NOVA REVISÃO DO PLANO DIRETOR


 
O Plano Diretor é um instrumento estabelecido na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Os demais instrumentos de planejamento de governo devem incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.

O Plano Diretor deve abranger o território do município como um todo. Não está restrito a bairros ou partes específicas da cidade. Sua realização é obrigatória para municípios com mais de 20 mil habitantes, o que significa afirmar que para quase 32% dos municípios brasileiros não é uma opção, mas uma obrigação.
  
Vamos ao caso de Belo Horizonte, onde o Plano Diretor transformou-se em uma verdadeira novela, que se arrasta desde 2014. Ontem, 29/06/2018, foi entregue pela prefeitura à Câmara Municipal uma nova proposta de revisão, para que os parlamentares se manifestem a respeito do substitutivo-emenda ao Projeto de Lei 1.749/2015.
                   
Causou estranheza, entretanto, a formação da mesa da reunião na Casa Legislativa, composta por autoridades de diversos setores, mas sem a presença de um representante do segmento popular. No mínimo, nada democrático, nada educado e sem a necessária isonomia, imprescindível nas discussões dos interesses da cidade.

Ultrapassada essa fase deselegante do Executivo e do Legislativo, os representantes da prefeitura apresentaram resumidamente as principais diretrizes e mudanças em relação ao projeto original. O texto da nova proposta mantém parâmetros como a unificação do coeficiente de aproveitamento básico e apresenta avanços na desburocratização de procedimentos e simplificação da leitura e da consulta à lei.

O presidente da Câmara, vereador Henrique Braga (PSDB) defendeu a participação popular no processo de tramitação do Plano Diretor, garantindo a devida transparência e a disponibilização de todo o material no portal da Câmara.

Tramitando na Casa desde 2015, tendo sido objeto de várias audiências públicas, a revisão do Plano Diretor ainda gera debate e muitas dúvidas entre os mais diversos setores da população. Defendida por arquitetos, urbanistas, ativistas, gestores municipais, associações de bairros e diversos outros atores, grande parte da proposta original atenderia às diretrizes resultantes da IV Conferência Municipal de Política Urbana, realizada em 2014.

Diante disso, os representantes da prefeitura afirmam que o novo substitutivo-emenda assegura as principais diretrizes pautadas na Conferência, por ser uma instância que precisa ser reconhecida e respeitada. De maneira geral, a proposta estabelece parâmetros para o desenvolvimento urbano do município, traçando as metas e orientando o modelo de crescimento e ocupação da cidade. Entre as diretrizes norteadoras, está o redirecionamento do adensamento construtivo, induzindo a ocupação de áreas com maior infraestrutura para suportar o volume de pessoas, como os grandes corredores (avenidas e vias coletoras).

Um dos conceitos trazidos pelo plano, que seria a ideia de múltiplas centralidades (locais e regionais), permitiria desconcentrar o fluxo e a ocupação na região centro-sul, o que facilitaria o deslocamento das pessoas na cidade, reduziria o tempo de trânsito, garantiria moradia digna em áreas atualmente pouco estruturadas, permitiria que as famílias de baixa renda tivessem acesso ao centro e morassem mais perto dos seus locais de trabalho. Como estratégias para isso, são apresentadas medidas como favorecer o adensamento nos principais corredores e avenidas, garantindo transporte público coletivo e a criação de zonas mistas que permitam a proximidade de imóveis residenciais e atividades comercias, facilitando o deslocamento a pé ou de bicicleta.

No aspecto ambiental, o projeto resgata as áreas de proteção e propõe a conexão entre as áreas verdes da cidade, alterando a forma de ocupação dos espaços e aumentando a taxa de permeabilidade nas edificações, também em conformidade com o texto original. O substitutivo mantém também o reconhecimento das áreas de interesse especial (AEIS e ZEIS), assim como a demarcação das ADEs.

Em relação aos parâmetros urbanísticos e zoneamento, poucas seriam as mudanças trazidas pelo substitutivo em relação ao projeto original. O destaque fica por conta da revisão de áreas caracterizadas como importantes polos industriais e que teriam seus usos alterados, como a região do São Francisco, e a revisão de parâmetros da ADE Izidora, com o objetivo de viabilizar o parcelamento e a ocupação da área, assegurando a diversidade de usos e faixas de renda, e a preservação ambiental. Ainda, na área de mobilidade, foi apontada a revisão das manchas dos projetos viários prioritários, considerando a viabilidade de sua execução no horizonte de tempo mais compatível.

Os representantes do Executivo alegam ainda as melhorias trazidas pelo substitutivo na forma do texto e organização da informação. De acordo com eles, a ordem de apresentação dos temas foi alterada para facilitar leitura e consulta; foram retomadas nomenclaturas usuais, adotando-se os termos mais familiares para a população, e foi priorizado o cumprimento dos marcos e acordos globais de sustentabilidade e da Nova Agenda Urbana, com apoio da ONU- Habitat. Afirmam também que houve um esforço da equipe para simplificar os mapas e tabelas que acompanham o projeto, reduzindo as sobreposições de parâmetros que dificultavam a objetividade da informação.

