DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS EM XEQUE.

 

Não que precisasse, mas a pandemia da Covid-19 provocou o surgimento de um cenário tragicômico no Brasil, onde autoridades públicas abusam do autoritarismo e usam a caneta para decretar medidas absurdas, quase sempre contrárias ao que dispõe o texto constitucional, seja colocando em xeque os direitos e garantias fundamentais do indivíduo ou fazendo leitura rasa e interpretação distorcida.

A crise sanitária se somou às crises política, institucional, constitucional e econômica. Nessa composição de crises surgem as ameaças aos direitos fundamentais e à própria democracia.  Daí a repercussão de questionamentos a respeito da solidez das instituições; da segurança jurídica em face da Constituição; dos riscos à democracia e do equilíbrio da economia.

Quase sempre alguém do povo clama por um artigo da Constituição (direito de ir e vir; direito à liberdade de expressão; direito ao livre exercício dos cultos religiosos; direito ao trabalho, ofício ou profissão; direito à livre iniciativa; entre outros). Mas será que o guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal (STF), tem dado tratamento adequado à Carta Magna e tem atuado com isenção nos momentos de instabilidade ou de crises? Será que a Suprema Corte merece a confiança do povo brasileiro quando se trata de julgar crimes políticos, crimes de responsabilidade, crimes do governo paralelo e crimes contra os direitos e garantias fundamentais do cidadão?

Tendo em vista o protagonismo na mídia e o ativismo judicial recentes do STF, falando mais à imprensa do que nos autos, será que a Corte está apta a julgar todas as pessoas com foro de prerrogativa de função? Será que o STF tem se comportado adequadamente e tem se mostrado à altura para processar e julgar o Presidente da República; o Vice-Presidente da República; os membros do Congresso Nacional (81 senadores e 513 deputados); os Ministros do próprio Supremo Tribunal Federal (11 membros); o Procurador-Geral da República; os Ministros de Estado; os Comandantes das Forças Armadas; os membros dos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM); os membros do Tribunal de Contas da União; e os chefes de missão diplomática de caráter permanente? Será que o atual Supremo se sairia bem no desempenho dessa missão?

Vale observar que essas perguntas não são para desmerecer ou desqualificar, mas tão somente porque se devem ao fato de que o STF tem cometido falhas terríveis em razão do seu ativismo judicial, das sentenças vazadas para a imprensa, das decisões erradas e das discussões e bate boca em público. Ou seja, raro é o dia em que os brasileiros dormem ou acordam sem que decisões polêmicas tenham sido tomadas por ministros da Corte.   

Nesse sábado de Aleluia (3 de abril), mais uma decisão monocrática de um ministro do STF criou um clima tenso no mundo jurídico. Ainda enfrentando o terrível coronavírus, o país assistiu o ministro Kassio Nunes Marques decidir que igrejas e templos poderiam abrir as portas para a realização de celebrações religiosas, obedecendo o limite de 25% de capacidade do público. Esclareça-se que a decisão contrariou as medidas até então adotadas por alguns estados e municípios que determinaram a suspensão temporária de eventos com possíveis aglomerações de pessoas. A decisão do ministro Nunes Marques vai no sentido contrário de decisões recentes do plenário do Supremo, que reconheceu autonomia dos governadores e prefeitos para decretarem medidas de isolamento para o combate à pandemia.

Nunes Marques julgou a liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que sustentou que a suspensão dos cultos e missas viola o direito fundamental à liberdade religiosa e o princípio da laicidade estatal. O ministro destacou que a atividade religiosa é essencial. Asseverou, ainda, que diversas atividades essenciais continuam durante a pandemia, como o transporte coletivo, supermercados, farmácias, postos de gasolina, etc., fato que evidencia a inadequação de não permitir a celebração dos cultos e missas.

A decisão do ministro teve maior repercussão ainda com a resposta imediata do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que ameaçou não seguir a decisão do ministro, com a seguinte mensagem nas redes sociais: “Em Belo Horizonte, acompanhamos o Plenário do Supremo Tribunal Federal. O que vale é o decreto do prefeito. Estão proibidos os cultos e missas presenciais”. No entanto, depois de pensar melhor na besteira que tinha falado, Kalil divulgou que iria obedecer a decisão do ministro Nunes Marques. 

Já nessa segunda-feira (5 de abril), o assunto polêmico ficou ainda mais acalorado com a negativa do ministro Gilmar Mendes aos requerimentos do Conselho Nacional de Pastores do Brasil e do PSD Nacional, para derrubar o decreto do governo de São Paulo que vetou atividades religiosas coletivas presenciais durante as fases mais restritivas do plano de combate ao coronavírus. Mas, diversamente ao entendimento de Nunes Marques e após indeferir a liminar nas referidas demandas, Gilmar Mendes afetou, com urgência, a matéria ao Plenário da Corte Superior, objetivando uniformizar a questão.

