OUTORGA DO DIREITO DE USO DA ÁGUA




A importância da água na vida humana é tamanha, que nada justifica o seu desperdício, quer seja por indivíduos, empresas ou poder público. Um controle eficaz se faz necessário, mesmo porque a água é finita, embora pareça o contrário, aos olhos do mundo.

No Brasil, para regular e fiscalizar a vazão indiscriminada de água, o poder público instituiu há 18 anos a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, que é o instrumento pelo qual a Agência Nacional de Águas - ANA, faz o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água, evitando conflitos entre usuários e assegurando o efetivo direito de acesso ao bem público de uso comum de todos. 

A outorga, portanto, é o ato administrativo mediante o qual a União, os Estados e o Distrito Federal facultam ao outorgado o direito de uso de recursos hídricos por prazo determinado, nos termos e nas condições expressas no respectivo ato, que é publicado no Diário Oficial da União ou nos Diários Oficiais dos Estados ou do Distrito Federal.

Destarte, em sendo a água um bem de todos, nada mais justo que tipificar uma política severa que, igualitariamente, defina parâmetros para os usos adequados. Assim, de acordo com a Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos e determinou outras medidas, estão sujeitos a outorga pelo poder público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos: derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água. 

Para alguns setores, como os comerciais e os industriais de grande porte, o controle se dá de forma bem frágil, pouco eficiente. Para outros, como os residenciais e os produtivos de famílias rurais, o controle é mais presente e coercitivo. No entanto, a nosso sentir, o regime de outorga elencado no artigo 11 da lei supra, que visa assegurar a utilização da água de forma quantitativa e qualitativa, não vem cumprindo sua finalidade principal, de uso múltiplo e racional dos recursos hídricos. Ora, atualmente, a visão que se tem é a de que o uso da água, que é concedido através de outorga, será deferido àquele que primeiro a requerer perante o órgão competente, quando, na verdade, o que tem ocorrido é que os órgãos públicos gestores dos recursos hídricos têm procedido em desacordo com a legislação  vigente. Ou seja, se antes foram deferidos grandes volumes de água, os que agora requerem a utilização da mesma não conseguem autorização. Os órgãos competentes negam os pedidos dos novos requerentes sob o argumento de indisponibilidade hídrica, sem, contudo, apresentar uma solução para o caso demandado.

Por exemplo, enquanto de um lado são implementados grandes projetos de irrigação agrícola, que dispõem de um volume exorbitante de água, por outro, médios e pequenos produtores, que necessitam da água para o cultivo de sua produção, ficam impedidos de fazê-lo pelos meios legais, já que não conseguem obter sucesso no processo administrativo de pedido de outorga perante o órgão competente. Assim, para piorar, diante da ineficiência pública, os desautorizados acabam por utilizar a água de forma clandestina, já que a fiscalização existe no papel, mas na prática, deixa muitíssimo a desejar.

Cumpre destacar, nos termos da lei acima referida, os seguintes princípios básicos: a água é um bem de domínio público; a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Assim, regras básicas de consumo precisam ser seguidas, e a outorga do direito de uso das águas é dada por prazo determinado, que não pode exceder 35 anos, cabendo à autoridade competente estabelecer o lapso temporal utilizável, considerando a finalidade do uso pretendido, o horizonte do projeto e os planos de bacia. Esse direito de uso é revogável, sempre que houver necessidade de atender a usos prioritários, de interesse coletivo. Também é cobrado, retribuído, nos moldes de preço público, pago pelo uso de um bem público, no interesse particular, o que deve ser conformado em lei. Entretanto, essa cobrança não impede a exigência da educação ambiental do outorgado e não obsta a busca pela economicidade da quantidade captada e a melhoria da qualidade dos lançamentos.    

Em Minas Gerais, a partir das Leis Delegadas nºs 180 e 181, de 2011, a operacionalização da outorga ficou a cargo da Subsecretaria de Gestão e Regularização Ambiental Integrada da Secretaria de Estado de Meio Ambiente - Semad e, assim como alhures relatado, a outorga é considerada o instrumento legal que assegura ao usuário o direito de utilizar os recursos hídricos. No entanto, essa autorização não dá ao usuário a propriedade da água, mas, sim, o direito de seu uso. Portanto, a outorga poderá ser suspensa, parcial ou totalmente, em casos extremos de escassez, de não cumprimento pelo outorgado dos termos de outorga, por necessidade premente de se atenderem aos usos prioritários e de interesse coletivo, dentre outras hipóteses previstas na legislação vigente. Daí que a outorga é necessária antes da implantação de qualquer atividade que implique em intervenção nos cursos de água ou captação de água subterrânea. Algumas captações de água superficial ou subterrânea, bem como acumulações de água superficial não estão sujeitas à outorga. Elas são consideradas de usos insignificantes e devem ser cadastradas nas Superintendências Regionais de Meio Ambiente - Supram’s. Os critérios que definem os usos considerados insignificantes no Estado de Minas Gerais foram estabelecidos na Deliberação Normativa 09/04 do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH).

Enfim, diante da complexidade do tema, que remete a responsabilidades e consciência de pessoas, empresas e poder público, o que se busca é a valorização do bem chamado água, sem desperdício, uma vez que, no contexto geral, independentemente da outorga do direito de uso da água, seja na zona rural ou urbana, a ressalva que se faz, data maxima venia, é no sentido de que o consumo desordenado das águas compromete de forma gradativa a utilização dos recursos hídricos, o que requer providências e soluções capazes de frear o desperdício, desde os incontáveis vazamentos por falta de manutenção nos encanamentos enterrados, tubulações e conexões excessivamente enferrujadas, oxidadas, fissuradas e carcomidas pelo tempo, até a incontrolável perda de milhões de litros do precioso líquido, jorrados morro abaixo nas fábricas, indústrias e mineradoras país adentro, depois de descartados com a virulenta contaminação peculiar dos usos, salvo as exceções de praxe.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

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