O CONSUMIDOR DIANTE DE INCORPORADORES IMOBILIÁRIOS INSOLVENTES.

 

Na data em que se comemora o Dia Mundial do Direito do Consumidor (15 de março), valho-me da oportunidade para tecer alguns comentários a respeito do consumidor diante das incorporadoras imobiliárias insolventes.

A insegurança do consumidor em relação aos empreendedores/incorporadores imobiliários ainda é muito grande, uma vez que os desafios levam a situações danosas e lamentáveis como aquelas vividas pelos adquirentes de unidades habitacionais que, em 1999, sofreram prejuízos imensos quando veio a falir a Encol. A bancarrota da empresa prejudicou cerca de 42 mil consumidores, que ficaram sem o imóvel compromissado e sem o dinheiro despendido.

Não há como negar que a indústria da construção civil tem papel relevante na economia do Brasil. A geração de empregos, o pagamento de uma infinidade de impostos e os mais diversos investimentos são realidades inegáveis em prol do crescimento e do desenvolvimento do país.

Também não se pode negar que a recomendação adequada para a atualidade seja que a construção civil empreenda com sustentabilidade e com segurança jurídica, para o bem do meio ambiente e para o bem do consumidor, respectivamente. Ora, nada mais justo que a construção civil se preocupe com o equilíbrio ambiental e com a satisfação do cliente, e não somente com seus lucros e dividendos.

Feita essa introdução, voltemos ao tema do título do presente artigo “O CONSUMIDOR DIANTE DE INCORPORADORES IMOBILIÁRIOS INSOLVENTES”, pois cumpre evidenciar aqui algumas observações pertinentes à proteção do adquirente de imóvel/unidade habitacional, seja pela Lei 4.591/1964, pela Medida Provisória 2.221/2001 ou pela Lei 10.931/2004 (que disciplina até os dias de hoje a formação do patrimônio de afetação, com a introdução dos artigos 31-A a 31-F na Lei de Incorporações, vinculando tal patrimônio exclusivamente à construção de determinado empreendimento imobiliário, tornando-o imune a eventual falência ou insolvência civil da empresa).

Por essas e outras, o legislador começou a entender a importância da proteção do consumidor diante de possíveis incorporadoras imobiliárias insolventes. Daí que surgiram as leis específicas 9.514/1997 (que disciplina o Sistema de Financiamento Imobiliário) e a 8.668/1993 (que regula os Fundos de Investimento Imobiliário), entre outras.

Porém, vale notar que a adoção do patrimônio de afetação não é automática, haja vista que se trata de opção da incorporadora imobiliária. Aliás, essa tal de adoção do patrimônio de afetação, na realidade, traz mais segurança aos adquirentes e valoriza o empreendimento, havendo também a possibilidade de as incorporadoras criarem ou não Sociedades de Propósito Específico (SPEs) e segregarem ou não parte de seus patrimônios para a consecução de determinado empreendimento.

Assim, uma incorporadora pode ou não constituir o patrimônio de afetação, o que não é obrigatório, mas há incentivos fiscais para a sua criação e a realidade tem mostrado grande adesão a essa espécie de segregação, que absorve todos os bens e recursos necessários para a construção de um empreendimento imobiliário, bem como responde pelas obrigações diretamente ligadas à construção.

Vale notar ainda o que dispõe o artigo 833, do Código de Processo Civil (CPC), que trata do objeto da penhora: Art. 833 - São impenhoráveis: XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra”.

Como visto, independentemente da segregação, consoante dispõe o artigo 833, inciso XII, do CPC, acima transcrito, são impenhoráveis os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias vinculados à execução da obra, o que possibilita a finalização da construção do empreendimento imobiliário mesmo diante das dificuldades financeiras da incorporadora, o que também representa proteção ao consumidor das unidades construídas.

Mas, isso basta para segurança do consumidor/adquirente?

