AGASTAMENTO NA SUPREMA CORTE



Ontem, 26, aconteceu uma despropositada discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

O ministro Barroso, enfim, não suportando mais a implicância irracional de Gilmar Mendes, pôs-se a responder às críticas do colega, que já conta com a antipatia de outros ministros da Corte. Mas ontem o ministro Gilmar estava mais ácido do que nunca, e em vários momentos provocou os seus pares. Ademais, observe-se que não é a primeira vez. Na semana passada, Gilmar qualificou como autista o pensamento contrário. Em outra ocasião, numa sessão do TSE, criticou os que, em sua visão, praticam o populismo judicial, dizendo que estes já "rodaram bolsinha" por aí. Enfim, quando se mescla o ódio com as opiniões, obnubila-se o raciocínio.

Sem nenhuma novidade para quem acompanha as sessões do Supremo, a sessão desta quinta-feira, 26, foi a crônica de um confronto anunciado. O encontro estava marcado, mas, sessão a sessão, era postergado.

Ocorreu que, ao final do julgamento de uma ADIn, em que se discutia a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará, quando o placar já era por ampla maioria, 7 a 1, o ministro Gilmar Mendes começou a votar, com seu ácido tom característico. Agressivo, duro com quem votou diversamente de seu entendimento (ele se aliava ao “1” do placar), o ministro Gilmar mais uma vez, como já havia feito recentemente, relembrou o caso da ação que julgou inconstitucional a emenda dos precatórios, para novamente criticar o ministro Fux, que tinha sido o relator daquele feito. Por tabela, criticou o Rio de Janeiro. O ministro Fux, faixa-preta de Jiu-Jitsu, não entrou no ringue. Preferiu deixar o ministro sozinho no octógono.

No entanto, o mesmo não se deu com o ministro Barroso, que há muito vinha sendo alvo de farpas do ministro Gilmar. Com um ímpeto cesariano, iniciou uma altercação com o ministro. Sem decair na metáfora da luta, foi como se levasse o ministro Gilmar às cordas, e o castigasse, sem dó. A ministra Cármen interrompeu o embate, pois anteviu um estrago. Ao final, Barroso recomendou que o ministro Gilmar ouvisse a música “As Caravanas”, de Chico Buarque. Nela, Julinho da Adelaide ensina que “a raiva é filha do medo e mãe da covardia”.

O diálogo, se assim podemos chamar, deu-se da seguinte forma:

Gilmar: A prova de que falta criatividade do legislador é o caso do Rio de Janeiro – a gente citar o Rio de Janeiro como exemplo...



Barroso: Eles devem achar que é Mato Grosso, onde tá todo mundo preso...



Gilmar: Não, é o Rio de janeiro mesmo... e no Rio não estão?



Barroso: Aliás, nós prendemos, tem gente que solta.



Gilmar: Solta cumprindo a Constituição... quem gosta de prender... V. Exa., quando chegou aqui, soltou Zé Dirceu!



Barroso: Porque recebeu indulto do presidente da República!



Gilmar: Não, V. Exa. julgou os embargos infringentes.



Barroso: Absolutamente, é mentira! Aliás, V. Exa. normalmente não trabalha com a verdade! Então gostaria de dizer que José Dirceu foi solto por indulto da presidente da República. E V. Exa. está fazendo um comício que não tem nada que ver com extinção de tribunal de contas do Ceará. Vossa Excelência está queixoso porque perdeu o caso dos precatórios e está ocupando o tempo do plenário com um assunto que não é pertinente para destilar esse ódio constante que V. Exa. tem e agora o dirige contra o Rio. V. Exa. devia ouvir a última música do Chico Buarque, "a raiva é filha do medo e mãe da covardia". V. Exa. fica destilando ódio o tempo inteiro, não julga. Não fala coisas racionais, articuladas. Sempre fala coisas contra alguém, está sempre com ódio de alguém, está sempre com raiva de alguém. Use um argumento!

Neste momento, a presidente Cármen Lúcia chamou a atenção para que voltassem à discussão sobre o Tribunal de Contas.

Gilmar: Vou voltar, só queria lembrar que os embargos infringentes de José Dirceu foram decididos aqui.



