ERA UMA VEZ, UM CORDEIRO QUE SE TORNOU LOBO.

 

Era uma vez, um indivíduo que se dizia apolítico, não ter nascido para a política, e que acabou sendo eleito para um cargo público com o slogan “chega de político”.

A estratégia adotada do “não sou político” funcionou. Eleito, o indivíduo foi carregado nos ombros pelos eleitores e aclamado em praça pública. A esperança de parcela da sociedade era de mudanças e melhorias, longe dos vícios da política de sempre.

O novo administrador tomou posse e, sempre acompanhado de seu séquito, encaminhou-se para a sede do Paço Municipal e foi recepcionado com incontáveis aplausos previamente ensaiados pelos colaboradores. Muitos sorrisos e apertos de mãos coroaram a celebração.

Um novo jeito de governar a cidade estava surgindo, ao que parecia, e os espectadores vibravam até com o jeito rude do discurso, denotando simpatia geral da plateia pelo surgimento do “chega de político” e da nova face severa de gestão para bem servir, como fora prometido em campanha.

Pouco tempo se passou e o “apolítico” se viu mais político do que nunca. Os eleitores se assustaram com mudança tão repentina. Aquele que se dizia “povo” se transformou em “cacique político” bem antes de terminar o primeiro mandato. O indivíduo que se avaliava isento de trejeitos e falácias políticas foi picado pela mosca azul do poder. O cordeiro se tornaria lobo muito brevemente.

Na medida em que tomava gosto pela política, mais o administrador se afastava do contato direto com o povo que o elegera. Aos poucos, o acesso a ele só era possível por meio de seus assessores, uma vez que sempre se instalava em labirintos indecifráveis, como na história de Ariadne e Teseu, mas sem os fios do novelo de lã pelos quais se guiar. O desafio, claro, era já encontrar um lobo em pele de cordeiro.

O labirinto da mitologia em nada se assemelha aos labirintos de hoje, representados pelos decretos de gestor autocrata, posto que vivemos há muito aprisionados em cavernas com medo de sermos devorados pelo monstro da doença polarizada pela política, que insiste no pânico da população, embora já exista o remédio, que vai sendo distribuído, mas não de forma a incapacitar outro monstro, cartorial, que ora se reveste de Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário.

De fato, com o tempo, o cordeiro transformara-se em lobo. A política, que não era pré-requisito, tornou-se a leitura de cabeceira. O caos se instalou. A discórdia, o ódio e o antagonismo provocados em razão do fim do entendimento, ultrapassaram o campo da política e adentraram o “estado natural” descrito por Thomas Hobbes, de que o homem é o lobo do homem.

Contudo, acabar com os labirintos é medida urgente. Reorganizar a cidade é preciso. Não mais é possível tolerar esse ambiente lúgubre, derrotista e de transmutação. Basta de cordeiros se tornarem lobos. Chega de metamorfoses. E deixem os sinos badalarem, os cânticos ecoarem, os serviços e os negócios funcionarem, e as pessoas viverem.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG). 

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de quinta-feira, 15 de abril de 2021, pág. 29).

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