Além do patrimônio geral da incorporadora ou de suas SPEs, precisa haver patrimônio reservado a determinado empreendimento. Essa posição é defendida pela doutrina: “Em qualquer das duas situações coexistem o patrimônio geral da sociedade, que abrange a totalidade dos direitos e obrigações integrantes do seu patrimônio geral, e o patrimônio dele destacado, que se restringe aos direitos e obrigações correspondentes à execução da obra, entrega das unidades vendidas e liquidação do passivo da construção” (CHALHUB, Melhim Namem. A afetação patrimonial e a recuperação judicial de empresa incorporadora. Revista de Direito Imobiliário. Vol. 87/2019. P: 245 – 270. Jul - Dez / 2019.

Em assim sendo e havendo patrimônio segregado, dispõe a lei que os adquirentes, no caso de atraso injustificado na construção ou de falência da incorporadora, podem assumir a obra, contratar outra construtora ou liquidar o patrimônio de afetação, vendendo seus ativos e pagando o respectivo passivo, de forma que seus bens não são arrecadados com a eventual falência da incorporadora.

De sorte que o patrimônio de afetação previsto na Lei de Incorporação Imobiliária protege os consumidores adquirentes das unidades contra a insolvência da incorporadora, garantindo-lhes de certa forma a conclusão e a entrega dos imóveis.

A Lei 11.101/2005 (que regulamenta a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária), também chamada de Lei de Recuperação de Empresas e Falência - LREF, em linhas gerais representa nova etapa na evolução do regime jurídico de insolvência empresarial. 

Esta referida lei faz referência ao patrimônio de afetação no seu art. 119, inciso IX, determinando proteção a esses patrimônios ao assegurar a destinação específica a determinado empreendimento, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados daqueles do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade.

Todavia, se a incorporadora vem a falir e não há patrimônio de afetação para a construção de seus empreendimentos, os seus bens serão arrecadados à massa e os adquirentes das unidades imobiliárias somente terão a opção de promover a habilitação de seus créditos de privilégio real na falência, em posição inferior aos créditos extraconcursais, trabalhistas e fiscais, o que os coloca na incômoda posição de não ser suficiente o ativo realizado para o pagamento de seus créditos.

Nesse ponto surge a dúvida: de quem é a preferência, em termos justos? A resposta é: além dos adquirentes das unidades habitacionais, a prioridade recai sobre outros credores igualmente despossuídos, como por exemplo, os trabalhadores. A seguir vêm o fisco e a previdência social. E, dessa maneira, sendo as unidades em estoque de propriedade do incorporador, com a decretação da falência, estas devem ser arrecadadas para venda e distribuição dos valores para pagamento dos credores da massa, conforme a ordem legal de preferência. Ou seja, óbvio, prevalece a ordem ditada pela lei.

Um alerta se faz necessário, posto que várias empresas estão fechando as portas ou simplesmente saindo do país neste ano conturbado de 2023. As políticas pública, econômica e estrutural do atual governo não propiciam confiança ao setor empresarial. Isso é grave. Isso denota crise geral. E essa crise pela qual passa o país também atinge o setor imobiliário e a construção civil.

Afora a politicagem vigente no país, as empresas sérias tentam resolver seus problemas. Muitas incorporadoras têm se utilizado da criação de Sociedades de Propósito Específico (SPEs) para realizar seus empreendimentos, bem como criam patrimônios de afetação atrelados à realização de determinadas obras. Com isso, surgem dúvidas relativas à proteção da posição dos adquirentes. Como fica a situação? Quais os riscos para os consumidores adquirentes em face da crise?

Diante dessas dúvidas, torna-se razoável ter em mente que é necessário separar os direitos e as obrigações que se referem a determinado patrimônio de afetação e ao patrimônio geral da incorporadora ou mesmo da SPE. Assim, as obrigações decorrentes de indenizações por atraso das obras ou por defeito nas construções são da incorporadora ou da SPE, se constituída. Já as despesas relativas ao financiamento da obra ou aos operários das construções devem ser atribuídas ao patrimônio de afetação.

