DISRUPÇÕES PARA SURPREENDER O MUNDO.

A calamidade do coronavírus Sars-CoV-2, causador da pandemia da Covid-19 chegará ao fim, brevemente, sem dúvida. Tão logo isso ocorra as pessoas poderão voltar ao convívio dos amigos e da rotina do trabalho, mas nada será como antes, porquanto a vida tenha se apegado a outras possibilidades de um tempo excelentemente digital.

Cumpre esclarecer que o termo “disrupção” foi lançado pelo guru de Harvard, Clayton Christensen, em 1995, e ganhou força em 1997, a partir da publicação de seu livro “O Dilema da Inovação”. O termo tornou-se recorrente em encontros sobre inovação ou empreendedorismo.

A disrupção é uma ruptura que pode arrasar mercados, indústrias ou tecnologias comprovadas, enquanto produz e lança algo novo, útil, valioso, eficiente, com custo menor e acessível a todos. Também muda a forma como as pessoas pensam, se comportam e fazem negócios.

A disrupção do mercado não tem origem na tecnologia. É a estratégia ou modelo de negócios que a tecnologia aciona, que cria o impacto disruptivo. E o resultado é um ambiente anárquico, que causa sensíveis fissuras no mercado, na economia e na sociedade, por exemplo: desemprego, queda de lucro e até falência de empresas. Daí a constatação de que os concorrentes são forçados a diversificar.

O termo tem sido utilizado cada vez mais no contexto empresarial frente à série de disrupções que ocorrem no mundo por meio das startups, como Netflix x Blockbuster; Airbnb x redes de hotéis; Uber x táxis; WhatsApp x serviços de SMS; Nubank x bancos; Wikipedia x enciclopédias; entre tantos outros casos conhecidos.

Nesse sentido, vamos a dois exemplos clássicos e de notório conhecimento público:

1º) É o caso da Kodak, que já foi a maior empresa de fotografia do mundo, com 90% das vendas de filmes e 85% das vendas de câmeras nos Estados Unidos, nas décadas de 1970 e 1980.  Tinha cem mil empregados e um lucro de bilhões. Hoje nem chega perto do que já foi e tenta se reinventar, após falir em 2012.  Na década de 1980, seus produtos foram substituídos pelas câmeras fotográficas digitais que tiveram um ciclo de vida curto e foram trocadas pelos smartphones. 

2º) É o que aconteceu com as frotas de táxi de cooperativas substituídas pelos aplicativos Easy Taxi, Cabify e Uber (líder de mercado).  O Uber transformou definitivamente a maneira como as pessoas se locomovem no mundo. Uma empresa avaliada em 15 bilhões de dólares, com investidores como Goldman Sacks e Google e, mesmo sendo uma das maiores empresas de transporte urbano, não possui carro próprio nem frota.

Das várias inovações disruptivas, o celular tornou-se o dispositivo mais popular do mundo, com as mais diversas funcionalidades que os aplicativos proporcionam.  E saibam que, segundo dados divulgados, o mundo tem 3,4 bilhões de pessoas conectadas à Internet, de forma que cerca de 4 bilhões ainda estão desconectadas ou com conexões de baixo alcance. Ou seja, quem conseguir conectar este potencial mercado, com certeza vai alcançar múltiplos ganhos.

Alguns especialistas hiperconectados com as tecnologias de ponta e empreendimentos e organizações de porte, aduzem quase sempre que em tempos difíceis como o atual, de pandemia da Covid-19, a disrupção se faz presente, mas para esse entendimento torna-se necessária uma reflexão a respeito de três graus de inovação: inovação incremental, radical e disruptiva. Vejamos:

Inovação incremental - trata-se do aperfeiçoamento de produtos, processos, serviços. É como se estivéssemos subindo uma escada, degrau a degrau, ou seja, incrementando ação após ação. Por exemplo, o lançamento de um novo modelo de iPhone pela Apple.

Inovação radical – trata-se de uma mudança drástica na maneira que o produto ou serviço é consumido. Geralmente, traz um novo paradigma ao segmento de mercado, que modifica o modelo vigente de negócios sem passar, substancialmente, por um processo gradual. Pulam-se vários degraus. Aqui temos o exemplo dos CD Players para MP3. O salto foi grande, de um produto a outro.

Inovação disruptiva – trata-se de uma espécie de inovação radical, mas de maiores magnitudes, pois o impacto é tão grande que acaba gerando uma mudança no comportamento de consumo, tornando soluções anteriores obsoletas, ou seja, em vez de subir os degraus, muda-se para o elevador. Já aqui temos o exemplo do Spotify, que mudou o mercado da música, não só para os consumidores, mas também para os demais stakeholders.