Entre as medidas de desburocratização, a gestão municipal destacou a redução de exigências para a regularização de imóveis de uso unifamiliar horizontal ou multifamiliar horizontal, com acesso independente pela rua, e a revisão de procedimentos para licenciamento de impacto e de atividades econômicas.

Já entre os principais pontos de conflito e desconhecimento, está a unificação do coeficiente de aproveitamento básico do solo para toda a cidade, que, conforme já previsto no PL original e deliberado pela Conferência, se mantém limitado a 1,0. Destacando o mérito da medida, os gestores municipais afirmam que isso é uma questão superada, que precisa estar na pauta do dia. Amparado pelo Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/2001), o novo parâmetro garantiria ao proprietário o direito de construir, sem ônus, até o limite de uma vez o tamanho do lote. Se possuir um terreno de 300 m² poderá edificar até 300 m² de área. No entanto, a edificação não ficaria limitada a essa dimensão, estando prevista a possibilidade de pagamento pelo direito de construir acima desse coeficiente. Essa possibilidade está prevista no instrumento da outorga onerosa do direito de construir. A receita decorrente seria utilizada pela prefeitura para investir em habitação social e melhorias nas regiões menos privilegiadas da cidade.

Os representantes da prefeitura, falando para todos – políticos, empresários e populares, de maneira geral, sobre os impactos da medida no preço dos imóveis e na disponibilidade de vagas de garagem, alertam que o novo substitutivo não impede, mas também não estimula a construção de vagas de garagem, levando a pensar que esse plano é para mudanças em médio e longo prazo, para as próximas gerações, em que a tendência é deixar de usar tantos carros, e defendendo investimentos em transportes coletivos e alternativos.

Atualmente, os imóveis têm o benefício de construir livremente suas vagas de garagem, na mesma proporção das demais áreas construídas no terreno, sem descontá-las do limite de aproveitamento. Com a nova medida, os imóveis teriam direito a um acréscimo de 60% do tamanho do lote, além dos 100% do coeficiente básico, limitando o seu uso a 50 m² de estacionamento por apartamento. O limite estabelecido permite a criação de duas vagas por unidade habitacional, sem custos adicionais. As áreas de garagem construídas acima dessa dimensão precisariam ser adquiridas por meio da outorga onerosa.

A prefeitura retomou uma das deliberações da conferência e defendeu a implantação de regras de transição para o novo limite de coeficiente de aproveitamento. A proposta foi incluída no substitutivo e prevê um prazo de seis meses para que a medida entre em vigor e descontos para aquisição da outorga onerosa nos primeiros três anos. Quem comprou um imóvel pagou pelo potencial construtivo que o terreno tinha, daí reconhecer a importância de garantir um prazo para compatibilizar o novo modelo e as práticas do mercado imobiliário.

Contudo, imperdoável será a não observação da proteção e preservação das áreas verdes, das reservas ecológicas e do patrimônio histórico, como por exemplo, a Mata do Planalto, a Área Verde do Jardim América, a Serra do Curral e a Pampulha, entre outras de igual importância para a cidade. 

Diante de tudo isso, depois de quatro anos de idas e vindas do projeto do Plano Diretor, sem a homologação adequada e sem muita vontade política em acatar ipsis litteris o que foi aprovado na Conferência, resta à população fiscalizar os trabalhos do Executivo e do Legislativo, requerer respeito às propostas votadas e aprovadas pelos delegados, acompanhar a tramitação do novo texto, comparecer às audiências públicas convocadas, propor emendas populares ao Plano Diretor e reivindicar celeridade na conclusão do projeto, com respectivas sanção, promulgação e publicação, para o efetivo cumprimento pelos munícipes. 

Cumpre asseverar que a população não deve ficar quieta ou silente, uma vez que o Executivo e o Legislativo não podem obstar o direito de manifestação popular, preferencialmente na defesa de questões de absoluto interesse da coletividade. A participação dos moradores da cidade é valiosa e indispensável.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental). 

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Comentários

  1. Já virou brincadeira de mau gosto esse Plano Diretor, com esse empurra daqui e empurra dali.. Se não pretendiam aceitar inteiramente o que foi votado na Conferência, para que isso então? Palhaçada. Ou aceitam o que os delegados da Conferência votam durante 6 meses ou param de abusar da paciência dos colaboradores. Sem lógica e sem a menor graça isso. Parabéns ao dr. Wilson Campos pelo artigo e pelo trabalho que desenvolve em prol da nossa querida BH. Ludmila Alves Q. Batista.

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