Tão logo feita essa separação é possível compreender que não há óbice à recuperação das SPEs em litisconsórcio com a incorporadora, mesmo que estas tenham patrimônios de afetação, se as dívidas do patrimônio afetado não se submeterem à recuperação judicial.

Como dito anteriormente, a lei protege os adquirentes em caso de falência do incorporador e o patrimônio de afetação não é arrecadado, podendo os adquirentes darem seguimento à obra, que será administrada por uma comissão de representantes, ou, esses adquirentes liquidarem o patrimônio de afetação (art.31-F da Lei de Incorporação).

O certo de ver é que, apesar de alguma resistência de jurisprudências passadas, esse é o sentido para o qual tende a jurisprudência mais recente, podendo ser citados outros casos nos quais se admitiu à recuperação também as SPEs. E apesar da controvérsia sobre o assunto, pode-se dizer que não há óbice à recuperação em litisconsórcio com as SPEs com patrimônio de afetação, desde que respeitada a segregação do patrimônio de afetação, fazendo-se a devida separação entre as obrigações concursais e extraconcursais.

Atenção! O patrimônio de afetação é incomunicável com o patrimônio geral da incorporadora e nesse sentido ele não pode e não deve se misturar com o patrimônio geral da incorporadora ou da SPE.

Por interpretação proporcional pode-se dizer que a extensão da responsabilidade patrimonial pode servir como sanção e, no caso das sociedades que adotam o patrimônio de afetação, não foram os adquirentes que abusaram da personalidade, porque não exerceram a administração do empreendimento, e por isso não podem sofrer a sanção e serem afetados com o comprometimento do patrimônio segregado, que foi instituído justamente para lhes garantir a entrega das unidades.

Destarte, linhas gerais, revelam-se de grande importância os patrimônios de afetação que minimizam em boa medida o risco dos consumidores do mercado imobiliário habitacional diante das hipóteses de falência das incorporadoras. Ademais, na falta de disposições específicas da lei e diante dos cenários de seguidas crises na economia, que levaram muitas empresas do ramo à recuperação judicial, as soluções têm sido construídas na prática, desafiando o bom senso daqueles que atuam nessa área.

Diante de tudo isso, da complexidade do tema, das incertezas geradas pelas jurisprudências mais recentes, das crises econômicas e conjunturais do país e da ausência do governo no equilíbrio da balança, todos havemos de concordar que a construção civil reflete em grande medida a realidade do mercado imobiliário de habitação, que no Brasil é movido pelo elevado déficit de moradias.

Assim, torna-se clara e evidente a necessidade de segurança jurídica em prol do consumidor, que acredita e investe em um sonho de moradia digna, mas que fica sujeito a um cenário  cruel de seguidas crises econômicas, que vez ou outra afetam o país, as empresas do setor imobiliário e o bolso dele próprio, pobre consumidor.

Encerrando, vale reiterar que, no Dia do Consumidor (15 de março), os direitos, as garantias e a segurança jurídica precisam ser estabelecidos definitivamente, de forma a evitar prejuízos para os consumidores adquirentes de unidades habitacionais quando da ocorrência de insolvência das incorporadoras imobiliárias. Responsabilidade e segurança jurídica são indispensáveis.   

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Eu passei por problema parecido de ficar sem meu apartamento por causa de insolvencia da incorporadora e construtora. É difícil demais ficar esperando uma solução da Justiça e ver seu imóvel já quase quitado ser palco de briga judicial, etc. Essa forma de afetação que segura valores para término da obra é super valiosa e importante para o consumidor. Muito interessante o artigo dr. Wilson Campos, advogado, parabéns pelo blog e pelos artigos e obrigado por ajudar. At: Noah Riad.

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