Barroso continuou: Zé Dirceu permaneceu preso, sob minha jurisdição, inclusive revoguei a prisão domiciliar porque achei imprópria. Concedi a ele indulto com base no decreto aprovado pela presidente da República, porque ninguém é melhor e nem pior do que ninguém. E, portanto, apliquei a ele a lei que vale para todo mundo. Quem decidiu foi o Supremo, aliás, não fui eu, porque o Supremo tem 11 ministros, e, portanto, a maioria entendeu que não havia o crime. E depois ele cumpriu a pena e só foi solto por indulto, e mesmo assim permanece preso porque estava preso por determinação da 13ª vara Criminal de Curitiba. E agora, só está solto porque a 2ª turma determinou que ele fosse solto. Portanto, não transfira para mim essa parceria que V. Exa. tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco.



Gilmar, rindo: Imagine...



Cármen a Gilmar: Peço por gentileza... estamos no plenário de um Supremo Tribunal e eu gostaria que... vamos voltar, por favor. Penso que V. Exa. colaborará.



Gilmar retomou brevemente a questão do julgamento em análise, e logo retomou a discussão: Quanto ao meu compromisso com crime de colarinho branco, presidente, eu tenho compromisso com os direitos fundamentais. Fui presidente do STF, que foi inicialmente quem liderou todo um mutirão carcerário. São 22 mil presos libertados e era gente que não tinha sequer advogado. Não sou advogado de bandidos internacionais.


Barroso: V. Exa. vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é estado de direito, é estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário.



Gilmar: Tenho esse histórico e realmente na 2ª turma, que eu sempre integrei, nós temos uma jurisprudência responsável, libertária, e não fazemos populismo.



Cármen: Ninguém faz, ministro. O Supremo Tribunal faz julgamentos.


A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, neste momento interrompeu o ministro e encerrou a discussão, confirmando o voto no julgamento.

Diante dos fatos e do agastamento gratuito entre ministros da Suprema Corte, o destaque vai para Gilmar Mendes que sempre bate de frente com quaisquer que o desafiem em matéria posta no plenário. Ou seja, o estopim de Gilmar é curto, mas o ministro Barroso não deixou por menos e o colocou no seu devido lugar.

A lição deixada dessa discussão é que o Poder Judiciário anda batendo cabeças. Ao Supremo não é dado estar sempre no foco da mídia e das notícias espetaculares, mas defender e guardar a Constituição; julgar e mostrar equilíbrio; dar exemplo de seriedade e severidade na aplicação da Justiça e das leis.

Destarte, ao STF, a quem foi destinada a guarda da Constituição, cabe buscar sempre pela efetividade dos direitos fundamentais consagrados e impedir a violação dos preceitos constitucionais, seja por ação ou omissão. Entretanto, verifica-se pelos fatos acima noticiados, que essa é uma atribuição que nem sempre se consegue exercer sem conflitos, haja vista a altercação quase constante entre os ministros da Corte.



Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).



Comentários

  1. Esse Gilmar Mendes é amiguinho da turma do governo federal. Não é do Legislativo, mas age como se fosse. Gilmar sempre compra briga em favor de algum deputado ou senador. Uma vergonha! Falta-lhe isenção. Não merece ser ministro do STF. Parabéns ao ministro Luís Barroso por dizer umas verdades ao Gilmar. E parabéns ao Dr. Wilson Campos por mais um artigo louvável e de grande relevância para nós advogados brasileiros. Raymundo J. S. Vieira F.

    ResponderExcluir
  2. Sendo curto e rápido: Gilmar Mendes é um inimigo das causas sociais e populares, mas vive protegendo os companheiro de luxuosas festas e casamentos. Parabéns pelo artigo, como sempre de excelente quilate. Josemir H. F. G., emporesário e educador.

    ResponderExcluir
  3. Concordo com os dois comentários acima. Precisamos de juizes imparciais e voltados para o rigor da lei e não dos conchavos e proteções de a ou b. Justiça é JUSTIÇA quando é igual para todos. Parabéns dr. Wilson Campos pelo exemplar artigo de cunho social e jurídico. Matheus F. B. Neves., empresário, empregador e contribuinte de pesados impostos.

    ResponderExcluir
  4. Assino embaixo das opiniões anteriores, porque a lei deve ser igual para todos. Sem exceção. Muito bom o artigo e os outros do seu blog. Excelentes!!!
    Milton Martins.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas