EMPRESA É ABSOLVIDA DE INDENIZAR EM R$100 MIL EMPREGADA COM INCAPACIDADE LABORATIVA.

Como será visto a seguir, nem sempre uma decisão em primeiro grau significa a garantia da mesma em segundo grau. O que se percebe no presente caso é a reversão de uma decisão judicial.  Vejamos como se deram os fatos:  

 

A Justiça do Trabalho absolveu uma empresa de telemarketing da capital mineira de pagar indenização a uma atendente que alegou ter adquirido incapacidade laborativa, com comprometimento da voz, em função do trabalho. O juízo da 46ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte havia deferido a indenização por danos morais de R$ 100 mil para a trabalhadora. Mas, na análise do recurso da empresa, julgadores da Terceira Turma do TRT/MG entenderam, por unanimidade, que a empregadora cumpriu seu dever de proporcionar um ambiente laboral seguro para a trabalhadora.

 

A atendente de telemarketing argumentou que, “considerando a impossibilidade de seguir exercendo o trabalho e a total inaptidão para o exercício de outras atividades, a empresa deveria ser condenada ao pensionamento vitalício pela incapacidade permanente gerada”. Enfatizou ainda, em razões recursais, que “a empregadora deveria pagar de uma só vez a indenização referente à pensão vitalícia pela redução da capacidade laborativa”.

 

Mas, ao proferir seu voto, o juiz convocado relator, Vitor Salino de Moura Eça, reconheceu que a empresa forneceu treinamento adequado, transferindo a trabalhadora para função que exigia bem menos da voz, quando descobriu que ela era portadora de disfonia e alterações das pregas vocais. Segundo o relator, a empregada informou que se sujeitava a metas, mas não se queixou de cobrança excessiva de cumprimento delas.

 

“Tampouco reclamou de jornadas de trabalho exaustivas. Pelo contrário, relatou ao perito que cumpria jornada compatível com sua função, com gozo dos intervalos legais”, pontuou o relator, lembrando que a autora do processo admitiu, inclusive, gostar do trabalho e ter bom relacionamento com a chefia.

 

Para o magistrado, tudo isso deixa claro que não houve abuso ou pressão excessiva por parte da empregadora para que a voz da reclamante fosse usada acima dos limites do que se espera para o exercício regular da função de atendente de telemarketing. “Logo, a reclamada não agiu com culpa e, portanto, não pode ser civilmente responsabilizada pelo infortúnio laboral”, concluiu o julgador, que deu provimento ao recurso das duas empresas, que eram rés no processo, absolvendo-as da condenação ao pagamento de indenização por dano moral e material.

 

O julgador ressaltou, porém, que foi provado nos autos o deferimento do auxílio-doença, antes do encerramento do contrato de trabalho, e o acolhimento da reclamante pelo INSS, com encaminhamento para reabilitação. De modo que, “enquanto não for reabilitada para atividade profissional, estará a obreira no gozo de auxílio previdenciário e, constatada a impossibilidade de reabilitação, eventualmente será aposentada”.(Processo PJe nº 0010138-86.2019.5.03.0184). Fonte: Portal TRT/MG.

 

Assim, diante do exposto, a segunda instância entendeu que não existiu culpa por parte das empresas reclamadas e absolveu-as da obrigação de indenizar a reclamante.

 

Oportunamente, vale fazer algumas observações quanto à incapacidade laborativa, a saber:

 

A incapacidade laborativa é a impossibilidade de a pessoa desempenhar as atribuições definidas para os cargos, funções ou empregos, provocada por alterações patológicas decorrentes de doenças ou acidentes. A avaliação da incapacidade deve considerar o agravamento da doença, bem como o risco à vida do trabalhador ou de terceiros, que a continuação do trabalho possa acarretar.

 

A rigor, o conceito de incapacidade deve compreender em sua análise os seguintes parâmetros: o grau e a duração da incapacidade e a abrangência da tarefa desempenhada.