Percebe-se, diante do que foi dito, que a inovação surge a partir de uma intersecção entre mudanças no mercado (às vezes quase imperceptíveis) e lançamento de novas soluções. O estabelecimento de um novo status quo ocasionado pela disrupção é dado pela solução lançada, e não pelo contexto. Ou seja, a explicação é que, teoricamente, a  disrupção seria causada pela introdução de uma nova solução no mercado, gerando as mudanças no contexto.

No entanto, os tempos de pandemia da Covid-19 trouxeram novidades, inversamente, exigindo repensar as estruturas do trabalho, as responsabilidades do poder público e privado perante as vulnerabilidades, o acesso à saúde coletiva, além de mudanças práticas e imediatas para pelo menos uma parcela da população, a saber:

  • Escolas não podem dar aula presencial;
  • Restaurantes não podem receber as pessoas;
  • Reuniões não podem ser presenciais;
  • Trabalho deve ser remoto (home-office);
  • Máscaras são de uso obrigatório e álcool em gel recomendado;
  • Turismo quase inviável;
  • Teatro, cinema, museu, festas e outras formas de entretenimento estão impossibilitadas;
  • Aumento de consciência sobre aspectos sociais e ambientais, tanto na população quanto em organizações

Todos esses (dentre tantos outros) “produtos e serviços”, que tiveram seu status quo abalado, passaram a ter necessidade imediata de inovar, seja digitalizando, criando novas soluções para novos problemas gerados pelo novo contexto, mudando a mentalidade para se tornar mais ágil, pivotando os negócios ou alterando processos e gestão interna.

Assim, talvez pela primeira vez na história recente, as organizações é que estão sofrendo disrupção, e não causando a disrupção. Ora, em diversas situações tem sido dito que a pandemia acelerou transformações, que iriam acontecer de qualquer jeito, mas em longo prazo. É mais ou menos como se o coronavírus tivesse criado uma máquina do tempo e transportado as pessoas para vários anos à frente. Esse salto no tempo dado pela aceleração (ou disrupção) cria e amplia diversos problemas para organizações e pessoas em diferentes proporções.  

Surgiu então a necessidade urgente de adaptação. Isso tem feito com que as organizações restem expostas e, muitas vezes, ofuscando novas possibilidades. Enquanto precisam lidar com os infinitos problemas causados pela pandemia, é complexo dedicar atenção para certos fatores sociais e casos de gestão pura, e decidir como utilizar suas capacidades e criar novas possibilidades para inovar e resolver as lacunas que surgiram.

Não resta dúvida que a pandemia de Covid-19 tem ensinado na marra muitas coisas novas em diversos aspectos pessoais e profissionais. As pessoas, salvo as exceções, parecem estar mais conscientes diante dos notórios estímulos à boa cidadania provocados pela própria população no sentido de ajudar o pequeno comércio, a não estocar alimentos, a utilizar máscara, a usar álcool em gel ou a lavar bem as mãos com água e sabão, e a respeitar o distanciamento social. Além disso, percebe-se um crescimento nas discussões e movimentações do mercado para que empresas estejam mais alinhadas ao critério de sustentabilidade ou ESG (Environmental, Social and Governance), buscando melhorar seu desempenho socioambiental, e não apenas econômico.

De sorte que as organizações enfrentam um desafio grande de como incrementar a inovação em face de tantos males e problemas surgidos pela força da doença invisível do coronavírus. Para além de tentar sobreviver à tempestade, as organizações precisam se tornar fortes e preparadas para futuras demandas e turbulências.

Tão logo passada a fase dramática da calamidade do coronavírus, as organizações precisarão, com assertividade, imprimir uma gestão interna transparente, horizontal, meritocrática, ágil e voltada à diversidade e ao comportamento empreendedor. A motivação deve ser trazida de volta e os projetos e as ações devem ser retomados. E, por certo as inovações disruptivas voltarão a facilitar os processos, oferecerão poder de escolha ao consumidor, reduzirão preços dos produtos e os tornarão acessíveis a mais pessoas.

Não nos esqueçamos que a derrocada das locadoras de vídeos se deve hoje ao Netflix – serviço de assinaturas de filmes e séries de TV pela Internet do mundo, com mais de 100 milhões de assinantes, presente em 200 países, que proporciona entretenimento em qualquer momento e lugar pelo aplicativo no celular. E não nos esqueçamos também que, conforme citado acima, prevalecem inovadores os casos de disrupções pelo mundo por meio de startups. Vale repetir os exemplos de Netflix x Blockbuster; Airbnb x redes de hotéis; Uber x táxis; WhatsApp x serviços de SMS; Nubank x bancos; Wikipedia x enciclopédias; entre outros.     

Merece destaque o surpreendente mundo do bilionário da corrida espacial, o disruptivo Elon Musk, que pretende conectar os consumidores do Planeta Terra. O genial Musk vai lançar seu projeto XStarlink distribuindo, inicialmente, 4.425 satélites de pequeno porte, de um total de 12 mil, e assim concorrer com grandes players nesta briga que promete ser de gigantes. Imagina o leitor ou a leitora o sucesso que Elon vai fazer aqui no Brasil, onde, relativamente, o acesso ainda é precário.

