia na política brasileira são os comportamentos politicamente
indesejáveis. Em segundo, a evidência de que a destituição deve ser acompanhada
da inabilitação. Por último, a garantia da ampla defesa, observando-se um rito
jurídico legal. No entanto, quando se sabe que a Câmara dos Deputados deve examinar
a procedência da acusação de forma política, enquanto o Senado deve agir pelo
exercício do julgamento, essa prática se torna controversa e discutível, posto
que retira do Poder Judiciário o caráter legítimo de decidir o que seja ou não
crime de responsabilidade à luz do ordenamento jurídico vigente. Ora, a lição
da Lei nº 1.079/1950 (Lei do Impeachment), que mede com régua milimétrica a
responsabilidade criminal da autoridade acusada, bem como o artigo 85 da
Constituição, mormente pelo destaque dado pelo inciso V, que trata da
improbidade administrativa, são meios aplicativos da seara jurídica e não
política. Daí o imbróglio no nascedouro para saber de quem é a paternidade do
efetivo julgamento. Isso, a meu sentir.
Como visto, o presidente
da República, governadores e prefeitos podem ser cassados, nos termos do
dispositivo constitucional acima citado. A regulação do impeachment, da mesma
forma, se dá pela lei retro mencionada, que prevê no seu artigo 2º o período
máximo de cassação em cinco anos. Por outro lado, em 30/12/1992, Fernando
Collor de Mello, o 32º Presidente da República do Brasil, foi retirado da
presidência pelo Congresso Nacional e impedido de ser eleito por oito anos,
devido a indícios de corrupção. Outro caso, mais recente, ocorreu em
20/10/2011, com o prefeito de Campinas, Hélio de Oliveira Santos, que foi
cassado de seu cargo após acusações de fraude e corrupção.
O impeachment é quase sempre alavancado por motivações políticas, carreadas muito pelos
antagonismos partidários e pouco pelas opiniões públicas e decisões judiciais.
Melhor dizendo, veja-se o caso do ex-presidente Collor, que afastado da
presidência pelo Congresso, foi absolvido pela Suprema Corte. Portanto, não
resta dúvida de que o julgamento do impeachment pelo Congresso é mais político
do que jurídico. Aliás, dependendo dos políticos contrariados nos seus interesses pessoais, o impeachment torna-se absolutamente político.
Destarte, por se
tratar de tema atual, comumente discutido nas reuniões, nos encontros, nas
praças, nas ruas e em todos os lugares deste território, ainda mais agora
quando se cogita o impeachment da atual presidente Dilma Rousseff, por ser
considerada culpada na má gestão e quase destruição da Petrobras, onde esteve
como presidente do Conselho de Administração e mesmo como presidente da
República, num conjunto de oito anos de permissão de corrupção e concussão, com
consequente desfalque de bilhões de reais, quer seja por dinheiro desviado
ilicitamente ou por operações administrativas catastróficas, segundo amplamente noticiado pela imprensa nacional. Cabe aqui o constitucional contraditório, por ser um direito de todos.
Não sendo esses
motivos relevantes, fortes e suficientes para o impeachment da presidente,
outros são aventados no sentido de que houve omissão, negligência e excessiva
imprudência no negócio da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos,
por algo em torno de 2 bilhões de dólares, autorizado diretamente por ela. Aqui, novamente, cabível o respectivo contraditório.
Por todo o exposto,
a percepção é de que a máquina do impeachment é complicada e nem sempre reflete a
vontade da população, que tem medo de trocar seis por meia dúzia. Ademais, a
posição de liderança nacional e a soma enorme de poderes com que conta hoje o
titular da presidência da República, tornam a realização do impeachment quase
impraticável, ainda mais quando se tem um sistema bicameral que trabalha para
os seus membros e não para a sociedade, que pensa nos interesses dos seus
componentes e não nos interesses do povo.
Melhor esperar as apurações da Polícia Federal, do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal (STF), respeitar o citado contraditório, aguardar também as investigações de deputados e senadores pelo STF, escutar a sociedade, considerar a pressão das ruas, sentir o calor da opinião pública, para, depois, de forma fundamentada, juridicamente, apelar para o dolo seguido da culpa, com requerimento e exigência do impeachment e das cassações, mas sob os auspícios do Judiciário e com o necessário respaldo da população, consciente do ato e da importância da continuidade da democracia ampla, geral e irrestrita.
Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
Melhor esperar as apurações da Polícia Federal, do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal (STF), respeitar o citado contraditório, aguardar também as investigações de deputados e senadores pelo STF, escutar a sociedade, considerar a pressão das ruas, sentir o calor da opinião pública, para, depois, de forma fundamentada, juridicamente, apelar para o dolo seguido da culpa, com requerimento e exigência do impeachment e das cassações, mas sob os auspícios do Judiciário e com o necessário respaldo da população, consciente do ato e da importância da continuidade da democracia ampla, geral e irrestrita.
Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
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