 

1) Quanto ao grau, a incapacidade laborativa pode ser parcial ou total: a) considera-se como parcial o grau de incapacidade que limita o desempenho das atribuições do cargo, sem risco de morte ou de agravamento, embora não permita atingir a média de rendimento alcançada em condições normais; b) considera-se como incapacidade total a que gera impossibilidade de desempenhar as atribuições do cargo, função ou emprego.

 

2) Quanto à duração, a incapacidade laborativa pode ser temporária ou permanente: a) considera-se temporária a incapacidade para a qual se pode esperar recuperação dentro de prazo previsível; b) considera-se permanente a incapacidade insuscetível de recuperação com os recursos da terapêutica, readaptação e reabilitação disponíveis à época da avaliação pericial.

 

3) Quanto ao comprometimento do desempenho das atividades do cargo, a incapacidade laborativa pode ser classificada como: a) Restrita - permite ao trabalhador desempenhar acima de 70% das suas atividades. Indicação: restrição de atividade. O impedimento alcança apenas uma atividade; b) Moderada - abrange diversas atividades profissionais; c) Total - implica na impossibilidade do desempenho de toda e qualquer atividade laborativa.

 

Cumpre ressaltar que a presença de uma doença, por si só, não significa a existência de incapacidade laborativa. O que importa, por exemplo, na análise do perito oficial em saúde é a repercussão dessa doença no desempenho das atribuições do cargo.

 

No caso concreto apresentado acima, o magistrado entendeu que restou provado nos autos o deferimento do auxílio-doença, antes do encerramento do contrato de trabalho, e o acolhimento da reclamante pelo INSS, com encaminhamento para reabilitação. Daí o seu entendimento também no sentido de que, enquanto não for reabilitada para atividade profissional, estará a trabalhadora no gozo de auxílio previdenciário e, constatada a impossibilidade de reabilitação, poderá ela eventualmente se aposentar ou pleitear esse direito junto à Previdência Social.

 

Indo mais longe, no caso de aposentadoria futura, ainda relativamente ao presente caso concreto acima, a empregada deverá ficar atenta para os detalhes que envolvem o Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho (DVRT), que é uma situação que, atualmente, mostra-se frequente tanto como causa de absenteísmo ou reabilitação funcional, como de afastamentos prolongados do trabalho. Segundo alguns peritos, atualmente, não são encontrados parâmetros comparativos objetivos que direcionem a análise pericial em distúrbios vocais. Contudo, o DVRT pode causar, em determinadas situações, incapacidade laboral, e pode, muitas vezes, estar relacionado a doenças do trabalho ou fatores concausais.

 

Muito bem, para encerrar, vamos explicar esses fatores concausais:

 

As patologias do trabalho não são apenas aquelas causadas por um fator laboral, mas também as agravadas por um agente presente no ambiente de trabalho, ou seja, fator concausal. Observa-se então que a concausa é outra causa que, somada à principal, concorre com o resultado, não iniciando o processo causal nem o interrompendo, apenas reforçando-o. O princípio da concausalidade, segundo o qual não se exige que o trabalho seja a causa exclusiva do mal incapacitante, somente foi adotado pelo Decreto-Lei nº 7.036/44. Esse princípio vigora até hoje e está expresso no artigo 21, inciso I da Lei nº 8.213/91, in verbis: “Art. 21 - Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I) o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação”.

 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG). 

 

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Comentários

  1. José C arlos V.T.Jr.13 de janeiro de 2021 às 15:46

    Obrigado Dr. Wilson Campos pois seu artigo me ajudou muito num trabalho da faculdade e a sua forma clara de explicar o caso me acrescentou conhecimento. Muito bom o seu blog que eu não conhecia mas passo agora a seguir e ler. Parabéns pelo trabalho e pela aula. Att José Carlos VTJr.

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