Acostumado aos holofotes da mídia, o ministro Gilmar Mendes propalou que “em um cenário tão devastador, é patente reconhecer que as medidas de restrição à realização de cultos coletivos, por mais duras que sejam, são não apenas adequadas, mas necessárias ao objetivo maior de realização da proteção da vida e do sistema de saúde”. Ou seja, o ministro Gilmar vota olhando um caso concreto, mas não enxerga casos semelhantes no seu entorno.

As decisões díspares dos dois ministros indicam uma batalha de argumentos a serem melhor defendidos no Plenário do Supremo, mas não sem antes causarem uma tremenda insegurança jurídica em situações que pareciam pacificadas na Corte. Todavia, em que pese a Lei 13.979/2020, editada para regulamentar as atividades durante a pandemia da Covid-19, permitir que estados e municípios, dentro de suas competências, possam restringir atividades, com escopo de salvaguardar vidas, isso não implica adotar dois pesos e duas medidas como têm adotado muitos prefeitos municipais, inclusive, o de Belo Horizonte. 

Como previsto, nesta quinta-feira (8 de abril), no início da noite, o Plenário do STF encerrou os discursos cansativos dos ministros e deliberou sobre a realização de cultos religiosos. Por 9 votos a 2, o Supremo decidiu que estados e municípios podem impor restrições a celebrações religiosas presenciais, com cultos e missas, em templos e igrejas durante a pandemia de Covid-19. Votaram contra a liberação das celebrações o relator Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Fachin, Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux. Foram votos vencidos os ministros Nunes Marques e Dias Toffoli.

Não foi nenhuma surpresa a votação, pois, o STF vem trabalhando insistentemente para contrariar o presidente da República, e a maioria dos ministros mostra certo regozijo em votar contra interesses do governo federal. De forma que, de acordo com a decisão, os estados e municípios podem proibir cultos e missas presenciais. Mas nada disseram os nobres ministros sobre centenas de outros locais sempre lotados e sem distanciamento. Aqui, também, como demonstrado, usam dois pesos e duas medidas.    

Os bares e os restaurantes não podem trabalhar; o comércio não pode abrir suas portas; os negócios não podem funcionar; os cultos religiosos não podem ser realizados; as reuniões, mesmo que familiares, não podem acontecer; mas, na contramão disso tudo, os ônibus circulam lotados; os metrôs estão abarrotados; os supermercados estão cheios; as filas nas portas dos bancos são enormes; os times de futebol estão jogando o campeonato nos estádios; os aviões são verdadeiras latas de sardinhas, com passageiros colados uns aos outros; entre tantos maiores absurdos que comprovam dois pesos e duas medidas por parte dos governadores e dos prefeitos.

Como visto, os direitos e garantias fundamentais são a bola da vez e estão em xeque. Contudo, independentemente da necessidade dos cuidados sanitários e da obediência aos protocolos da área da saúde, com distanciamento, uso de álcool em gel e recomendação para lavar as mãos com água e sabão várias vezes ao dia, isso não quer dizer que abusos e retirada de direitos devam ser proclamados.

Se é para ser coerente e agir dentro da legalidade, então, por óbvio que, se um não pode, ninguém pode. O tratamento deve ser igual para todos. Usar dois pesos e duas medidas é ilegal, imoral e importa muito, ainda mais quando parte da sociedade está refém do medo, do desemprego e da fome. O decreto precisa valer para todos e não para uns como vem acontecendo em várias cidades e capitais, que são comandadas por prefeitos autoritários, arrogantes, boquirrotos, demagogos e oportunistas. 

A Suprema Corte brasileira deu poderes demais aos prefeitos e eles agora agem como ditadores de republiquetas, mandando prender cidadãos de bem, fechar empresas e negócios, agredir homens e mulheres, e multar e humilhar os trabalhadores, principalmente os mais pobres, que precisam ir para as ruas vender picolé, água, pipoca, salgados, sanduíches, doces, verduras, frutas e demais produtos que representam o ganha pão e o sustento das famílias dessas pessoas.    

Os prefeitos tiranos, que usam a caneta e a força bruta como armas contra os pobres, não procedem da mesma forma contra os ricos donos de empresas de ônibus, contra os gestores dos metrôs, contra os proprietários de supermercados, contra os diretores de bancos, contra os dirigentes de times de futebol, contra os administradores dos aeroportos ou contra as empresas de transporte aéreo.

