TRISTE HORIZONTE.


No dia 21 de dezembro de 2020 escrevi um artigo sob o título “BH está triste e envergonhada”. Passados 115 dias, refiz o mesmo percurso narrado naqueles rabiscos e constatei a piora da paisagem. Transitei por várias ruas e avenidas da nossa querida Belo Horizonte. Passei pela avenida do Contorno, a certa altura adentrei a Savassi, contornei pela avenida Getúlio Vargas, fui no sentido da Praça da Liberdade, desci a rua Gonçalves Dias, cruzei a avenida Bias Fortes, virei na rua São Paulo, subi até a avenida Augusto de Lima, peguei no sentido da avenida Amazonas, cortei reto para a rua Goitacazes e segui rumo à Pampulha.

Apenas nesse trajeto, em pouco mais de uma hora, registrei, visualmente, muito lixo espalhado pelas ruas, avenidas e canteiros centrais. Um cenário deprimente, com fortes sinais de abandono, que dá para sentir no ar o mau cheiro exalado das lixeiras lotadas e dos pequenos lixões formados a céu aberto em plena região Centro-Sul da capital. E vale observar que, nos finais de semana, a coisa piora ainda mais.  

A outrora Cidade Jardim, que causava orgulho a todos e recebia elogios nacionais e internacionais, hoje não passa de uma metrópole sem atrativos, sem beleza e totalmente descuidada, relegada a segundo plano, haja vista a sofrível administração municipal que pouco ou nada faz para melhorar o triste panorama causado pelo pânico da pandemia. Aliás, todo mal feito agora é colocado na conta do coronavírus, pois, fica fácil culpar algo ou alguém e ficar distante dos problemas, restando clara a inércia da gestão pública. E nossa cidade está cada vez mais sombria, suja, desumana e abandonada.

Para maior tristeza desse belo-horizontino, que tanto respeita e estima essa cidade, a paisagem geral, independentemente se do centro ou dos bairros, denota indiferença do poder público, que não atua com assertividade para resolver a seríssima questão, por exemplo, das pessoas em situação de rua, entregues à própria sorte, sejam elas subjugadas pelos vícios em álcool e drogas ou pelo desemprego, e que, sem opção, transformam as vias públicas em banheiro e moradia.

Vale contemporizar que os moradores de rua não representam riscos à sociedade pelo fato de serem pobres, sem teto e sem emprego. Ao contrário, eles é que correm riscos, em face da virulência da Covid-19, da falta de higiene local e da ausência de banheiros químicos ou itinerantes que lhes possibilitem um mínimo de assepsia e dignidade. Mas a prefeitura tergiversa e não toma iniciativas, pois, as cabeças pensantes municipais estão voltadas para fechar isso, proibir aquilo, multar outrem e decretar contra tudo e todos que contrariem sua autoritária decisão. 

Nem todos os moradores de rua são viciados, violentos ou de má índole. No entanto, membros da sociedade reclamam de alguns que gritam, ofendem e ameaçam quem não lhes atende em algum pedido. Ora, isso não é correto nem admissível, uma vez que não se podem permitir abusos e agressões às pessoas de bem, independentemente da situação de penúria dos moradores de rua. O respeito, nesse caso, é uma via de mão dupla, e o cumprimento da lei e da ordem é paradigmático, e não cogita permissividade ou condescendência. Tratar os moradores de rua com civilidade e humanidade é uma obrigação da sociedade e da municipalidade, mas daí fazer vista grossa aos atos de violência e vandalismos que porventura cometam, vai uma diferença muito grande e seria errar duplamente.  

Enquanto a prefeitura não age para colocar um fim nessa situação dramática das pessoas em condição de rua, os gestores públicos podiam perfeitamente fazer parcerias com a iniciativa privada e disponibilizar banheiros móveis, lavanderia, barbearia e pequenas farmácias, adaptando para isso alguns ônibus mais antigos e ociosos, que passariam nos locais para atender essa demanda de higiene e saúde. Essa ideia não é nova e já foi implementada em cidades brasileiras. Basta vontade política e desejo de dar dignidade ao ser humano. Isso é o mínimo que o poder público deveria fazer para driblar um pouco a desigualdade e a vulnerabilidade sociais, até que surja uma solução definitiva e melhor para todos.

O problema do lixo, mato e sujeira que tomam conta da cidade precisa ser enfrentado de frente e essa obrigação é da prefeitura. O desasseio está espalhado pelo centro e pelos bairros, numa declarada guerra de pouca ou nenhuma civilidade, de pouca ou nenhuma educação e de pouca ou nenhuma gestão municipal. Já o problema de humanizar as relações com as pessoas em situação de rua é uma obrigação da sociedade e do poder público, que podem somar esforços no sentido de viabilizar parcerias público-privadas e minimizar o sofrimento dessa parcela da população cada vez mais carente e necessitada, que cresce mais e mais a cada dia.  

Se a prefeitura está realmente preocupada com o cidadão e com a prevenção contra o coronavírus, uma das principais armas para combater e evitar a transmissão deste e de outros vírus é a prática de higiene. Por isso, a cidade deve estar limpa, varrida, sem mato, sem entulhos e sem lixo espalhado pelas vias públicas. Ora, quando se fala dos hábitos de higiene pessoal, logo vem à mente tomar banho e escovar os dentes, mas essas atitudes não são as únicas importantes para a saúde, pois, para afastar o risco de doenças, principalmente em tempos de pandemia da Covid-19, vale a pena observar todas essas recomendações: lavar bem as mãos várias vezes ao dia; caprichar no banho; aparar as unhas; cuidar do cabelo; escovar os dentes; usar roupas limpas e incorporar hábitos de higiene à rotina diária; além de cumprir os protocolos sanitários exigidos.

O papel da prefeitura e de seus respectivos gestores é administrar a cidade para todos e não para alguns. Portanto, já passa da hora de as autoridades saírem às ruas, nas manhãs, tardes e noites, e adotar medidas protetivas eficientes a favor da sociedade, e isso inclui cuidados muito especiais com a higiene e a limpeza nas vias públicas, seja no centro ou nos bairros. O papel da prefeitura não pode ser tão somente criar decretos e multar pessoas físicas e jurídicas, mas cuidar da sua gente, sem preciosismo, sem privilégios e sem distinção.

Por mais que a administração da cidade esteja tentando cumprir a quarentena à risca, ainda assim precisa sair do cômodo lugar comum e combater o risco de contaminação por agentes externos, como é o caso do lixo, da sujeira e do mau cheiro nas ruas, avenidas e praças, e da falta de condição de higiene para aqueles que moram debaixo de marquises e viadutos, e que sempre esperam contar com a humanidade da população e com a atenção do poder público.

De nada serve a sociedade fazer a sua parte e a prefeitura deixar de cumprir com sua obrigação regular. As vias públicas não podem servir de banheiro, de depósito de lixo doméstico ou de descartes a céu aberto, sob pena de os cidadãos arcarem com as consequências advindas da chafurda e do desasseio, que, além das doenças, atraem bichos peçonhentos, baratas, escorpiões e agravam os riscos de contaminação pela ação dos mais diversos vírus. E, em razão de tudo isso e de todas as mazelas urbanas, lamentavelmente, temos hoje um triste horizonte.   

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).

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Comentários

  1. Maravilhoso seu texto. Não 10.
    Continue assim. Att. Vânia Albuquerque.

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  2. Eu quis dizer nota 10.

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  3. Eu também gostei muito. Nota 10 mesmo com louvor. Abr. Toninho M.

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