LEGALIDADE E ESTADO DE DIREITO.




Face ao protesto dos caminhoneiros, ainda não encerrado de todo, haja vista a preguiçosa tomada de decisão do governo, aliada ao irritante e demorado tempo para diminuir o preço do diesel nas bombas, não resta à sociedade organizada outra saída que não seja a de acreditar na legalidade, no Estado de direito e na imparcialidade do julgamento popular.

Os excessos devem ser contidos. O Estado de direito não é compatível com ambientes extremistas, intolerantes e que admitam o uso de quaisquer meios. O Estado de direito requer a manutenção firme das instituições democráticas, não se podendo olvidar que seja, antes de tudo, um Estado Constitucional que tem na dignidade da pessoa humana e na promoção e proteção dos direitos fundamentais o seu esteio e o seu fim por excelência. Ademais disso, o Estado de Direito é contrário ao arbítrio e, por via de consequência, próprio da justa medida, da razoabilidade e do equilíbrio.

Na democracia plena não há espaço para tratamentos desiguais. De nada serve a tolerância da justiça sumária, típica de um estado de exceção, apenas porque alguns setores da sociedade assim a desejam. A justiça há que ser feita com equilíbrio, imparcialidade e no cumprimento dos postulados constitucionais.

A aplicação da justiça deve ser dosada conforme o crime cometido. Grandes e pequenos, se infratores, devem ser punidos de forma isonômica. A coerção deve ser evitada, mas não descartada. O equilíbrio e a razoabilidade devem ser o fiel da balança. As medidas governamentais não podem ser tomadas com base no calor das discussões públicas. A temperança do poder de governo tem a ver com as ideias do Estado de direito, evitando-se erros, quase sempre cometidos por governantes populistas e demagogos.

Assim, por legalidade se entende aquela conhecida por meio da expressão latina “nullum crimen, nulla poena, sine lege”, que significa que “não há crime, nem pena, sem lei anterior que os defina”. É um princípio muito importante no estudo do Direito, sendo um norteador para leis e dispositivos. Esse princípio encontra-se em várias partes da Constituição Federal e também em códigos penais e outros documentos. Já por Estado de direito deve-se entender um Estado no qual os poderes públicos são regulados por normas, leis e estamentos constitucionais. Ou seja, a sociedade deve ser governada sob o contexto das leis e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem ser regulados também por uma Lei Maior, como a promulgada em 1988, a Constituição da República.

Segundo Norberto Bobbio, “na doutrina liberal, Estado de direito significa não só a subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e, portanto, em linha de princípio ‘invioláveis’ [...]” (BOBBIO, 1995, pág. 18). Logo, cumpre ao Estado de direito uma preocupação permanente com a promoção e a preservação da cidadania plena, a qual seria constituída pelos direitos civis, políticos e sociais.

A rigor, vale o entendimento de que o Estado de direito só pode ser de base democrática, sendo essencial que a sociedade civil e o Estado não se confundam, mas se mantenham como valores distintos e complementares, correlacionados entre si, mas cada um deles inflexível ao outro.

Em linhas gerais, ao Poder Executivo cabe a administração do Estado propriamente dita, naquilo que diz respeito ao governo da máquina pública. Ao Poder Legislativo cabe a formulação, discussão e aprovação de leis, as quais são pensadas conforme as demandas e anseios da sociedade por ele representada. Já ao Poder Judiciário cabe o julgamento dos possíveis conflitos, agindo de forma imparcial, pautando pela obrigatoriedade do cumprimento das leis. 

A sociedade organizada precisa entender, definitivamente,  que do Estado de direito nascem mecanismos constitucionais para impedir os abusos de poder ou o seu exercício ilegal. Esses mecanismos são garantias de liberdade das pessoas, no sentido de que estas não devem restar submissas aos desmandos de qualquer um que assuma o poder.

A melhor visão do Estado de direito é aquela da autonomia e independência dos poderes, e melhor ainda quando é transparente o exercício da magistratura, livre de quaisquer ligações perigosas com o poder político.

No nosso caso, especificamente, a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado de direito e, dessa forma, todas as características descritas acima se aplicam ao nosso país. No entanto, como alerta democrático e a título de convite à reflexão, cumpre-nos questionar até que ponto as definições teóricas dos livros e as funções de cada poder aqui colocado – principalmente no tocante à imparcialidade, ao controle do abuso de poder e à autonomia de cada um – de fato são coerentes com nossa realidade política e governamental.

No Estado de direito, a sincera expectativa é a de que o povo seja, efetivamente, o ator principal. A cidadania deve ser a grande destinatária das ações do poder público, de forma que todos os esforços a tornem portadora de justiça e dignidade, ultrapassando as dificuldades naturais rumo a um futuro mais justo e tranquilo.

A lição deixada pela legalidade e pelo Estado de direito é a de que o direito de uns não pode aniquilar o direito de outros. A atuação do Estado e da sociedade deve ser reta, firme, imparcial e absolutamente dentro da lei. Assim e dessa forma, a legalidade e o Estado de direito são inerentes à democracia, porquanto sejam também pela realização de tudo conforme a lei e jamais colocando em risco a ordem jurídica.  

Wilson Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).


 

Comentários

  1. EXCELENTE. MUITO BOM. ESPERO QUE O GOVERNO APRENDA COM ESSE ARTIGO, PORQUE O QUE FIZERAM FOI UMA TREMENDA TRAPALHADA QUANDO NÃO DERAM IMPORTÂNCIA AO MOVIMENTO DOS CAMINHONEIROS. PARABÉNS DR. WILSON PELO BRILHANTE ARTIGO. SDS. JOSIEL VIANNA DE S. L.

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