Os direitos e garantias fundamentais estão em xeque, posto que muitos não podem trabalhar e se teimam são presos, enquanto outros trabalham normalmente e não sofrem quaisquer reprimendas. Onde está essa diferenciação na Constituição Federal? Em qual lei consta esse tratamento diferenciado e esse uso de dois pesos e duas medidas?

Os brasileiros não podem permitir que lhes tirem os direitos e a liberdade. Acima do STF, dos governadores e dos prefeitos está o povo, e com ele estão a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores do trabalho e da livre iniciativa.

Encerrando, deixo duas lições de grandes mestres para reflexão: “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político” (Norberto Bobbio). “Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres. Não há recompensa possível para a quem tudo renuncia” (Jean-Jacques Rousseau).

Portanto, vamos juntos defender com unhas e dentes nossos direitos e garantias fundamentais e não vamos renunciar, jamais, à nossa liberdade.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG). 

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Comentários

  1. Estão querendo que o povo morra de fome e de tédio dentro de casa. Sem emprego, sem comida, sem lazer e sem vida. Isso é o que esses prefeitos babacas querem de nós povo cordeiro e gado. Quando o povo quer o povo reage então já passou da hora de enfrentar essa cambada de moleques que dizem governar os estados e as cidades e mostrar a eles o caminho certo, nem que seja a chicote ou bazuca. Ninguém aguenta mais tanta roubalheira e tanto diagnóstico de coronavirus. Ninguém morre mais de outras doenças, só de covid. Que isso? Que palhaçada é essa? Cadê as Forças Armadas que estão vendo o sofrimento do povo e não faz nada? Cade as FAs??? Dr. Wilson Campos mais um artigo para colocar na moldura e pendurar na parede depois de ler uma dez vezes. Parabéns. Excelente como sempre. Osvaldo P. Salgado de O.

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  2. SEM RETOQUES. MUITO BOM. SÓ NÃO ENXERGA QUEM NÃO QUER. PARABÉNS DR. WILSON. ATT. MÁRCIA PONTES.

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  3. O STF e seus ministros precisa agir como as Supremas Cortes de países adiantados agem, com cautela, dentro do processo e longe da imprensa. Juiz que se preza falanos autos como disse o Dr. WilsonCampos. Juiz que conhece do ofício age dentro do processo e não pelo calor das luzes das televisões. Esse nosso STF precisa aprender muito Dr. Wilson. Meus parabéns ao senhor por mais um artigo de primeira qualidade. Abração. Respeitosamente, sou Samuel P.R.Jr.

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  4. Dr. Wilson esses voos de 9 a 2 são claramente para ver que os ministros do PT estão contra o governo federal,e contra o presidente Bolsonaro. Esse Gilmar Mendes defende bandidos e dá habeas corpus como dá uma saudação de bom dia para amigos e esquerdistas ou quem paga mais. Esse STF é uma vergonha para os brasileiros e tomara que o impeachment de pelo menos uns 4 deles seja votado no Senado. Pelo amor de Deus ninguém aguenta mais esse STF e esses ministros. A mineira Cármen Lúcia vai onde o Gilmar vai e não tem opinião própria, é um desastre para Minas e para nós mineiros. Um desastre e uma vergonha ainda maior. Salve nos Deus dessa g ente. Depressa. Amém!!! Obrigada Dr. Wilson, o seu blog e seus artigos são excelentes e muito bem redigidos. Parabéns. Att: Marta M. Reis. (BRASIL!!!).

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  5. Eu vi um pedaço do teatro todo com os caras lendo o que seus assessores escreveram e as vezes empacando porque não entenderam nem o que estava escrito, porque eles só leem e não escrevem nada, são seus aspones que fazem tudo e obedecem ordens deles para fazer. Esses 9 votos a 2 mostram que a petezada do STF está unida. Então está na hora de tirar uma meia dúzia deles e impitimar mesmo os caras e colocar outros mais comprometidos com a Justiça e com a Constituição. Uns 10 que estão aí rasgam a Constituição todos os dias, com poucas exceções claro. Que vergonha para o Brasil e para o mundo. Lá fora esse Supremo nosso não tem valor nehum e serve de chacota internacional. Vergonha. |Vergonha. Meu caro Dr. Wilson onde vamos parar? Me diga por favor até quando vamos deixar isso acontecer? Gostei muito do que disse que acima do STF de governadores e de prefeitos está opovo. Cadê esse povo que não muda a cara desse nosso querido Brasil? Abraço fraterno doutor. Abr. Haroldo Macedo.

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