Outro dado surpreendente, mas nem tanto, é o de que as transações bancárias pelo celular ultrapassaram aquelas feitas em computadores. E, por conseguinte, a venda de PCs caiu pela metade. Seriam essas, outras disrupções do mercado inovador? Avalie você e faça sua conclusão.

O certo é que, por mais que seja crível para uns e impensável para outros, as disrupções acontecem já há algum tempo. A cada novos ciclos, de cinco ou dez anos, notáveis disruptivos, grandes gênios e idealistas do progresso são detectados e homenageados - aqueles que aprimoram os processos e criam soluções para os problemas das pessoas, de maneira que suas disrupções conectem a sociedade massificada em torno de um bem comum. O sucesso dos disruptivos é inegável.

Não há como negar também que o impacto do mundo hiperconectado nas empresas é grande. Porém, a reação está acontecendo, mesmo que lentamente nesses duros e difíceis tempos de pandemia. Muitas indústrias estão sendo redesenhadas não para conceber novas descobertas, mas para criar usos para o que já existe, procedimentos mais acessíveis e uma nova maneira de ver o mundo. Os executivos devem superar seus preconceitos e reconhecer que todos os mercados sofrerão eventualmente disrupção em algum nível.

Nesse mundo já tido como hiperconectado, as disrupções surpreendem e vão surpreender cada vez mais. A disrupção não perdoará empresas mais acomodadas, mesmo as bem-sucedidas. A inegável realidade da disrupção significa que mesmo a empresa mais consolidada precisa estar prevenida e pronta para se adaptar. A economia em todo o mundo está sendo sacudida por jovens empreendedores com mentalidade disruptiva e exponencial. Um conjunto de tecnologias em evolução, combinadas com fatores sociais e comportamentais, está provocando mudanças radicais no nosso jeito de viver e conviver. As disrupções vão surpreender você!

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).

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Comentários

  1. Muito legal. Bom saber. O mundo disruptivo para melhor servi a humanidade.
    Tomara que seja assim para o bem de todos. Obrigado dr. Wilson pelas modernas informações. Blog 10. Valeu!!! Breno Jr.

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  2. César G. G. Grossi.20 de abril de 2021 às 19:15

    Dr. Wilson Campos, esse tema me interessa muito e acho fantástico como a evolução acontece. Eu gostaria de enviar pro senhor um email com um trabalho que fiz na faculdade sobre essas mudanças radicais nos produtos, serviços e preços. Posso fazer isso Dr?
    O senhor lê vê e me dá o seu conceito. Pode ser? O seu artigo é sempre bom de ler. Eu já fiz trabalho da faculdade consultando seus artigos e recebi avaliação 10. Ok? Obrigado. Abrs. César G G Grossi

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  3. Catherine D. Las Casas20 de abril de 2021 às 19:24

    Parabéns Dr Wilson pelo texto. O meu marido disse que o senhor torna fácil até assuntos complicados , mas eu tenho saudade da minha Kodak que tirava fotos e eu revelava e tinha como guardar e mostrar para família, parentes e amigos. Hoje está mais sem graça. Enfim mais um texto admirável. Att. Catherine D. Lascasas de Noronha.

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  4. Muito bom. Vou estudar sobre isso. Muito interessante. Muito bom. Agradeço. Gegê P.

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  5. Adorei o texto e melhor ainda o final

    "Nesse mundo já tido como hiperconectado, as disrupções surpreendem e vão surpreender cada vez mais. A disrupção não perdoará empresas mais acomodadas, mesmo as bem-sucedidas. A inegável realidade da disrupção significa que mesmo a empresa mais consolidada precisa estar prevenida e pronta para se adaptar. A economia em todo o mundo está sendo sacudida por jovens empreendedores com mentalidade disruptiva e exponencial. Um conjunto de tecnologias em evolução, combinadas com fatores sociais e comportamentais, está provocando mudanças radicais no nosso jeito de viver e conviver. As disrupções vão surpreender você!"

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  6. Maria Tereza C. Santiago21 de abril de 2021 às 12:20

    Que artigo bem escrito e bom de ler, diferente de outros que complicam com termos que ninguém consegue saber do que se fala. Parabéns Dr. Wilson adv o senhor sabe o camainho da informação e de como prender seu leitor assíduo. Blog maravilhoso. Att. Maria Tereza S.S.

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  7. Dr Wilson esse gênio do Elon Musk é uma coisa de louco, muito criativo e rico que só ele. As novidades que o senhor disse que chama disrupção é uma beleza de criação. São mudanças que melhoram e facilitam a vida de todos. Os exemplos mostrados são coisas boas e fazem a vida mais fácil e divertida. Gostei demais do artigo. Maravilha. Agradeço. Nayara Pereira.

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