AS MUDANÇAS NO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO



Quaisquer mudanças pensadas para o sistema previdenciário requerem equilíbrio e razoabilidade. Não há como discutir a reforma do sistema previdenciário com o olhar voltado para mais sacrifícios do trabalhador.

Uma eventual reforma nesse setor emblemático requer  a preservação e a garantia dos direitos dos trabalhadores que estão no mercado de trabalho.

Torna-se inadmissível que alguém do governo, ou de onde quer que seja, venha ditar regras que mudam inteiramente as expectativas de direitos de milhares de pessoas, que, a rigor, já adquiriram determinadas conquistas nos longos anos de labor. Um exemplo pode ser o caso de uma pessoa que vai se aposentar no próximo ano e nesse exato ano muda a legislação, retirando-lhe o direito de se aposentar. Ora, isso é extremamente prejudicial para essa pessoa e resta configurado o dano causado ao trabalhador.   

Vale reconhecer que algumas mudanças realizadas na Previdência Social foram positivas, como as implantadas via internet, que modernizaram os serviços, tornando-os mais acessíveis à população, mas isso não quer dizer que seja suficiente, posto que o trabalhador merece um tratamento digno, independentemente das dificuldades de logística da autarquia previdenciária.

Uma conquista muito importante para os idosos e aposentados é o Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003). Por esse Estatuto, os idosos hoje têm fila preferencial e contam também com assento reservado no transporte público, que é de graça. São direitos já bastante conhecidos e, muitas vezes, bem sinalizados, como é o caso das vagas para estacionar. Os direitos, contudo, vão além, senão vejamos: os maiores de 65 anos que não recebem nenhuma renda têm direito a um salário mínimo por mês; o idoso com doença grave e que recebe pensão ou aposentadoria é isento do imposto de renda; os maiores de 60 anos também têm direito a desconto de, pelo menos, 50% nos ingressos para eventos artísticos, culturais e esportivos; algumas prefeituras como as de Fortaleza, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre ainda oferecem isenção de IPTU, desde que o idoso tenha renda de até três salários mínimos e possua apenas um imóvel; as regras de reajuste dos planos de saúde também foram definidas com o Estatuto, uma vez que eles não podem mais ter aumento por faixa etária a partir dos 60 anos, valendo observar que os reajustes contratuais são válidos a cada 12 meses, diante da previsão legal e constitucional, mas o que é diferente e precisa ser destacado é quanto a essa mudança específica, da alteração e aumento em função da faixa etária.

Voltando à questão básica da reforma do sistema previdenciário, a Previdência Social não pode sofrer mudanças drásticas simplesmente para custear as despesas do governo, como se fosse um mero imposto ou uma simples obrigação acessória da sociedade.

O Poder Público, ao unificar as contas da previdência em um "caixa único", deixou de ser transparente quanto à verdadeira arrecadação que se faz para a manutenção do sistema previdenciário. De se notar que, com a arrecadação única para os cofres públicos, tornou-se impossível para o cidadão distinguir com clareza o volume de recurso angariado por toda a sociedade para o custeio do fundo previdenciário. Pior ainda é constatar que o governo usa os fundos que seriam destinados ao custeio dos benefícios previdenciários para outros fins, ou seja, para cobrir seus gastos em geral, como se tais recursos fizessem parte de um mero fundo arrecadatório com o fim de salvar o Executivo nos seus mais diversos setores e nos seus mais diversos destinos, legítimos e ilegítimos, data venia dos responsáveis.

Segundo especialistas e pesquisadores do tema "reforma da previdência", o déficit apresentado pelo governo é fantasioso, falacioso e inventado, principalmente quando faz previsão de um déficit previdenciário em torno de R$ 133,6 bilhões para o ano de 2016 e quando sustenta que o descompasso entre o desembolso efetivado pela previdência de 2014 para 2015 subiu em 10% enquanto o volume das contribuições dos segurados aumentou em 3% e que esse fato teria gerado um rombo de 85,8 bilhões e, ainda, que em 2019 o rombo chegaria a 200 bilhões.

