CONDUÇÃO COERCITIVA.



 
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em sessão realizada no dia 14/06/2018, que é inconstitucional o uso de condução coercitiva de investigados ou réus para fins de interrogatório.

Em votação apertada, 6 a 5, os ministros julgaram inconstitucional a expressão "para interrogatório", constante do art. 260 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual, em caso de o acusado não atender à intimação para prestar depoimento, a autoridade poderia mandar conduzi-lo à sua presença.

Antes de adentrar a forma como se deu a votação realizada no STF, veja-se o conceito de condução coercitiva, nos termos legais:

A condução coercitiva é instituto processual presente no Título VII, “Da Prova”, capítulo VI, “Das testemunhas”, artigo 218 do CPP, que dispõe: “Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública”.

Há também referências a esse instituto nos artigos 201, que trata do ofendido, e 260, que trata sobre o acusado, no mesmo Código Processual: “Art. 201. […] § 1º - Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade”; “Art. 260 - Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.

Da leitura desses artigos é possível extrair um conceito do que seja condução coercitiva, ou seja, se trata de um instrumento de restrição temporária da liberdade conferido à autoridade judicial para fazer comparecer aquele que injustificadamente desatendeu à intimação e cuja presença seja essencial para o curso da persecução penal, seja na fase do inquérito policial, seja na da ação penal.

Superadas as explicações conceituais do tema, cabe voltar à sessão do STF, onde, para a maioria dos ministros, nos termos do voto do relator, Gilmar Mendes, o método representa restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade.

O STF analisou duas ADPFs que questionam a legalidade da condução coercitiva - uma protocolada pelo PT, e outra pela OAB. O julgamento teve início no último dia 7, quando o ministro Gilmar Mendes votou por proibir a condução coercitiva para interrogatório. Retomado o tema no dia 13, a ministra Rosa Weber acompanhou o relator. Divergiram, por sua vez, os ministros Moraes, Fachin, Barroso e Fux. A sessão terminou com o placar em 4 a 2.

Primeiro a votar no dia 14, o ministro Toffoli acompanhou o relator. Para ele, "é chegado o momento desta Suprema Corte zelar pela estrita observância dos limites legais para a imposição da condução coercitiva, sem dar margem para que se adotem interpretações criativas que atentem contra o direito fundamental de ir e vir, e a garantia do contraditório, da ampla defesa, e a garantia da não autoincriminação".

No mesmo sentido, para Lewandowski o direito ao silêncio, previsto no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição, por si só já seria suficiente para paralisar os efeitos da condução coercitiva do réu para interrogatório. "Se cria um estado psicológico no qual o exercício do direito ao silencio é propositalmente dificultado." Para o ministro, se o réu for devidamente intimado e não comparecer, outra consequência não poderá ser extraída senão a de que preferiu simplesmente não comparecer, "não havendo, nessas hipóteses, a necessidade de adiamento de audiências para trazê-lo ao fórum 'debaixo de vara'”. Lewandowski destacou ainda que "ninguém pode ser constrangido a produzir provas contra si". Ele acompanhou integralmente o relator para declarar procedente o pedido e a incompatibilidade com a CF da condução coercitiva de investigados ou réus para interrogatório.

Para Marco Aurélio, o art. 260 do CPP, no que prevê expressamente a condução coercitiva, não foi, nessa parte, recepcionado pela CF/88. O ministro destacou que, na maioria das vezes, a condução coercitiva, que visa o interrogatório, só desgasta a imagem do cidadão. “Alcança a dignidade do cidadão, por isso deve ser encarada com o rigor maior. (...) Não há uma razão de ser para ela ser implementada a não ser o desgaste irreparável do conduzido”. Afirmou ainda o ministro: “A legislação é linear. Não se aplica apenas àqueles envolvidos em possível prática de corrupção. A legislação não se aplica tão somente considerado o denominado crime do colarinho branco. Não são apenas esses que são conduzidos. São os envolvidos em geral em prática criminosa. Queremos no Brasil dias melhores? Queremos no Brasil correção de rumos? Queremos todos nós. Mas não podemos partir, como quer, para o justiçamento, sob pena de ter-se a babel. Sob pena de não ter-se mais segurança jurídica”.

O ministro Celso de Mello formou a maioria. O decano destacou que os julgamentos do STF, para que sejam isentos, não podem expor-se às pressões externas; afirmou, ainda, a necessidade de se dar proteção ao devido processo legal. O magistrado destacou que o Estado, “não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados fossem, e também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios, em face da cláusula que lhes garante constitucionalmente a prerrogativa contra a autoincriminação”. Diz ainda o decano: “Tenho para mim que se revela inadmissível, sob perspectiva constitucional, a possibilidade de condução coercitiva do investigado, suspeito, indiciado ou do réu, especialmente se se analisar a questão sob a égide da própria garantia do devido processo penal, inclusive da prerrogativa contra a autoincriminação, que é muito mais ampla do que o direito ao silencio (...) tanto quanto a presunção de inocência”.

A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, foi a última a votar, acompanhando a divergência, nos termos do voto do ministro Fachin. Para ela, a condução coercitiva seria possível se, após intimado, o acusado não comparecesse. A questão, no entanto, já estava definida após voto do decano.

A decisão proferida pela Corte torna inconstitucional a medida que foi utilizada centenas de vezes no âmbito da operação Lava Jato. Entre os episódios mais polêmicos está o da condução coercitiva do ex-presidente Lula, ocorrido em março de 2016 por determinação do juiz Moro.

Em seu voto, por sua vez, Gilmar Mendes enfatizou que a decisão não tem o condão de desconstituir interrogatórios realizados até o julgamento, mesmo que o interrogado tenha sido coercitivamente conduzido para o ato. Isto porque, segundo ele, estaria se reconhecendo a inadequação do tratamento dado ao imputado, e não do interrogatório em si. “Não vejo necessidade de debater qualquer relação dessa decisão com os casos pretéritos, inexistindo espaço para a modulação dos efeitos da decisão”.

A OAB tem criticado a banalização do uso desse instrumento desde 2016, quando observou que a medida vinha sendo adotada de maneira exagerada e sem os devidos critérios em investigações como as da Operação Lava Jato. “Uma vitória para a democracia! Todos nós queremos o combate ao crime e a impunidade, mas nos estritos termos da lei. Não vou me cansar de afirmar que não se combate o crime cometendo outro crime”, afirmou o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia. Também da OAB vem a informação de que: “Foi uma grande vitória do Conselho Federal da OAB, que aprovou por unanimidade a propositura da ADPF, para o fim de garantir o respeito à Constituição e em especial ao direito de defesa e às prerrogativas profissionais. Uma decisão que reafirma o compromisso com um processo penal de respeito aos direitos fundamentais do cidadão”.

Em assim sendo, por fim, resta esclarecer que o objetivo desse artigo é o de possibilitar ao leitor conhecer alguns detalhes do que seja a condução coercitiva e como ela funciona atualmente, depois da recente decisão do STF de que é inconstitucional o uso de condução coercitiva de investigados ou réus para fins de interrogatório.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).



Comentários

  1. STF medroso não representa o povo nem a democracia nem a CF. Muito bom o artigo e muito ruim o STF. Messias G.Lourenço.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas