AS HOSTES, OS VASSALOS, OS SUSERANOS E OS SERVOS.
"As hostes, os vassalos e os suseranos relutam
em abandonar a majestade, restando aos servos o trabalho duro de quitar a
fatura. Mas, até quando? Ora, ao povo
basta deixar de ser servo e usar o direito de ser cidadão".
Hoje
são conhecidos como capitalistas. Mas, na verdade, são herdeiros dos senhores
feudais, e pretendem, com a minimização do estado, possibilitar a exploração
ilimitada dos trabalhadores, sem precisar ter receio de punições por estados
fragilizados.
As coisas mudaram. Os
feudos atuais não se restringem às terras do país. Há feudos privados na área
de licitações públicas, nas telecomunicações, na área automotiva, no setor de
energia, nas mídias, na área de mineração, no setor educacional, no setor
financeiro, no setor de saúde e nos feudos políticos, que passam de pai para
filho, sendo esse o pior de todos.
As armadilhas hoje são outras, mais ardilosas e perigosas. Os
novos feudos são compostos por oligopólios, sobre os quais o Estado tem pouco
ou nenhum controle. As operadoras de telecomunicações, por exemplo, estipulam e cobram os mais
elevados preços do planeta, oferecem os piores serviços e desprezam as regras
estabelecidas pela Anatel para a probabilidade de bloqueio e indisponibilidade.
E nada acontece com elas. Ao contrário, há estudos para aumentar o período de
concessão, como houve em relação às empresas de energia elétrica, que passaram
a contar com 30 anos de concessão pública, em vez das duas décadas inicialmente
estabelecidas, sem serem incomodadas. Feudos que se tornam, aos poucos,
eternos. E, por incrível que pareça, os servos, o "povo", a tudo assiste e nada faz.
Provavelmente,
haverá em breve feudos nas áreas de petróleo e gás, águas e esgotos, no setor
prisional, além da Justiça. Ocorre, nos tempos atuais, um retrocesso histórico de muitos séculos, mas que,
curiosamente, é chamado de avanço pelos neoliberais. Ou seja, a política inventa nomes que representam o contrário do que interessa ao país e ao povo.
Os servos sempre pagam a conta. Atualmente,
os usuários são os vilões, como eram chamados antigamente os moradores das
vilas, que viviam sob o jugo dos senhores feudais.
Nada satisfaz a ganância dos capitalistas ensandecidos pela facilidade da política interesseira. O
que se nota é que os novos senhores feudais, donos de grandes empresas, que
integram feudos modernos, não se contentam com todo esse ganho e ainda fazem
acordos e montam quadrilhas para assaltar o Estado. Contudo, os servos,
conhecidos como “povo”, com a chegada da internet, rápida e cheia de
informações, principalmente por meio das redes sociais, começam a querer dar
uma basta nessa coisa toda, tamanha a sujeira que se alastra país afora.
Ao horror
das hostes insolentes e teimosas na malversação da coisa pública, se opõe o
enfrentamento cívico de grande maioria da nação, que se reanima num rasgo
de esperança, quando ressurge na sua independência civilizada o impávido povo
soberano, trazendo para si a responsabilidade intransferível de exigir julgamento
e condenação dos infratores, concedidos o contraditório e a ampla defesa, proporcionando
à sociedade o direito a uma biografia limpa e destinando aos culpados as penas
e multas pelos crimes cometidos.
Sócrates, o
filósofo grego, precursor da ética e do diálogo, já afirmava às portas da
democracia ateniense que o homem devia servir à pátria com suas atitudes e agir
no interesse coletivo. Além disso, salientava que é dever do Estado formar
cidadãos sábios e honestos. E na esteira da sabedoria reconhecida por seus
contemporâneos, transmitia ao povo o melhor dos conhecimentos, das ideias e das
críticas, posto que na imensidão do mundo as fraquezas e qualidades do ser
humano se conflitam. E seu aprendiz, Platão, assinalava a necessidade da
atuação individual na busca do bem comum, indicando que nenhum governante deve
procurar vantagens para si, mas para os governados.
Os
ensinamentos foram passados, mas muitos não aprenderam a lição. Alguns nem sequer
leram ou escutaram de alguém as sábias palavras proferidas por tão ilustres
mestres, defensores incansáveis da perfeição moral do homem.
Na vida
cotidiana, os vassalos do mal, aproveitadores contumazes, assistem de cátedra
ao desmoronamento dos seus ídolos de barro e ainda gritam pelos cantos a sorte
dos destronados. Pobres indivíduos desamparados, agora pranteando incrédulos os
seus protetores jogados na lama que eles mesmos chiqueiraram. No entanto, os
vassalos do bem, homens e mulheres honrados, persistentes trabalhadores
curtidos no sol do batente diário, respiram mais aliviados, na crença do
resgate moral dessa fase delinquente.
Os
suseranos, senhores da maioria dos cargos e do dinheiro público por apropriação
indébita, acometidos de grandeza intocável e paciência limitada, algozes do
contribuinte indefeso e se achando donos do erário, disparam palavrórios
impublicáveis quando lhes tocam a túnica empedernida de autoridade que nunca
tiveram.
E a julgar
pelo andar da carruagem, agora desgovernada, morro abaixo na avaliação do
ético, resta por fim que ela devolva à lama os que dali nunca deveriam ter
saído. Irresignados, no repetido diapasão dos companheiros e apadrinhados
deserdados, agora atacam a sociedade, os moralistas, os transparentes, a
imprensa e todos que discordam deles, e blefam na espera de um perdão da
maioria do povo. Ora, data venia, só faltava essa, pedir perdão ao povo
que sempre foi alijado nos seus direitos constitucionais.
A alegada
"consciência dos inocentes" alinha-se ao desrespeitoso impropério de
chamar de hipocrisia o julgamento dos culpados, o que configura uma afronta à
Justiça e, em especial, aos ínclitos magistrados que, corajosamente, impõem
severas penas aos implicados nos processos. Das hostes e dos suseranos
condenados, se espera, além do cumprimento de sentença, o pagamento das multas,
a devolução do dinheiro e o banimento da vida pública.
A Idade
Média se foi há séculos, mas os suseranos ainda insistem nos servos aos seus
pés, de joelhos, submissos e prontos à entrega da continuidade feudal. Enquanto
os estados e municípios passam o pires, fincados na máxima de um pacto
federativo desigual, os privilegiados da cúpula amiga do poder se refestelam
nos gastos corporativos intermináveis, merecendo com urgência a mesma régua da
lei.
O julgamento
dos culpados não é o bastante para saciar a sede de liberdade, igualdade e
ética dos brasileiros, nem para satisfazer a sociedade em sua luta contra a
impunidade. A missão de moralização precisa continuar, todos os dias, e o povo
tem de estar atento às suas prerrogativas garantidas na Constituição da
República. Porém, não se iludam. As hostes, os vassalos e os suseranos relutam
em abandonar a majestade, restando aos servos o trabalho duro de quitar a
fatura. Mas, até quando?
Assim como à
democracia não se permite abrigar justiceiros acima da lei, se cobra da
sociedade a digressão entre os bons e os maus, consignando autoridade apenas
aos cidadãos íntegros e capazes de decisões sóbrias e equilibradas, sobretudo
com discernimento suficiente para conceder devidamente a quem quer que seja, o julgamento
justo, nos exatos termos da lei.
Há muito por
fazer. A superação de obstáculos é contínua e inseparável do sacrifício, quer
do Estado ou do povo. No país de sexta economia é preciso muito cuidado. Ao
contrário do que se vende, o país não está sob controle. Simplesmente caminha
lento para a desassistência dos estados e municípios, cada vez mais à mercê de migalhas
e pequenos favores federais. E suportando a cruel e escorchante carga tributária,
o contribuinte, desprovido de lastro financeiro, encontra-se cada dia mais
pobre, mas também mais indignado.
As hostes,
os vassalos e os suseranos se misturam, batem cabeça, discordam e tomam
caminhos diferentes, mas não cedem no domínio do poder e nem se oferecem ao sacrifício. Já os servos, excepcionalmente, tentam se unir, restando-lhes a
gigantesca missão de assumir a dívida social, conviver com o altíssimo custo de
vida e sofrer a desesperança em um governo acéfalo e notadamente reprovado, mas
não sem antes protestar com veemência contra os abusos, exigir punição severa
para os crimes, fiscalizar a devolução do dinheiro desviado, votar em
representantes probos e decentes, e redobrar energias para colocar a casa em ordem.
Ao povo
basta deixar de ser servo e usar o direito de ser cidadão. Mas, só isso? Não! Ao povo compete resgatar as suas garantias fundamentais asseguradas na Constituição; cabe fazer valer a sua vontade democrática, nos termos da lei; cumpre ajudar a passar o país a limpo e dar exemplo de cidadania, principalmente para os jovens; e cabe tornar esse país uma nação de verdade, digna e respeitada.
Wilson
Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses
Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental).
Primoroso!!! Excelente!!! Não precisa dizer mais nada, apenas sendo suficiente ler e interpretar. PARABÉNS DOUTOR WILSON. - Gilca C. B. Vasconcellos.
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