Acontece, ao nosso sentir, que o impiedoso governo desconsidera as muitas outras contribuições que toda a sociedade paga para a manutenção do sistema previdenciário, quais sejam: COFINS; CSLL; Contribuição sobre o lucro líquido sobre concursos de prognósticos, sobre a folha de salário das empresas, sobre a regularização das obras na construção civil, sobre o fundo de garantia e sobre tantas outras contribuições assemelhadas.

Para aumentar ainda a "mea culpa" do poder público, cumpre evidenciar que o governo também desconsidera os pagamentos de benefícios irregulares, por falta de fiscalização da própria autarquia previdenciária. Arrematando esse imbróglio e já desatando esse nó, vale salientar que o governo desconsidera também as desonerações que promove para grandes empresas e instituições (faz caridade para os grandes com o sacrifício dos pequenos).

Mesmo diante dessas aberrações administrativas e de gestão, no tocante à autarquia previdenciária, ignoradas por todos os governos e partidos políticos, vêm agora eles com a imposição de reformas no sistema previdenciário, atribuindo aos segurados o ônus decorrente da má condução deles à frente de todas as áreas governamentais, notadamente para a gerência dos recursos previdenciários.

Torna-se inaceitável que se fale em alteração das regras recentemente postas, relativas à fórmula 85/95, que nem sequer foram totalmente implementadas, que são progressivas e atendem as exigências de cálculo atuarial da previdência, pois ano a ano será aumentado o tempo de contribuição e ou idade, até chegar à fórmula 90/100 em 2027.

Também é inaceitável a desvinculação do piso dos benefícios do reajuste do salário mínimo, sob pena de, num piscar de olhos, o segurado ver o seu benefício reduzido a quase nada, e isso, para não dizer que será convertido em esmola concedida pelo governo. E nem assim o Executivo se toca do absurdo que é esfolar ainda mais o trabalhador, o idoso, o sobrevivente aposentado.

Por tudo isso e por muito mais que poderia ainda se falar a respeito, torna-se necessário que todos estejam bem atentos e não permitam que o sistema previdenciário brasileiro seja transformado em um mero fundo de arrecadação para governos eternamente insaciáveis, que penalizam impiedosamente o segurado que paga em dia suas contribuições e ainda querem reduzi-lo a um pobre coitado, pedinte de esmola e já catador de migalhas de um sistema que ele, trabalhador incansável, manteve e custeou com longos anos de seu trabalho árduo e honesto, ao contrário do governo, que arrecada muito bem, mas administra muito mal.    

Em tempo, repisando o dito e enfrentando por uma outra tangente a questão da reforma do sistema previdenciário, merece atenção o que o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse em entrevista ao canal de TV do SBT, que o país deveria fixar a idade mínima de 65 anos para as aposentadorias de homens e mulheres. Meirelles criticou o conceito de direito adquirido e afirmou que a reforma previdenciária deveria valer para os trabalhadores na ativa que ainda não contribuíram por 35 anos.

Para conduzir morro abaixo a carreta desgovernada das suas finanças mal gerenciadas, o governo federal alega que a Previdência precisa de uma reforma urgente porque registrou um déficit de R$ 85 bilhões no ano passado. Embora o suposto déficit da Previdência seja muito inferior aos R$ 501 bilhões que a União gastou com o pagamento de juros em 2015, Meirelles insiste em cortar os gastos da Previdência em vez de reduzir os juros. Uma mágica circense que não ilude ninguém e muito menos o trabalhador ou o aposentado.

No entanto, em nome da transparência e da verdade real, as alegações do governo para justificar a reforma são contestadas por especialistas em Previdência Social. Observe-se que, em audiência no Senado Federal, a professora Denise Lobato Gentil, do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio Janeiro), explicou que o governo federal manipula os números "para aprovar a DRU (Desvinculação das Receitas da União), a CPMF e as mudanças nas regras da Previdência". Segundo a professora, "não há nada errado com a Previdência".

Em outra entrevista, em fevereiro, a professora da UFRJ explicou ainda que a "Constituição diz que a Seguridade Social será financiada por contribuições do empregador (incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro), dos trabalhadores e do Estado. Porém, o que se faz é um cálculo distorcido. Primeiro, isola-se a Previdência da Seguridade. Em seguida, calcula-se o resultado da Previdência levando-se em consideração apenas a contribuição de empregadores e trabalhadores, e dela se deduz os gastos com todos os benefícios".

Fazendo papel de inocente e seguindo essa metodologia, a população acredita que a Previdência é, de fato, deficitária. Só que a base de financiamento da Seguridade Social inclui outras receitas, "como a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e as receitas de concursos de prognóstico (resultado de sorteios, como loterias e apostas)". Tudo conforme já mencionado acima. Portanto, quando se consideram esses recursos, constata-se que a Previdência é superavitária, uma vez que, em 2015, apesar da recessão e do desemprego, a Previdência obteve uma receita bruta de R$ 675,1 bilhões e gastou R$ 658,9 bilhões, ou seja, mesmo diante de um quadro econômico extremamente adverso, o sistema conseguiu gerar um superávit de R$ 16,2 bilhões.

De acordo com a mesma especialista, professora Denise, da UFRJ, o objetivo da reforma "é cortar gastos para dar uma satisfação ao mercado, que cobra o ajuste fiscal". Nada é dito sobre os gastos com juros, que têm um impacto muito maior sobre o Orçamento. Ela critica duramente as desonerações promovidas pelo governo Dilma, que em 2015 chegaram a "R$ 282 bilhões, equivalente a 5% do PIB, sendo que 51% dessas renúncias foram de recursos da Seguridade Social. Essas desonerações não produziram o resultado previsto pelo governo, que era o de elevar os investimentos. Apenas se transformaram em margem de lucro".

Em relação à idade mínima de 65 anos, Denise explica que a medida atingiria 29% das concessões. O problema é que esses beneficiados "normalmente começaram a trabalhar cedo. Sacrificaram seus estudos, ganham menos, têm saúde mais precária e vivem menos. Essas pessoas formam dois grupos: 1) os que se aposentam precocemente acabam voltando a trabalhar e a contribuir para o INSS - não são um peso para a União; 2) outros que se aposentam mais cedo o fazem compulsoriamente porque não conseguem manter seus empregos, na maioria das vezes por defasagem entre os avanços tecnológicos e sua formação ultrapassada, ou pelo aparecimento de doenças crônicas que certos ofícios ocasionam - estes já são punidos pelo fator previdenciário, que reduz o valor do benefício. Em suma, criar idade mínima e tratar a todos como se o mercado de trabalho fosse homogêneo é injusto e cruel, principalmente numa economia em recessão".

Pesquisas realizadas demonstram que a proposta do governo não tem o apoio da maioria da população, que entende que o governo não deveria dificultar as regras para aposentadorias. A explicação popular é com base na realidade do dia a dia do trabalhador no Brasil, onde as condições de trabalho não são das melhores, os salários deixam a desejar, o serviço de saúde pública é de péssima qualidade e as garantias sociais já alcançadas não devem ser retiradas.

Para finalizar esse longo e ainda não conclusivo debate a respeito da reforma do sistema previdenciário, vale desfazer umas interpretações equivocadas sobre direitos de pensionistas, aposentados e pessoas que demandam pela desaposentação, que me foram dirigidas e que têm relação com muitos segurados, a saber: I) viúvas, que são pensionistas, e que temem se casar novamente com receio de perder o benefício, não perdem a pensão após um novo matrimônio, mas se elas se casarem mais uma vez e os novos maridos morrerem, elas terão de fazer a opção por uma das pensões, porque não podem acumular benefícios; II) trabalhadores aposentados que continuam em atividade porque alegam que o benefício recebido é insuficiente para arcar com as despesas, ou seja, aposentam-se mas continuam trabalhando e contribuindo com a Previdência Social, podem e devem ajuizar ação de desaposentação, sem devolução de valores, mas precisam aguardar a demorada decisão de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF), que ao ser proferida deverá ser favorável aos trabalhadores que requereram em juízo a desaposentação, espera-se, mesmo porque o governo continua arrecadando as contribuições desses aposentados, que permanecem trabalhando e enchendo os cofres da Previdência.

Encerrando agora esse debate preliminar a respeito das alterações no sistema previdenciário, mas longe de considerá-lo concluído ou superado, vale destacar que os trabalhadores e os aposentados não podem mais pagar pelos erros das péssimas gestões do governo federal e da administração da Previdência Social.

Wilson Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental).



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